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Sérgio Fontenele

Sérgio Fontenele é jornalista e comentarista político

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A denúncia e os sinais trocados da "anistia" bolsonarista

Termo agora serve, sofisticamente, a Bolsonaro, sua família e bolsonaristas em geral, que intensificam seu levantar de bandeiras para anular denunciados crimes

Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)

Celebrada pelos democratas – aqueles que lutaram contra a ditadura militar iniciada em 1964 e formalmente finalizada com a eleição indireta de Tancredo Neves a presidente da República, em 1985, pelo Colégio Eleitoral –, a palavra anistia volta à cena política do País. Porém, com sinais trocados. Especialmente agora depois da denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas indiciadas no inquérito da tentativa de golpe de estado.

Hoje, quem repudia o atual e distorcido conceito de anistia são os mesmos democratas que celebraram a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, permitindo o retorno dos exilados políticos e “perdão” a todos os opositores “que tiveram seus direitos políticos suspensos” pela ditadura. A Lei da Anistia de 79 também contemplava “os punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”, por serem opositores do arbitrário regime militar. No questionável contexto de conciliação, torturadores e assassinos de coturno foram igualmente anistiados.

Esse erro histórico, como se sabe, alimentou uma cultura perniciosa de impunidade geral, e contribuiu para manter acesa a chama do golpismo em nome de mais uma ditadura civil-militar. O termo anistia agora serve, sofisticamente, a Jair Bolsonaro, sua família e bolsonaristas em geral, que intensificam seu levantar de bandeiras para anular os denunciados crimes. Sejam eles cometidos pelo ex-presidente ou por todos já condenados  –  presos, foragidos e processados pela depredação da Praça dos Três Poderes, no infame 8 de janeiro de 2023. Sob o pretexto de clemência a “tiozinhos”, o que se quer é livrar Bolsonaro.

“Mito” e blitzkrieg - Dessa forma, o “mito” estaria mais próximo de conseguir anular sua condição de inelegível – e agora denunciado –, consequentemente, disputar a Presidência da República no ano que vem. Em outra frente, a que articula a derrubada da Lei da Ficha Limpa na Câmara dos Deputados – tese classificada como inconstitucional por importantes juristas –, a estratégia é compor uma espécie de blitzkrieg. Portanto, trata-se de ações simultâneas visando impedir o julgamento de Bolsonaro, que pode ser preso ainda neste ano, após sentenciado no plenário do STF.

No caso do ex-presidente, pesam contra ele acusações de crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado e organização criminosa. Por tudo isso, ele foi indiciado pela Polícia Federal (PF) – que concluiu seu relatório encaminhado ao STF – e denunciado pelo PGR. A PF também indiciou o Jair por organização criminosa nos inquéritos das joias sauditas e da fraude do cartão de vacina da Covid-19. Com a proposta de “anistia” defendida pelos extremistas de direita, alvoroçados com a chegada de Trump ao poder nos EUA, o ex-presidente passaria a estar livre, leve e solto.

Para o jurista Marlon Reis, relator da Lei da Ficha Limpa, “o instituto da anistia não pode ser imaginado senão para remover obstáculos legais, judiciais, a pessoas perseguidas, as vítimas”. Prossegue Reis, em entrevista à imprensa: “a anistia em relação à ditadura militar só era compreensível em relação àqueles que foram condenados arbitrariamente em tribunais de exceções criados durante a ditadura”. Ele sustenta que a anistia de 79 não era “para depois apadrinhar e melhorar a situação, salvaguardar aqueles que praticaram os crimes”. E é exatamente para isso que estrilam Bolsonaro e sua entourage.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.