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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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A desagregação que nos debilita

O sociólogo Boaventura Sousa Santos nos ensina que os três modos de dominação moderna, o capitalismo, o patriarcado e o colonialismo, agem de forma articulada e a resistência a eles é fragmentada. Para Boaventura, “o que está em jogo é muito e o pragmatismo impõe-se.”

(Foto: Mídia Ninja)
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Há posturas, narrativas e práticas que unem e há aquelas que afastam. Há posturas, narrativas e práticas que unem quem deveria ser afastado e aquelas que afastam quem deveria ser unido. O primeiro passo talvez seja dar-se conta disso. O segundo seria, então, decidir se queremos mudar.

Se somos impotentes para, junto com quem temos maiores afinidades, conquistar as transformações sociais que almejamos e que acreditamos justas, precisamos juntar forças. Precisamos avaliar se podemos, pragmaticamente, abrir mão de certos elementos de nossas lutas isoladas. Ponderar se esse ato promoveria avanços reais sem nos desfigurar.

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Duas figuras, de grande destaque no debate global de nosso tempo, abordaram a desagregação que nos debilita. O sociólogo Boaventura Sousa Santos nos ensina que os três modos de dominação moderna, o capitalismo, o patriarcado e o colonialismo, agem de forma articulada e a resistência a eles é fragmentada. A filósofa Nancy Fraser, por seu turno, defende que qualquer feminismo que se proponha a libertar todas as mulheres tem que ser anticapitalista.

Sousa Santos explica que o colonialismo não acabou, apenas mudou de forma: todas as formas de opressão que degradam raças, etnias, gêneros ou nacionalidades são as formas presentes de colonialismo. Ele cita como exemplos as guerras imperiais, o racismo, a xenofobia, a islamofobia etc. Pode-se pensar na dominação/degradação do povo palestino ou dos moradores dos morros do Rio de Janeiro como formas de colonização dos nossos dias, acrescento eu.

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O que une capitalismo, colonialismo e patriarcado? Essas três formas de dominação estão perfeitamente articuladas, concatenadas, para a manutenção do poder nas relações sociais, econômicas, culturais e internacionais. Uma das palavras-chave propostas, portanto, é descolonizar. Diz Sousa Santos, em ‘A Difícil Democracia’: “Descolonizar significa erradicar das relações sociais a autorização para dominar os outros sob o pretexto de que são inferiores: porque são mulheres, porque têm uma cor de pele diferente ou porque pertencem a uma religião distinta.”

Em artigo recente, o sociólogo reforça o caráter desagregado das lutas por igualdade: “O drama do nosso tempo é que, enquanto os três modos de dominação moderna atuam articuladamente, a resistência contra eles é fragmentada. Muitos movimentos anticapitalistas têm sido muitas vezes racistas e sexistas, movimentos antirracistas têm sido frequentemente pró-capitalistas e sexistas e movimentos feministas têm sido muitas vezes pró-capitalistas e racistas. Enquanto a dominação agir articuladamente e a resistência a ela agir fragmentadamente, dificilmente deixaremos de viver em sociedades capitalistas, colonialistas e homofóbicas-patriarcais.”

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Nancy Fraser, autora de ‘Feminismo para os 99%: Um manifesto’, acredita que o inimigo comum, de feministas e progressistas em geral, é o domínio do setor financeiro que comanda políticas de austeridade, como aquelas dirigidas à redução e à “mercadorização” dos serviços públicos. Lembremos que talvez a principal raiz dos protestos populares recentes seja a falta de perspectivas das pessoas em sociedades em que saúde, educação, aposentadorias etc. foram transformadas em mercadorias, que ou se paga ou o acesso é negado. 

A união entre feministas e partidos de esquerda, entende ela, deve se dar caso a caso, por conta de características locais específicas. No entanto há duas considerações que, em entrevista recente, ela afirmou julgar gerais:

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“A primeira é que qualquer feminismo, que busca libertar todas as mulheres, tem que ser, ele próprio, anticapitalista – feminismos liberais, pró-capitalistas podem, na melhor das hipóteses, empoderar estratos pequenos e privilegiados de mulheres profissionais-gerentes, enquanto deixa a grande maioria vulnerável a abusos de toda ordem.

Em segundo lugar, as feministas, por mais numerosas e radicais que nos tornemos, não podemos transformar a sociedade sozinhas. A profunda mudança estrutural que precisamos só pode ser alcançada através de uma ampla aliança anticapitalista, que tem que incluir movimentos radicais e partidos políticos que, até o momento, não priorizaram gênero. Teremos de pressioná-los a fazer isso, ao nos unirmos a ambientalistas radicais, antirracistas, movimentos de direitos dos imigrantes, sindicatos e outros. Esse é o único caminho para a transformação social em larga escala.”

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Focando nos Estados Unidos, Fraser aponta que as políticas de Trump são odiosas, excludentes e têm incentivado ataques racistas. As opções partidárias são muito restritas, republicanos e democratas, mas há uma ala importante em crescimento dentro do partido Democrata:

“Os democratas estão divididos entre a ala Clinton/Obama (os “neoliberais progressistas”, como eu os chamo) e a ala Sanders/Warren/AOC [Alexandria Ocasio-Cortez] (os “socialistas democráticos” ou populistas progressistas anticorporações ). Essas duas forças estão agora na luta de suas vidas pelo controle do partido. Não há dúvida para mim que as feministas devem estar alinhadas com a esquerda nessa luta, ao mesmo tempo em que também insistimos que o pensamento feminista seja colocado no centro de sua agenda.”

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Sousa Santos, ao ter em perspectiva as eleições em Portugal, apontou que:

“O entendimento entre as forças de esquerda tem contra si forças imensas, nacionais e internacionais: capitalismo financeiro global, privatarias público-privadas, Comissão Europeia, embaixadas norte-americana e de muitos países europeus, agências da sociedade civil supostamente promotoras da democracia, Igrejas conservadoras, a razão indolente da direita infiltrada há muito no Partido Socialista português contra a militância corajosa do último Mário Soares, a razão indolente do sectarismo de pequenos grupos de esquerda radical que têm sempre os dois pés no mesmo sítio para acreditarem que são firmes em vez de estáticos.”

Para Boaventura Sousa Santos “o que está em jogo é muito e o pragmatismo impõe-se.” Para Nancy Fraser: “é um momento em que as opiniões das pessoas mudam com rapidez, nós precisamos colocar nossas melhores ideias nessa mistura”.

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