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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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A disputa pelo Cazaquistão, a disputa pelo Brasil

“A atual rebelião no Cazaquistão tem, portanto, um evidente paralelo com a “revolução laranja” da Ucrânia”, diz o jornalista Marcelo Zero

(Foto: Sputnik)
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Por Marcelo Zero

O Cazaquistão, país de 2,7 milhões de quilômetros quadrados, situado na Ásia Central, é peça-chave na disputa pelo domínio da Eurásia, a qual envolve EUA e aliados, de um lado, e Rússia e China, de outro. 

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Em primeiro lugar, é preciso considerar que o Cazaquistão possui reservas de recursos minerais e de combustíveis fósseis que estão entre as maiores do planeta. 

Os dados disponíveis indicam que o Cazaquistão tem a maior reserva mundial de zinco, tungstênio e barita; a segunda maior de urânio, crômio, chumbo e prata; a terceira maior de manganês e cobre; a sexta maior de ouro; a oitava maior de carvão; e a décima segunda maior de petróleo.

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As extensas reservas de petróleo e de gás natural, em especial, têm atraído grande número de investimentos estrangeiros e se constituem na base da economia cazaque. 

Entretanto, a importância maior do Cazaquistão tange a sua localização privilegiada, a qual torna aquele país uma ponte natural entre o Leste da Ásia e o Oriente Médio e a Europa. 

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De fato, localizado no centro da Eurásia, o Cazaquistão sempre serviu de ponte entre as mais antigas civilizações e de suas respectivas rotas de comércio, de modo a constituir um espaço de intercâmbio social, econômico e cultural entre os inúmeros povos dessa região transcontinental. 

A antiga rota da seda tinha no atual Cazaquistão seu elemento central. Por lá passavam as grandes caravanas que uniam a China ao resto do mundo.

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Pois bem, a Nova Rota da Seda, principal projeto estratégico da China, também tem no Cazaquistão sua peça-chave. 

Saliente-se que a Nova Rota da Seda já está operando no Cazaquistão há vários anos. 

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O principal eixo da Nova Rota da Seda no país é a ligação ferroviária entre o porto seco de Khorgos, na fronteira entre Cazaquistão e China, ao porto de Aktau, na costa do Mar Cáspio. 

Khorgos é o principal hub na ligação entre a China e a Ásia Central, e já está operacional desde agosto de 2015. 

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Outro ramal dessa conexão liga a China ao Irã, país também estratégico da região. Em fevereiro de 2016, o primeiro trem partindo de Zhejiang, no Mar da China, chegou a Teerã, após ter passado por Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão. 

É preciso observar  que a posição geográfica privilegiada do Cazaquistão é também estratégica, no que tange especificamente ao trânsito internacional de gás natural. Assim, o Cazaquistão é rota incontornável para o gás originário do Turcomenistão e do Uzbequistão. O principal destino dessa produção da Ásia Central é justamente a China. 

Ademais de ser muito importante para a China, o Cazaquistão é também de grande relevo para a Rússia. 

Além de ter sido parte da União Soviética, o Cazaquistão tem 23% de sua população de origem russa. Ele joga também papel central na integração econômica da região. Com efeito, em junho de 2014, junto com a Rússia e Belarus, o Cazaquistão firmou o tratado de criação da União Econômica Eurasiática (UEE), ao qual se juntaram posteriormente a Armênia e o Quirguistão. A UEE entrou em vigor em 1º de janeiro de 2015, estabelecendo uma união aduaneira e um mercado comum que abrange mais de 170 milhões de consumidores. Há intenção de expandir essa união às demais ex-repúblicas soviéticas, o que não agrada a Washington. 

Pois bem, é dentro desse contexto geoestratégico que devem ser analisados os atuais conflitos internos que se desenvolvem no Cazaquistão.

Muito embora as manifestações contra o governo de Tokayev tenham começado de forma pacífica, motivadas essencialmente pelo aumento dos preços do gás liquefeito, largamente utilizado no Cazaquistão como combustível automotivo, elas rapidamente se degeneraram, especialmente em Almaty, com a ação de alguns grupos armados.

