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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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A destruição do campo semântico de direitos

As promessas de ganhos e melhorias na qualidade de vida resultantes da globalização, da menor interferência do Estado na economia, da desregulação, da abertura das fronteiras nacionais aos fluxos de capitais, não só não foram cumpridas, mas desembocaram em uma crise de grandes proporções

Economia e Bolsonaro: poço sem fundo (Foto: Alan Santos/PR)
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A mesa da manhã, desta quinta (3/10), da XVII Semana de Economia da PUC-SP homenageou o sociólogo e economista Francisco de Oliveira, com o tema que lhe era mais caro: Desigualdades sociais e perspectivas de desenvolvimento para a economia brasileira.

Seguiram-se temas imprescindíveis à compreensão da conjuntura mundial e brasileira: a crise do neoliberalismo e sua vertente autoritária, a renitente fraqueza da economia brasileira, os sinais de recessão que se distribuem pelo mercado financeiro internacional e, claro, lembranças do pensamento e dos ensinamentos de Chico de Oliveira.

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Há incríveis semelhanças, e obviamente algumas especificidades, entre o que o país vivia na era Fernando Henrique Cardoso e o que vivemos hoje. FHC, em 1997, já se encaminhava para o final de seu primeiro mandato, em que acelerou a adoção do modelo neoliberal no país: privatizou empresas públicas, criou as agências reguladoras, abriu o país ao comércio e aos fluxos de capitais internacionais, tratou movimentos sindicais e sociais com mão de ferro. Seu governo submeteu o país à ordem neoliberal.

As ações de FHC eram vistas com surpresa por aqueles que acreditavam que a expressão Social Democracia da sigla de seu partido (PSDB) era para valer. Foi nesse contexto que ocorreu a entrevista com Francisco de Oliveira, em 1997, para o livro Conversas com Economistas Brasileiros, coordenada por Guido Mantega e José Márcio Rego. Perguntaram a ele:

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“Na última frase do Crítica à razão dualista você escreveu que: ‘Nenhum determinismo ideológico pode aventurar-se a prever o futuro. Mas parece muito evidente que este [o futuro] está marcado pelos signos opostos do apartheid ou da revolução social’. Como você avalia esse prognóstico de 25 atrás?”

Naquele momento, em que a Previdência e o ataque a direitos também estavam na ordem do dia, ele respondeu:

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“Houve um período, Guido e José Márcio, que eu fui muito crítico das minhas próprias conclusões. No período otimista achava que essa conclusão não era mais que o desejo evidente que a revolução social se produzisse e o desejo de uma violenta condenação do regime militar. Mas que, entretanto, desdobramentos posteriores desautorizassem essa conclusão pessimista. Hoje [1997] minha posição é a seguinte: a ciência social possui estatuto científico, mas não é capaz de prever as revoluções sociais que são irrupções na história que surpreendem a todo mundo.

Mas a experiência social hoje pode dar base a pensar-se que nós estamos indo, no fundo, para o apartheid social. Isto é, o neoliberalismo, em terras da América, para parodiar Tocqueville, tende a produzir a exclusão. E exclusão é apartheid. Não é a exclusão do mercado. É a exclusão do campo de significados construído desde a revolução burguesa, desde a grande Revolução Francesa. Eu acho que é isto que está em marcha. Quando se desqualifica o adversário, quando você transforma previdência social em custo Brasil, está em destruição o campo semântico de direitos que vem desde a Revolução Francesa. E isto é apartheid, no meu modo de ver.”

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Passados 22 anos dessa avaliação de Chico de Oliveira, como é carinhosamente tratado, e terminado o período em que o Brasil ficou blindado, ao menos parcialmente, do avanço neoliberal nos governos petista, como está o quadro hoje? A quantas andam a desigualdade, a destruição de direitos, o apartheid ?

