A doença do ressentimento e a violência de um golpe consentido

"(...) Para Max Scheler, o ressentimento se trata de 'um auto-envenenamento psicológico, que tem causas e efeitos bem determinados'; consiste em uma disposição psicológica, que, por um recalque sistemático, produz certas emoções e sentimentos, como o ódio e a maldade, o ciúme e inveja, a raiva e a maledicência. Inerentes à condição humana, ao serem recalcados sistematicamente, eles tendem a provocar uma deformação mais ou menos permanente do sentido dos valores e da faculdade de julgar.

Opondo-se, tanto à hostilidade, quanto à amizade, o desejo de vingança constitui a mais importante fonte de ressentimento. Ao ver-se ofendido, o indivíduo torna-se rancoroso, e busca vingar-se, querendo assim restabelecer o seu valor. Não logrando equiparar-se ao seu ofensor, sente-se impotente e, então se ressente. Também a inveja, o ciúme e a raiva ocasionam ressentimento. Ao sentir-se desgostoso por não possuir o que o outro possui, o indivíduo esforça-se por obter o que deseja. Não sendo bem-sucedido em seus esforços, sente-se impotente e, então, se ressente. Em suma, é sempre de uma certa disposição a comparar-se com o outro que surge o ressentimento...

Ora, em uma sociedade como a nossa, que se organiza justamente em torno da competição, e esta é tanto maior quanto mais indeterminado for o campo de ação das comparações, cada um tem o direito de julgar que vale tanto quanto qualquer outro, mas não tem como possuir o mesmo valor. E o ressentimento se alastra na medida mesma em que o nivelamento promovido pelo consumo aprofunda a desigualdade.". *

Contra as mentes ressentidas e as suas posturas psicológicas, políticas e sociais não se pode debater muito, principalmente no campo discursivo dialogístico no qual os significantes que lhes são disponíveis estão sempre atrelados a uma espécie de "auto-envenenamento", descrito acima pelo filósofo alemão, Max Ferdinand Scheler (1874-1928), impedindo-os de deslizar em suas cadeias lógicas do pensamento nômade que possibilitem novas significações.

Entretanto, embora seja como "malhar em ferro frio", faz-se necessário repetir à exaustão a estorinha do impeachment recentemente forjada no Brasil contra a Presidente da República, Dilma Rousseff. Portanto, longe de se pretender alterar o curso do pensamento dos chamados brasileiros ressentidos, eminentemente após a sua quarta derrota consecutiva nas urnas democráticas, pretende-se aqui apenas um texto desprovido de quaisquer formas de convencimento tampouco provocações, pois tudo já está tão claro que talvez não sejam mais necessários argumentos reflexivos e bem elaborados. Os próprios conspiradores já entregaram de bandeja a operação do golpe, travestido inicialmente de impeachment, não restando nenhuma dúvida quanto à violência desferida, as suas causas e motivações.

A figura do candidato derrotado, representante em tese (em tese porque o Sr. Aécio Neves não tem nenhum compromisso com nada, muito menos com os seus representados úteis, senão apenas com a sua vaidade pessoal e o seu falo imaginário) das aspirações de uma parcela também derrotada nas urnas, deu início ao seu teatrinho vulgar de birra e vingança logo após a apuração do resultado das eleições presidenciais em 2014, incendiando a ira de seus comparsas pouco reflexivos.

Diante disso, seria simples e natural o despertar da raiva, sentimento até compreensível diante da frustração erigida. Mas os atos infames e a ignomínia desferida contra a Presidente eleita democraticamente, ao seu Partido e ao seu principal líder, o ex-Presidente Lula, chegaram a patamares execráveis jamais vistos na história deste país, pois com a ajuda dos setores sujos da imprensa e dos interesses da classe economicamente abastada aliciadora das mentes mais insanas, deflagram um dos mais sensacionais golpes contra à Democracia e o Estado Democrático de Direito, atropelando a Lei e a utilizando a partir de hermenêuticas delirantes na tentativa de enquadramento criminal da Presidente eleita.

Recentemente, já não bastasse a sutileza nada velada da impetração vil do golpe aos olhares mais atentos, observa-se nesse momento os artificies da conspiração golpista revelando e desenhando o golpe em vazamentos de áudios demonstrando a sujeira de uma oposição medíocre, oportunista e perversa.

Não há mais dúvida, a perversão também se utilizou dos sentimentos mais rasos de grande parcela da população: o ressentimento.

E o mais impressionante e que choca o bom-senso e a racionalidade, mesmo com a deposição temporária da Presidente, eleita conforme a lei, o ressentimento parece não ter fim, o que indica que a cegueira nele associada permanece inalterada na maioria dessas mentes usadas e alienadas para a sustentação popular do golpe de Estado.

Por mais que os noticiários televisivos, as redes sociais e toda a imprensa nacional e mundial demonstrem que se trata de um impeachment golpista forjado pelos maiores corruptos de nossa pátria, inclusive com a aquiescência e participação do STF, principalmente na figura de seu militante golpista mor, Gilmar Mendes, os significantes congelados do tipo "Fora Dilma", "Fora Lula", "Corrupto é o PT" ainda são insanamente colados e bradados apenas nas imagens desses atores.

Tentar combater a ignorância ressentida e cega de muitos (as) é verdadeiramente um constante "enxugar gelo". Contra o delírio daí decorrente quaisquer argumentos racionais serão refutados, pois os significantes patológicos não se deslizam, impossibilitando novas significações.

No entanto, para aqueles que conseguiram certa humildade e pequena lucidez, abstendo-se parcialmente do discurso doentio estereotipado oriundo de sentimentos infantis ressentidos, a Pátria e a Democracia abrem-lhes os braços.

Aos outros, enterrados em suas próprias destruições vingativas, a história lhes reserva algumas páginas obscuras fechadas no seu acervo indelével.

O Golpe já não é mais sustentável na realidade.

Notas:

*PECORARO, Rossano e ENGELMANN, Jaqueline (Organizadores) – Filosofia Contemporânea – Niilismo. Política. Estética, Editora PUC Rio, 2008, p. 35;

45Cf. Scheler, Max. L'homme du ressentiment. Paris: Gallimard, 1970.