Houve invasões e incêndios de prédios públicos e tentativas de tomar rádios e até o aeroporto. Ao menos 18 policiais foram mortos, além de dezenas de “manifestantes”. 

As reivindicações desses grupos prontamente extrapolaram reivindicações econômicas, regionais e por reformas políticas contra a influência onipresente de Nursultan Nazarbayev, que domina a política cazaque desde a época da União Soviética, e se estenderam para o campo geopolítico. 

Dessa forma, as reivindicações passaram a incluir, além da renúncia incondicional do atual governo, a criação de um governo provisório que, entre outras coisas, rompa todos os laços com a Rússia e retire o Cazaquistão da União Econômica Eurasiática (UEE). 

A atual rebelião no Cazaquistão tem, portanto, um evidente paralelo com a “revolução laranja” da Ucrânia, que colocou aquele país na órbita de Washington, e com as tentativas recentes de desestabilizar o regime de Belarus. 

O tiro, entretanto, poderá sair pela culatra. O governo cazaque, alarmado com a ação desses grupos armados, apelou para a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OSTC) para se proteger. A Rússia está enviando cerca de 2.000 soldados para ajudar a controlar a situação. Assim, a influência da Rússia no Cazaquistão poderá aumentar, em vez de diminuir.

Deve-se ter em mente que a política externa do Cazaquistão é bastante equilibrada.  O Cazaquistão, embora tenha relações estreitas com a Rússia e a China, procura manter também uma boa relação com os EUA e a Europa. A renúncia de Nazarbayev, em 2019, e o início da reforma política e administrativa que dá mais poderes às regiões produtoras de gás e petróleo se inserem numa diretriz que busca aprofundar os laços do Cazaquistão com o Ocidente. 

Contudo, a estratégia dos EUA parece ser a de desestabilizar, sempre que possível, regimes amigáveis à Rússia e à China, mesmo que não sejam hostis a Washington. 

Caso os EUA consigam colocar no Cazaquistão um regime decisivamente pró-Washington e hostil à Rússia e à China, como conseguiram fazer na Ucrânia, a estratégia de Moscou de unir as antigas repúblicas soviéticas e a estratégia da China de alargar sua influência com a Nova Rota da Seda seriam substancialmente comprometidas. Há muito em jogo.

Apesar do êxito remoto, essa possível aposta de Washington revelaria o grau de agressividade da política externa dos EUA, especialmente no governo Biden. 

Tudo indica que, para Washington, não basta um governo ter boas relações com os EUA, tem de ter também uma relação pouco próxima, ou mesmo hostil, com Rússia, China, Irã e outros países considerados “inimigos” pelo Departamento de Estado. 

Trata-se, assim, de uma política externa que aposta no conflito e na exclusão geopolítica. Uma política externa que, como afirmei em artigo anterior, tende a dificultar a saída da crise, em nível mundial. 

Tal política, frise-se, vale para a Ásia Central, e muito mais para América Latina, região que sempre foi considerada pelos EUA como de “influência exclusiva”.

Dilma foi deposta e Lula foi preso, numa operação desencadeada pelo DOJ, em razão, essencialmente, de uma política externa independente, que, embora não fosse nem de longe hostil à Washington e aliados, colocava ênfase na integração regional soberana e na aliança estratégica com potências emergentes, contrariando os interesses dos EUA. 

No continente americano, a disputa pelo Brasil é tão importante quanto a disputa pelo Cazaquistão, na Ásia Central. O Brasil poderá conduzir nossa região para a soberania integrada ou afundá-la numa dependência definitiva.

São peças que podem virar o jogo, no Grande Tabuleiro do Xadrez. 

Isso tem de ser levado em consideração, na disputa eleitoral de 2022. O debate sobre política externa tem de ter centralidade, no próximo pleito presidencial. 

É preciso que fique claro, para a população, quem de fato coloca o Brasil, e seus interesses nacionais, acima de tudo. E é preciso que todos saibam quem traiu o país e quem quer traí-lo de novo.

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