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Raimundo Bonfim

Coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP)

54 artigos

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A derrota eleitoral e o recado das urnas

As ruas desaprovaram o atual modelo de representação política. Ou ouvimos esse recado e mudemos rapidamente o sistema pelo qual escolhemos nossos representantes ou em 2018, os salvadores da pátria terão grande chance de vitória, o que só favorece à direita

As ruas desaprovaram o atual modelo de representação política. Ou ouvimos esse recado e mudemos rapidamente o sistema pelo qual escolhemos nossos representantes ou em 2018, os salvadores da pátria terão grande chance de vitória, o que só favorece à direita (Foto: Raimundo Bonfim)
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As análises sobre o resultado eleitoral que emergiu das urnas no último dia 2 de outubro até o momento se dividem em três blocos. No campo da esquerda duas avaliações: a primeira credita a derrota do PT somente ao movimento político que culminou com o impeachment da ex-presidenta Dilma, ou seja, compõe o roteiro do golpe traçado e liderado pela Operação Lava Jato. De acordo com essa avaliação a causa da derrocada eleitoral do partido é atribuída apenas à estratégia da direita, sem considerar os erros cometidos nas últimas décadas pelo campo democrático e popular, em especial a política de aliança e a conciliação de classe levadas ao extremo, não só pelos governos Lula/Dilma, mas também pelo PT e pelos movimentos sociais, com raras exceções.

A segunda avaliação no campo da esquerda atribui a derrota eleitoral acachapante apenas os erros cometidos pelo PT, sobretudo por ter priorizado em demasia a luta institucional em detrimento da luta de classe, de hegemonia e o afastamento dos movimentos sociais, além de não ter feito as reformas estruturais durante os 13 anos em que liderou o governo federal, sem considerar a incidência no resultado eleitoral da ofensiva da direita contra o partido desde as jornadas de mobilizações em junho de 2013, que se diga foram instrumentalizadas por força dos interesses imperialistas e do capital internacional que naquele momento visavam enfraquecer o governo Dilma e abrir caminho para derrotá-lo nas eleições de 2014, de forma a facilitar a apropriação do pré-sal, da Petrobras e das riquezas naturais.

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A terceira, na verdade não é uma avaliação, é uma narrativa dos vencedores disseminada pelos meios de comunicação. Essa versão afirma que o PT tomou uma surra eleitoral por que é corrupto. De acordo com essa análise o resultado eleitoral enterrou a tese de que o impeachment foi um golpe, embora a rejeição ao governo Temer continue em patamares elevados.

É inegável que a derrota se insere num contexto de avanço das forças de direita em âmbito internacional e da ofensiva neoliberal na América Latina, pela criminalização do PT e da própria política.

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Mas a maior derrota eleitoral sofrida pelo partido desde que chegou ao governo central em 2003, não se explica apenas pela crescente onda conservadora dos últimos anos. É certo que a falta de disputa ideológica e as concessões pragmáticas levadas a cabo, as medidas de ajuste fiscal do governo Dilma no início de 2015, provocando aumento da recessão e do desemprego, o que afastou a classe trabalhadora do governo e do partido, contribuíram com o fracasso eleitoral do PT.

A redução em 10 milhões de votos no PT (de 17 milhões em 2012, para 7 milhões em 2016), e a baixa de 630 prefeitos eleitos de 2012, para 231 em 2016, não podem ser atribuída apenas a estratégia da direita de aniquilar o partido, Lula, Dilma e a esquerda, mas tampouco pode ser justificada exclusivamente aos erros cometidos pela direção partidária.

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Se por um lado a derrota do PT não favoreceu outras forças políticas de esquerda, infelizmente. Os votos perdidos pelo partido hegemônico da esquerda até o momento (o PT) não migraram para outras agremiações similares como o PC do B e PSOL, sendo que o último perdeu esse ano 300 mil votos em comparação com 2012. O PC do B viu sumir 100 mil votos, apesar do bom desempenho no estado do Maranhão, governado pelo partido.

Do outro lado, também não favoreceu os partidos tradicionais da direita. O aumento da votação nos partidos conservadores é insignificante, exceto o PSDB que este ano obteve 4 milhões de votos a mais, mas o PMDB teve queda 2 milhões, o restante ficaram no mesmo patamar de 2012.

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Percebe-se o fenômeno da fragmentação política. Vários partidos da direita aumentaram sua votação em comparação a 2012, além da vitória de diversas figuras da direita fundamentalista e de extrema direita, como é o caso da eleição em São Paulo, de representante do MBL e do Vem Pra Rua. O filho do deputado federal Jair Bolsonaro (um apologista da ditadura militar e da cultura do estupro) foi o vereador mais votado no Rio de Janeiro, recebeu 106.657 votos.

