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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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A dor do conhecimento não sai do jornal

No contexto que atravessamos, o governo se mostra responsável. Não há como lhe reduzir o tamanho da responsabilidade frente a impasses na mesa de negociações

Estudantes, Prouni (Foto: Marcello Casal / Agência Brasil)

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Era para causar indignação, reclamar com gestos de horror, abrir contestações enérgicas e efetivas. Em vez disso, assistimos a sociedade indiferente prosseguir nos seus afazeres como se nada estivesse ocorrendo. Parodiando Chico Buarque, até se pode afirmar que a “a dor do conhecimento não sai no jornal”. A imprensa se preocupa mais com os ganhos de capital no setor financeiro ou sobre as últimas novidades na área do futebol e do atrativo infinito de praias no litoral. No entanto, o que seremos nós sem o desenvolvimento do saber? Nos dias de hoje, ele nos acompanha, nos cerca nos quatro cantos da casa, no trabalho, nos momentos de lazer, como se o houvéssemos herdado por desígnios dos céus e não por uma capacidade humana de criar nos mais diversos sentidos da palavra. E, se assim for, não resta dúvida de que dependemos do que se realiza como tarefa nas universidades, sobretudo numa nação terceiro-mundista, ou do sul global, para recorrer a expressão da atualidade, na qual ensino e pesquisa se articulam para superar limites.

Universidades nem sempre parecem bem-vistas por que ali tudo se mistura à noção de liberdade. Figuras da extrema direita, por mais de uma vez, andaram visitando seus espaços em grupos de propaganda ideológica pressupondo que cabeças moles se sensibilizassem com as pregações autoritárias. Isso, de fato, nunca funcionou. Atividades intelectuais se alimentam da liberdade como o ar que respiramos, a água que bebemos, o cru e o cozido nas suas melhores receitas. Além disso, cabe reconhecer, conhecimento produz conhecimento, em processos apaixonantes de reflexão científica ou filosófica, com frutos para o imediato e o futuro. Uma greve no ambiente de ensino superior, convém acrescentar, representa igualmente, ao contrário do que parece, uma experiência que, com frequência, muda a vida das pessoas e altera gradualmente os meios de relacionamento de uma sociedade. Nós estamos conscientes disso. Por sobre a paralisação nada se imobiliza, os cérebros se ativam de formas novas e contundentes, sob o princípio segundo o qual viver também é lutar pela vida. 

Na atualidade, a crise salarial (uma vez que a valorização de funções passa, ademais, por melhores condições), sucedendo-se ao bolsonarismo e a anomalias da frieza, toca em valores a preservar e proteger. Afinal, não construímos uma rede de instituições repletas de gente seduzida pelas esferas do saber, para desativá-la na primeira oportunidade pelo problema da má distribuição de recursos e da falta de vontade política.

No contexto grave que atravessamos, o governo se mostra responsável, é claro. Não há como lhe reduzir o tamanho da responsabilidade frente a impasses na mesa de negociações. Trata-se de um cochilo temporário, esperemos, uma vez que em novos encontros podem-se obter compensações atrativas. Em campi universitários, estudantes e até as pedras sabem que algo de urgente tem de ser feito. Ou cairemos num estado de ruína crônica, no plano das ideias, como ocorre nos prédios nos quais nos abrigamos. Felizmente, seres humanos são erguidos à custa de esperança e capacidade de emergir das cinzas. Nada nos destruirá. O Brasil agradece.

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