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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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A derrota da esquerda na Bolívia

"Um triste fim para o período político mais importante da história recente da Bolívia", escreve o sociólogo Emir Sader

Bandeira da Bolívia (Foto: Manuel Claure / Reuters)

A Bolívia nos surpreende mais uma vez. Desta vez, negativamente. Em poucos meses, o país passou de um projeto concreto de luta contra o neoliberalismo para um segundo turno de eleições presidenciais, com dois candidatos de direita. Muitos fatores devem ser levados em conta para uma mudança tão radical de uma situação para outra.

O presidente do país era Luis Arce, ministro da Economia de Evo Morales, que buscava a reeleição. Evo se opôs à medida. Álvaro García Linera, que havia sido vice-presidente de Evo, propôs que Arce pudesse exercer um segundo mandato, como já havia feito.

Evo rejeitou a proposta, e uma guerra fratricida entre ele e Arce começou naquele momento. Este último retirou sua candidatura, mas Evo, que legalmente não pode ser candidato por ter exercido dois mandatos como presidente, insistiu em permanecer na disputa. Ele usou sua capacidade de mobilizar camponeses, especialmente em sua região natal, Cochabamba, para paralisar o país.

Enquanto isso, a situação econômica, que estava sob controle, começou a gerar inflação e aumentos descontrolados de preços, especialmente de bens de consumo populares. O governo Arce, que parecia ser o responsável pela crise econômica, também perdeu apoio.

O impasse estava estabelecido. Andrónico Rodríguez, um jovem líder camponês que era presidente do Congresso, lançou sua candidatura como uma alternativa à polarização. Mas Evo também não o apoiou.

A direita, que havia sido marginalizada do governo pelos vinte anos de governos do MAS, encontrou uma maneira de ocupar seu espaço, lançando seus dois candidatos tradicionais, que começaram a se destacar nas pesquisas.

Evo, por sua vez, começou a fazer campanha, inclusive nas ruas, pelo voto nulo. No primeiro turno, o que parecia impensável finalmente aconteceu. Os dois candidatos de direita chegaram ao segundo turno. O candidato oficial do MAS e Andrónico receberam poucos votos, assim como o voto nulo proposto por Evo Morales.

Assim, a Bolívia se encontra às vésperas do retorno da direita ao governo, com o fim do período virtuoso dos governos do MAS, que contavam com amplo apoio popular. Um, mais moderado, Rodrigo Paz, senador de centro-direita; o outro, Jorge Tuto Quiroga, direitista tradicional, defensor da privatização de empresas públicas e do retrocesso do modelo neoliberal.

Rodrigo Paz venceu no primeiro turno e se tornou o favorito para se tornar o primeiro presidente de direita da Bolívia em 20 anos. Evo Morales, por sua vez, pode se considerar vitorioso. Seus apoiadores apedrejaram e vaiaram Andrónico quando ele foi votar, tornando-o seu principal adversário.

A esquerda boliviana sofreu uma dura derrota, resultado, em parte, da guerra desencadeada entre ex-membros do MAS. Evo surge como a única expressão da esquerda boliviana com algum nível de apoio. Mas ele continua impossibilitado de concorrer a um cargo, devido a uma decisão do Judiciário, e sem maioria no novo Congresso, dominado pela direita, que possa reverter seu impedimento.

Um triste fim para o período político mais importante da história recente da Bolívia. Evo mantém altos níveis de apoio por ter sido o líder que personificou esse processo. No entanto, sem chances de se candidatar, ele também precisa responder pela sabotagem de uma candidatura de esquerda, representada por Andrónico.

Confrontos fratricidas, como sempre ocorrem dentro da esquerda, são fatais para seu desempenho e para sua capacidade de representar uma alternativa para a Bolívia e qualquer outro país onde possam ocorrer.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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