É avassalador o número de eleitores que se abstiveram no pleito eleitoral (mais de 20% na média nacional). Somando os que nem se quer saíram de casa, para votar com os que se levantaram para anular ou votar em branco, perfaz-se um total de 40 milhões de pessoas, o que significa que a cada 4 eleitores 1 não acredita na democracia representativa.

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O que mais nos preocupa e é muito perigoso para a democracia é que esses números significam a negação da política como forma de resolver as demandas da sociedade. E a negação da política favorece as teses fascistas, homofobias, machistas, o preconceito e a intolerância.

Sejamos sinceros, o fato de as abstenções, votos nulos e brancos alcançarem 42,5% no Rio de Janeiro, 43% em Belo Horizonte, 38,5% em São Paulo, no último caso 3 milhões de eleitores, mais que a votação obtida por João Doria, o primeiro colocado da disputa, significa uma rejeição ao atual sistema político e constitui uma prova cabal que estamos diante de uma brutal crise de representação política. O que nos leva afirmar que não existe saída sem passar por uma reforma política, não só eleitoral.

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A atividade política, há tempos, tem sido sequestrada pelos interesses privados e individuais, em detrimento do público e coletivo. Devemos ter coragem de assumir que o atual sistema político está falido e, portanto, precisa ser reformado, se quisermos, de fato, enfrentar as desigualdades sociais, o fosso entre a classe política, o povo e os graves problemas da sociedade brasileira.

Devemos aproveitar o recado das ruas não só para avaliar criticamente o modus operandi da esquerda, mas, sobretudo criar as condições para não protelar ainda mais a necessária reforma política, reivindicada por uma parcela significativa da sociedade e pelos movimentos sociais.

Somente uma reforma política nos dará condições para superarmos o profundo descontentamento com a atividade política. As manifestações de junho de 2013 trouxeram à tona, além do questionamento da qualidade dos serviços públicos, uma grande insatisfação com a representação política. O grito mais ouvido era "você não me representa".

Nunca tivemos um momento tão propício para iniciarmos um movimento em prol da reforma do sistema político, para enterrar definitivamente o financiamento privado, limitar o autofinanciamento de candidatos, enfrentar a questão da sub-representação dos vários segmentos, e ampliarmos os mecanismos de participação popular e de controle social sobre os representantes.

As ruas desaprovaram o atual modelo de representação política. Ou ouvimos esse recado e mudemos rapidamente o sistema pelo qual escolhemos nossos representantes ou em 2018, os salvadores da pátria terão grande chance de vitória, o que só favorece à direita.
Existe apelo popular pela reforma política. Em 2014, num plebiscito popular organizado pelos movimentos sociais, aproximadamente oito milhões de pessoas votaram a favor de uma Constituinte Exclusiva para reformar o sistema político brasileiro.

Não devemos nos abater com a derrota eleitoral, faz parte da luta. Para aqueles que são dirigentes e militam em partidos políticos é imperioso um profundo debate, balanço e uma autocrítica profunda sobre o acomodamento da esquerda nos últimos 20 anos, incluindo os movimentos sociais – que também mergulharam na institucionalidade. Nós também, assim como os partidos, abandonamos a organização popular, a formação política e o trabalho de base. Priorizamos de forma quase exclusiva a participação nas conferências e conselhos em detrimento da mobilização e luta direta.

A direita aproveita o resultado e a ressaca eleitoral para provar a toque de caixa e na calada da noite na câmara dos deputados as duas propostas que mais lhe interessam no ajuste fiscal: o PL 4657/16, que desobriga a Petrobras de participar de todos os consórcios de exploração dos campos de pré-sal, com isso entrega a exploração às multinacionais, e a PEC 241/16, que desvincula gastos nas áreas da saúde, assistência social e congela investimentos na infraestrutura, gasto com funcionalismo e qualificação da máquina pública.

Por isso, temos que continuar a resistência na defesa dos direitos, da democracia e da soberania nacional, mas o resultado eleitoral de 2 de outubro exige de toda a esquerda e dos movimentos sociais uma tarefa inevitável e inadiável: a reorganização da esquerda. É imperioso um amplo debate dos erros cometidos, elaborar um programa para a esquerda brasileira, voltar a fazer trabalho de base, não com proselitismo sobre o legado social dos 13 anos de governos, embora seja a mais importante referência para um novo programa. À volta a base é para que a classe trabalhadora se torne novamente protagonista da luta de classe e retome o debate sobre o socialismo. Para tanto, se faz necessário investir na organização popular, formação política e luta direta. Nesse reconstruir da esquerda, em especial do PT, é preciso considera a experiência das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, principais protagonistas das mobilizações e resistência ao golpe e a ofensiva da direita.

Não sejamos ingênuos em não acreditar que o resultado eleitoral negativo para a esquerda, em boa parte é resultado do movimento golpista em curso no país, mas não podemos ignorar os recados dos eleitores: reforma política já, reconstrução da esquerda e dos movimentos sociais. Esse foi o grito silencioso das urnas.

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