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A educação fiscal como instrumento para uma formação cidadã

Os tributos são o preço que pagamos para usufruir de certa medida de proteção e de alguns direitos que só são possíveis de se oferecer se financiados de forma coletiva, dado seu alto custo

Os tributos são o preço que pagamos para usufruir de certa medida de proteção e de alguns direitos que só são possíveis de se oferecer se financiados de forma coletiva, dado seu alto custo (Foto: Julio Cesar Pereira Leite)
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É praticamente impossível passar pelo Pátio do Colégio – sítio histórico localizado na região central de São Paulo – sem observá-lo. Os enormes números em vermelho fluorescente, que se movem quase tão rápido quanto um cronômetro, chamam atenção até mesmo do transeunte mais apressado ou distraído. Falo do Impostômetro, equipamento instalado pela Associação Comercial de São Paulo e que mede de forma estimada quanto o governo arrecadou em tributos desde o primeiro dia do ano. Enquanto finalizo este artigo, o medidor já havia ultrapassado a marca dos R$ 981 bilhões, e ao terminar este parágrafo, o valor já estava desatualizado, visto que a cada segundo a cifra aumenta.

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Fonte: Impostômetro

 

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O que o impostômetro reforça aos cidadãos que circulam pelo centro de São Paulo – ou que o consultam pelo site – é uma ideia nem um pouco nova: a carga tributária no Brasil é excessivamente alta. Se esta afirmação é verdadeira ou não, abordarei mais adiante. Mas de tanto ser repetida nos noticiários de TV, páginas dos jornais, salas de aula, filas de supermercado e mesas de bar, já virou lugar comum na mente do brasileiro. Além disso, há ainda a desconfiança do brasileiro em relação à correta destinação destes tributos por parte do Estado e uma certa tolerância em relação ao não cumprimento de suas obrigações tributárias, como forma de protesto ou algo do tipo. Segundo a pesquisa Latinobarômetro de 2015, por exemplo, 79,8% dos brasileiros entrevistados declararam ter pouca ou nenhuma confiança em relação ao governo, e apenas 48,4% concordaram com a afirmação de que não há justificativas para não pagar seus impostos.

Esta resistência em pagar tributos, seja por considerá-los abusivos ou por desconfiar de sua correta utilização por parte do Estado, não é exclusividade do Brasil. Foi pensando em alterar este cenário que os países ao redor do mundo passaram a investir em Educação Fiscal – ações educativas com o objetivo de ampliar nos cidadãos a compreensão de que o tributos possuem função social e de que deixar de cumprir com essas obrigações reduz o bem estar coletivo de toda a sociedade. A educação fiscal como forma de incentivar o recolhimento dos tributos tem a ver com a ideia de Habermas de direito pós positivo, ou seja, parte do pressuposto de que a lei não deve ser cumprida apenas para evitar sanções, mas por ser considerada legítima. Sendo assim, ao invés de apenas utilizar de ameaças de sanções, seria mais efetivo por parte do Estado demonstrar de forma pública e transparente as razões pelas quais os cidadãos devem cumprir as leis – inclusive as tributárias. Cabe ao Estado, assim, demonstrar a função dos tributos como geradores de políticas públicas, e para isso, utiliza a educação fiscal.

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O verdadeiro objetivo da educação fiscal, portanto, não deve ser o de apenas convencer ou ensinar os cidadãos a recolher seus tributos, mas, antes disso, fortalecer a democracia e a coesão social. Os tributos devem ser mostrados não como um fim, mas como como um meio para se atingir aquilo que a sociedade deseja e seus cidadãos sozinhos não conseguiriam alcançar. Segundo Borja Diaz Rivillas, coordenador da Rede de Educação Fiscal do EUROsocial, a educação fiscal deve mostrar as obrigações tributárias como uma das colunas que sustentam a convivência civilizada entre os cidadãos.

Se a educação fiscal é importante para qualquer cidadão, ela se faz imprescindível na formação de crianças e jovens. Todos reconhecem a importância de uma educação voltada não apenas para o mercado do trabalho, mas principalmente para a cidadania. E, se para formar um cidadão é necessário ensinar-lhe ética, moral, solidariedade, explicar como funcionam as bases da democracia e do sistema político de seus país, a educação fiscal também se faz necessária e, assim como qualquer outro tipo de educação, deve ser uma prática reflexiva e libertadora. A criança ou o jovem necessita entender que os tributos não são apenas uma prestação obrigatória cobrada pelo Estado, antes disso, representam o princípio da solidariedade. Os tributos são o preço que pagamos para usufruir de certa medida de proteção e de alguns direitos que só são possíveis de se oferecer se financiados de forma coletiva, dado seu alto custo. Os jovens, principalmente, já aprenderam que nada vem de graça, sendo assim, até os direitos custam dinheiro.

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Em minha atuação em sala de aula como instrutor no Programa Jovem Aprendiz – política pública que oferece uma formação ao mesmo tempo profissional e cidadã a jovens de quatorze a vinte e quatro anos – noto a importância da educação fiscal como reflexão da prática cidadã. Ao iniciar a aula sobre tributos, os jovens de forma quase unânime repetem de imediato o senso comum citado no início deste artigo: no Brasil paga-se muitos impostos. A partir daí, passamos a refletir sobre a associação entre tributos e bem estar social. A primeira provocação é: a carga tributária brasileira é realmente tão alta? Afinal, com qual parâmetro se pode definir se é alta ou baixa? Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Receita Federal, em 2014, o Brasil ficou em 20º lugar na posição de carga tributária, apresentando um percentual de tributos de 32,42% em relação ao PIB. Se comparados com os demais países da América Latina, este valor é o mais alto, porém, em comparação com os demais países pesquisados pela OCDE, ficamos abaixo da média.

