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Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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A EBC na lista de Guedes: privatizar ou presentear?

"Falar em privatização da EBC é uma improriedade porque a radiodifusão, diferentemente de outras atividades econômicas exploradas pelo Estado, não pode ser simplementes transferida, está regulada por leis específicas, como a que rege o sistema de outorgas, acima mencionado", escreve a jornalista Tereza Cruvinel, ex-presidente da EBC, sobre a proposta de Jair Bolsonaro

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A lista das empresas que o ministro Paulo Guedes quer privatizar ainda este ano é uma salada mista e mal misturada,  que não resiste a um escrutínio severo sobre as razões do governo para se livrar de tais ativos e transferí-los ao setor privado. Algumas delas não desenvolvem atividade econômica propriamente dita, o que as torna desprovidas de interesse para os investidores. É o caso da Engea e da ABGF, que depois comentarei.

Outras, se vendidas, deixarão o Estado desarmado em áreas cruciais, como informatização e tecnologia digital. É o caso da Dataprev e do Serpro. Mas quero falar mais é da EBC - Empresa Brasil de Comunicação, que só pode ter sido colocada ali para ser presenteada a alguém. 

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Explicando melhor: a EBC é uma empresa pública criada para implantar e gerir o sistema público de radiodifusão, previsto no artigo 223 da Constituição para garantir a complementaridade no setor (o equilíbrio entre canais estatais, privados e públicos). Isso, no tempo em que pensávamos estar aprimorando uma democracia. Hoje ela explora uma rede aberta, a da TV Brasil, que deve ter no máximo meia dúzia de canais: Rio, Brasília, São Luiz, São Paulo e talvez alguns dos canais que, quando eu era presidente, requeri e recebi para a empresa, tendo implantando apenas dois (Uberlândia e Juiz de Fora). A EBC é também detentora de sete frequências de rádio. Entre elas a relevante Radio Nacional da Amazônia, que cobre um vazio de sinal na região, levando informação e serviços. 

Para transferir estes canais ao setor privado, o governo não teria necessariamente que privatizar a EBC. Como eles são concessões da União, o governo poderia suspendê-las, alegando qualquer coisa (hoje tudo se resolve com qualquer argumento), como insuficiência financeira da empresa para explorá-los. Eles seriam depois licitados pelo ministério (Ciência, Tecnologia e Comunicações) e um interessado do setor privado poderia ficar com eles. Portanto, tais canais não podem ser "vendidos" ao setor privado. Por lei, devem ser obeto de nova outorga.

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Se tomasse este caminho, ao governo restaria o que fazer com os funcionários. E seria seu o imenso patrimônio, representado pelo parque tecnológico da EBC e pela fortuna que a empresa tem em imóveis. Eles foram doados pela União à antiga Radiobrás pelos governos militares, e como a EBC incorporou a velha empresa, tornou-se dona deles.  Assim, tudo indica que Guedes e Bolsonaro estão querendo vender é este patrimônio, presenteando alguém com a infraestrutura e os imóveis da EBC, não com seus canais de transmissão.

A suposta privatização da EBC, com a venda de seus ativos e transferência de seus canais, seria o fim de qualquer possibilidade de equilíbrio entre as três pontas da radiodifusão. Com a EBC em atividade, e preservando seus canais, ainda que hoje não se possa falar mais em TV pública ou rádios públicas - pois as premissas da comunicação pública foram rompidas e violentadas, primeiro por Temer, e depois por Bolsonaro - lá adiante, quando o inverno autoritário e regressivo passar, a democracia teria uma chance de restabelecer o sistema público. Por isso Bolsonaro quer fazer terra arrasada da mais importante experiência de comunicação pública já realizada no Brasil. Quer também salgar a terra. Nao deixar meios para que lá adiante o projeto possa ser retomado.

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Falar em privatização da EBC é uma improriedade porque a radiodifusão, diferentemente de outras atividades econômicas exploradas pelo Estado, não pode ser simplementes transferida, está regulada por leis específicas, como a que rege o sistema de outorgas,  acima mencionado. Ninguém vai poder comprar a EBC levando junto os canais da TV Brasil e suas rádios. Tudo terá que ser realocado no plano de outorga e relicitado.

