A emersão do neofascismo em escala global: Steve Bannon e a necrofilosofia
Sob a ideologia neofascista de viés neoconservadora coordenada por Bannon sustentada por bilionários e grandes financistas floresceram as mais favoráveis condições culturais para a reconfiguração das forças político-partidárias
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A emersão do neofascismo em escala global e restauração do que proponho qualificar como necrofilosofia que habita em seu núcleo duro pode ser analisada desde diferentes ângulos, e neste texto proponho fazê-lo através de figura cuja relevância não termina de ser devidamente ressaltada, Stephen Kevin Bannon (1953-). Conhecido mundo afora simplesmente como Steve Bannon, trata-se do personagem que vergou o subsolo da ideologia neoconservadora e emprestou-lhe novo rumo ao semear solo autoritário bastante fértil que vem ganhando trágico espaço mundo afora ao tempo em que apoia a proliferação de regimes políticos afins com a defenestração dos direitos humanos e o ataque ao direito à vida, algo que é perceptível sobretudo nos tempos de proliferação da pandemia.
Sob a ideologia neofascista de viés neoconservadora coordenada por Bannon sustentada por bilionários e grandes financistas floresceram as mais favoráveis condições culturais para a reconfiguração das forças político-partidárias que alimentam a revolução necrofilosófica que instaura a necropolítica (plano interno) e o belicismo (plano internacional) devidamente mascarados com falsa roupagem neoliberal-capitalista, pois, assim como o nazismo em seu momento histórico, tampouco pode ser apresentado em sua crueza para fins de cooptação eleitoral. Este é o sentido dos fatos políticos em curso especialmente no Ocidente, tanto nas Américas quanto na Europa, embora sob intensidades diversas, visando articular os interesses do império norte-americano e seus associados capitalistas cuja crise é notável em face do notável avanço do imparável colosso chinês.
A trajetória de Bannon pode auxiliar na compreensão do percurso político finalmente adotado. De família católica irlandesa simpática aos democratas, Bannon percorreu caminho inverso ao seu núcleo originário, e após finalizar seus estudos, ainda antes de seus 30 anos começou a trabalhar no mercado financeiro no auge da década de 1980, sob os intensos efeitos do neoconservadorismo neoliberal da era Reagan, quando foi recrutado pela então flamejante Goldman Sachs (NY) (1984-1990), passo prévio a sua mudança para Los Angeles (LA). Sairia de LA em 1990 com colegas da Goldman para fundar a empresa Bannon & Co, cujo declarado objeto era realizar investimentos em mídia, operações que lhe foram aproximando mais de homens e instituições que logo seriam de extrema utilidade para as suas futuras ocupações e opções políticas.
Na cidade de LA Bannon atuou em diversos setores, da banca à produção de filmes mas, principalmente, como executivo de mídia, o que resultaria de extrema importância para os seus próximos passos. Bannon desenvolveu habilidades de manipulação relevantes para a propaganda política, tais como a sensibilidade para compor e divulgar notícias falsas nas redes sociais. Expressiva parte dessas habilidades vem sendo construídas a partir de uma “falsa cidadania”, a saber, um conjunto digital de alta voltagem, com densa capacidade de interferir e formatar a percepção pública sobre os fatos políticos, econômicos e culturais de um determinado grupo humano sobre o qual se pretende intervir para definir os seus rumos. Até aqui a carreira de Bannon expressava o perfil de uma figura que evolui de homem da Marinha a financista da Goldman Sachs, de produtor em Hollywood que seria logo depois transformado em rei da mídia de direita nos EUA.
Na atividade midiática Bannon atuou durante longos anos à frente do conhecido site de notícias “Breitbart News”, organização midiática da “alt-right” norte-americana financiada com fundos privados, quando já era notável o êxito do site, posto que conseguia 17 milhões de visitantes. Antes que Donald Trump surgisse no cenário e obtivesse a vitória eleitoral o Breitbart News foi instrumentalizado para realizar ataque ao então Presidente Obama e ao establishment, focando criticamente temas como comércio, globalismo e a imigração, o que predominantemente ocorreu ainda antes de 2015, sendo que logo após tornou-se uma bem azeitada máquina de propaganda articulada para beneficiar Donald Trump, levando a que seus detratores não hesitassem em apelidá-lo de “Trumpbart News”.