Além disso, não existe um nível ideal de tributação que possa ser facilmente calculado de acordo com o tamanho do país ou algo do tipo. Isso irá depender do “pacto social” elaborado por cada sociedade, ou seja, de quais serviços aquela sociedade espera que sejam fornecidos pelo Estado. Obviamente, quanto mais serviços, mais tributos. Além disso, é natural que os gastos do governo cresçam a cada ano, pois os países têm se tornado cada vez mais urbanizados, com menos pessoas no campo e mais nas cidades, o que demanda mais serviços, investimentos em infraestrutura, e por sua vez, mais tributos. Sendo assim, é necessário mostrar aos jovens, por meio da educação fiscal, a incoerência de se exigir que o Estado preste mais serviços e com maior qualidade, e ao mesmo tempo bradar por redução da carga tributária. O que não se pode deixar de discutir, porém, é quem paga estes tributos e em qual nível, haja vista que no Brasil a atual política fiscal, por meio de uma série de isenções, acaba tendo caráter regressivo, ou seja, quem ganha menos, paga proporcionalmente mais tributos. Este assunto rende por si só outro artigo, dada sua urgência e complexidade.

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Na América Latina, os programas de educação fiscal promovidos pelo Estado passaram a surgir na década de 90, após o período de reabertura democrática em muitos países. Neste sentido o Brasil foi pioneiro, ao criar, em 1996, no Conselho Nacional de Política Fazendária, um grupo de trabalho que seria o embrião do atual programa de educação fiscal. Aos poucos o programa foi se institucionalizando e ganhando o apoio de demais órgãos, tanto da administração tributária quanto da educação, até que em 1999 nasce o Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF. Os responsáveis pelo programa são o Ministério da Fazenda, Ministério da Educação, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Controladoria Geral da União, e, no âmbito estadual e municipal, os Grupos de Educação Fiscal. O PNEF tem como missão “compartilhar conhecimentos e interagir com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, favorecendo a participação social”, tem como público alvo professores e alunos de escolas públicas do ensino fundamental e médio e atua principalmente por meio de cursos presenciais e EAD.

Os cursos ministrados para capacitar educadores como multiplicadores da educação fiscal em suas comunidades são utilizados por quase todos os países que aderiram à educação fiscal na América Latina. Porém, este não é o único formato dos programas de educação fiscal, há também diversas ações de educação informal, como espaços lúdicos para crianças, exposições em feiras e festivais, peças de teatro, jogos, séries de televisão, concursos culturais, revistas em quadrinhos, entre outros.

Nos municípios e estados brasileiros, cito a título de exemplo o projeto de Estrela, um pequeno município localizado no Rio Grande do Sul, com pouco mais de 33 mil habitantes, e que há alguns anos passou a incluir a educação fiscal nas salas de aula. Para as escolas de educação infantil foi criado inclusive um mascote, o DONI – sigla para De Olho nos Impostos. No Ceará, primeiro estado a aderir ao PNEF, a aula inaugural do programa foi transmitida pelo sistema de televisão, e o programa atualmente conta com vídeos educativos, jogos, cadernos de atividades e outras ações lúdicas. Há por exemplo uma revista em quadrinhos, a “Turma da Cidadania: um passo na história dos tributos”, e houve em 2000 e 2001 uma peça de teatro apresentada nas ruas, “A Comédia da Cidadania”. Em Maringá, município do Paraná, a própria sociedade civil, insatisfeita com as ações do Estado, se uniu em torno da educação fiscal e criou a organização Sociedade Eticamente Responsável, utilizando também de obras teatrais e musicais e concursos de redação e monografias sobre educação fiscal, além de formações para os candidatos a cargos públicos. Além dessas ações voltadas ao público mais jovem, observa-se também um crescimento de programas de educação fiscal em universidades, inclusive com o oferecimento de disciplinas sobre o tema, como é o caso da Universidade de São Paulo (USP), sobretudo no curso de Gestão de Políticas Públicas.

 

Mascote DONI – De Olho nos Impostos

Fonte: Blog do Airton – Notícias de Estrela –RS

 

Por fim, não basta apenas mostrar aos jovens a importância dos tributos para a prática cidadã. Assim como os incentivamos a fiscalizar os atos de seus representantes após as eleições, o mesmo se deve fazer em matéria tributária. Para que a educação fiscal seja completa, é necessário apresentar-lhes também os atuais mecanismos e órgãos de controle social, e acima de tudo, incentivá-los a exigir cada vez mais transparência e responsabilização no gasto público, seja nas pequenas ações do cotidiano, como exigir nota fiscal em suas compras, nos espaços institucionais, como conselhos de políticas públicas, conferências, ações populares e demais arenas. Por meio desta educação fiscal como parte integrante de uma educação cidadão mais ampla e reflexiva, pode-se construir cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres e mais comprometidos com o bem estar coletivo.

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