Aquele neoliberalismo ‘simpático’, com ares progressistas, deu lugar a outro ‘rude’, como nos conta o professor Pedro Paulo Zahluth Bastos, um dos componentes da mesa. A orientação política daquele período, de Clinton, Blair, Obama, pode ser rotulado de “neoliberalismo com verniz progressista”, mas que deportava imigrantes, como fez o primeiro presidente negro dos EUA, Obama, e que bombardeava a Líbia, como fez uma mulher na liderança do Departamento de Estado, Hillary Clinton. FHC foi o representante brasileiro dessa Terceira Via: “um golpista que defende a liberação da maconha”, como define Bastos.

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As promessas de ganhos e melhorias na qualidade de vida resultantes da globalização, da menor interferência do Estado na economia, da desregulação, da abertura das fronteiras nacionais aos fluxos de capitais, não só não foram cumpridas, mas desembocaram em uma crise de grandes proporções, que começou em 2007 e ainda não está absorvida. Para Bastos, foram esses componentes que deram lugar ao neoliberalismo autoritário, representado por Duterte, Trump, Bolsonaro, um nacionalismo populista que mobiliza a classe média achatada, um neoliberalismo com traços neofascistas. 

Esta fase do neoliberalismo autoritário tem, entre outras, a meta de transferir todos os riscos sociais para o indivíduo, aponta ele. Esses líderes autoritários, ao avaliar o passado, isentam o modelo neoliberal e colocam toda a culpa nos imigrantes, no deslocamento da produção industrial para terras estrangeiras ou nas relações de comércio, como nos EUA de Trump e sua MAGA, a frase publicitária de sua narrativa Make America Great Again. Fazer a América retornar a seu “grande passado” seduz grande parte da sociedade descontente com o presente e temerosa com o futuro

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No Brasil, a culpa de todos os males foi atribuída aos governos anteriores, os responsáveis pela crise, especialmente por suas políticas sociais. A pequena distribuição de renda e direitos, liderada por Lula e Dilma, foi transmutada em radicalismo extremado: nossa bandeira nunca será vermelha. Para se contraporem a essa narrativa, os progressistas só terão sucesso se assumirem postura e discurso realmente de esquerda, opina o professor Bastos.

O professor Paulo Robiloti também não se revelou otimista com o curso atual da economia brasileira. Ele lembrou que estamos na mais lenta recuperação da história e apresentou o gráfico abaixo. Para cada recessão, apontada no gráfico, foi fixado o índice 100 para o PIB anterior ao início da da queda. Em seguida, são acrescidas as altas ou subtraídas as baixas dos PIBs trimestrais comparativamente aos 100 do início. A ideia é poder visualizar o tempo, em trimestres, gasto até o país voltar à produção pré-crise.

A média das recessões brasileiras, como se pode notar pela linha roxa, voltou ao PIB anterior à crise em algo como seis ou sete trimestres. Como resultado da recente recessão, representada pela linha vermelha, estamos a 19 trimestres abaixo do PIB de 2014.

“O governo da Áustria lançou um título de 100 anos com taxa de juros negativa.” Gabriel Galípolo usou esse exemplo para mostrar que não há mais o que fazer, em termos de política monetária, para tirar as principais economias do mundo da trajetória de desaceleração ou, até, recessão. Ele apontou que no fordismo a lógica era pagar bons salários para que os trabalhadores consumissem. Com maior consumo, as empresas poderiam investir mais e produzir mais, e assim pagar salários melhores.

Essa lógica foi completamente abandonada e substituída por uma “arbitragem geográfica”, em que as empresas alocam suas fábricas nos locais do mundo do mundo onde a mão de obra seja mais barata, a produtividade seja mais alta e onde tenham acesso aos insumos. Da mesma forma, as empresas fazem suas transações financeiras onde as taxas de juros sejam mais baixas e implantam suas sedes nos paraísos fiscais onde a tributação seja mais baixa. Um ‘avanço’ que desindustrializa, agudiza a desigualdade e empobrece largas parcelas da população 

“Está se desenhando um desastre. Será que temos margem para que isso progrida?” Perguntou-se e deixou à reflexão a professora Norma Casseb, coordenadora da mesa.

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