Por isso é óbvio que estão querendo vender é apenas o patrimônio da EBC, especialmente o imobiliário. Apenas em Brasilia, a empresa tem dois terrenos que valem ouro. Um, defronte do Pátio Brasil, no qual funciona uma pequena unidade técnica de transmissão, é cobiçado pelos grandes incorporadores da cidade, que sonham ali erguer um espigão, um centro financeiro ou corporativo.  Já no tempo em que fundamos a empresa e eu era sua presidente,  empresários da cidade mandavam emissários sondar uma possível venda do terreno. Respondemos sempre que nosso projeto era construir ali, mais adiante, a sede própria da EBC.

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Outro ativo cobiçado é a grande área que a EBC tem entre os setores de Oficinas e Armazenagem Sul, atrás do Carrefour. Ele é cortado numa lateral pela linha do metrô, e por isso o GDF ainda terá que indenizar a empresa. É um terreno enorme, em local valorizadíssimo, onde hoje funciona apenas uma unidade de arquivo e a sede recretativa dos funcionários.  Outra grande área é a do Parque do Rodeador, na zona rural de Brazlândia, onde estão instalados transmissores de rádio, inclusive os que enviam sinal para a Amazônia. Há também o prédio da antiga Radiobrás, na Asa Norte, hoje alugado porque não comporta toda a empresa.   Fora  isso, a EBC tem salas e imóveis no Rio de Janeiro, Manaus, Porto Alegre e muitas outras cidades. 

E há o parque tecnológico. Entre 2007 e 2011, período em que dirigi a empresa após sua criação, o ex-presidente Lula garantiu-nos o prometido orçamento de pelo menos R$ 350 milhões/ano. Conseguimos sempre mais que isso. O então ministro Franklin Martins sempre comprou nossas brigas por mais recursos. Era forte, ia lá e conseguia. Destes recursos, sempre investimos pelo menos R$ 100 milhões/ano em modernização e reequipamento. Hoje a EBC tem, na sede de Brasília, cinco estúdios de TV e uns cinco ou seis de rádio. Possui equipamentos ainda modernos, comprados naquele período, tanto de produção como de transmissão. Tudo isso vai ser vendido na bacia das almas, se o plano de Guedes for adiante.

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Guedes, ao incluir a EBC em sua lista de entreguismos, atende a Bolsonaro na questão ideológica, em sua promessa de "fechar aquilo lá". E ao mesmo tempo, engorda a lista de prendas com que pretende presentear o setor privado.

Como eu disse no inicio, a lista é uma salada mista e mal misturada porque junta num balaio empresas com diferentes perfis e atrativos. Duas delas, por exemplo, foram criadas para gerir ativos governamentais. Quem, no setor privado, vai se interessar por elas, que contam apenas com funcionários e não desenvolvem atividade econômica específica? É o caso da Engea - Empresa Gestora de Ativos, e da ABGF, Agencia Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A.  Entraram na Roda as Ceasas de Minas e São Paulo. Vai que podem interessar ao agronegócio. Mas, e a Casa da Moeda, como será isso? Uma empresa privada para imprimir nosso dinheiro? Isso é seguro? 

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A Lotex (loterias instantâneas), as Docas de São Paulo e do Espírito, também vá lá. Mas será um crime grande privatizar os Correios, que com sua capilaridade unem os brasileiros, chegando aos mais remotos lugares, funcionando como banco onde nenhum banco existe.  

E se o Serpro e a Dataprev foram mesmo colocadas na roda, quem cuidará da informatização do governo, do pagamento dos aposentados e de todo o sistema previdenciário? Quanto o governo gastará contratando serviços de terceiros?

Perguntas não faltam mas eles não querem perguntas nem respostas. Eles querem entregar tudo,  depenar o Estado e nos entreter com o que parece ser um programa de governo mas é, na verdade, um programa de desmonte e destruição.

Bolsonaro já não disse que ficará feliz se seu mandato servir pelo menos para a desconstrução de tudo que hoje existe, para que tudo seja reconstruído no futuro?  É isso. 

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