Antes disto, quando ainda corria o ano de 2012, Bannon assumiu o controle da direção executiva do site de notícias Breitbart News, e sua marca ideológica era a emissão de opiniões e comentários sob o tom de extrema-direita explicitando admiração por fascistas, ditadores, teocratas e fanáticos de toda sorte, tudo isto temperado por convicções antiglobalistas, tendo em perspectiva a realização de uma radical transformação em escala mundial através da articulação de grupos nacionalistas de extrema-direita neofascistas. O nacionalismo encarnado por Bannon e sua área de influência é de muito difícil justificação (se acaso pudesse ser considerado viável) relativamente aos interesses da economia e da soberania dos países de economia periférica sob os quais orientam o exercício de sua influência.
As habilidades de Bannon continuaram a ser desafiadas até alguns anos após quando já afastado de suas funções na Breitbart foi trabalhar como assessor político de Trump. Durante a campanha eleitoral atuou como diretor executivo a partir de agosto de 2016, apenas poucos meses antes de fevereiro de 2017, quando mereceu a capa da revista Time, que o reconhecia como o verdadeiro cérebro pensante do obtuso Trump, alguém que logo demonstraria extremas habilidades publicitárias e manipulatórias, obviamente, não sem contar com o apoio de um modelo de mídia todavia não conhecido o bastante e com alta capacidade de interferência no sistema eleitoral e também com densa capacidade de inviabilizar o modelo de democracia representativa praticado no mundo ocidental, de resto, já em crítica profunda em face de suas disfuncionalidades várias.
Bannon pertenceu ao Conselho da Cambridge Analytica, empresa criada em 2014 pelo bilionário norte-americano Robert Mercer – tão importante no que concerne às responsabilidades do atual estágio crítico das democracias representativas quanto (compreensivelmente) pouco citado pela mídia corporativa –, tendo como objetivo auxiliar o espectro ideológico conservador. Uma vez vencidas as eleições e Trump tomado posse, e tendo anunciado o seu desligamento definitivo da Breitbart em 9 de janeiro de 2017, Bannon foi uma das primeiras nomeações da nova administração, a quem serviria como estrategista-chefe na Casa Branca. Embora tenha servido por curto período, até agosto de 2017, foi o suficiente para revelar-se como intenso alimentador de ofensas, com a veiculação de notícias atravessadas e o notável propósito de ampliação das esferas de conflito ao passo em que tomando decisões perpassadas por doses de desorientação fronteiriças com o caos.
Bannon operou grande parte das estratégias de mídia carregadas do que Trump publicamente negava ser a sua real opção político-ideológica, a saber, racismo, defesa do supremacismo, sexismo e também com o conjunto de valores distanciados daqueles ordinariamente associados aos da democracia plural e tolerante bem cultivada nos meios liberais ilustrados. A este respeito David Duke (Tulsa, 1950) veio a público afirmar que Bannon estava a criar o espectro ideológico sobre o qual os EUA seriam conduzidos no futuro próximo, o qual avaliamos estar recheado de grandes perigos, todavia mais quando se sabe que Duke foi em seu momento nada menos do que o “grande líder” da Ku Klux Klan.
Sob este abandeiramento ideológico Bannon pode ser considerado o primeiro norte-americano de extrema-direita desde meados da década de 1930 cujas ideias efetivamente passaram a contar na cena pública, inclusive internacionalmente, que flertam abertamente com os princípios típicos do fascismo. Desde a experiência nacional-socialista este ideário extremista não havia encontrado tamanho espaço nos países em que a democracia foi brandida como valor-eixo das instituições, como base de concórdia geral para as demais ações e decisões políticas, malgrado as corrosivas atividades plutocráticas dedicadas a tentar constantemente solapá-las e capturá-las.
O conteúdo ideológico com o qual Bannon contamina as suas ações e impregna os seus contatos vem insuflado por uma personalidade excepcionalmente compatível com a finalidade belicosa que despreza os meios para alcançar os fins de dominação global aos quais se propõe. Há quem aponte o quão intenso é o compromisso de corte racista que prioriza os reclamados valores “judaico-cristãos” propagados por Bannon, que os combina e resolve em composição étnica caucasiana associada a conteúdos sexistas e xenofóbicos, focando o islamismo (outro) como inimigo ademais de, mais recentemente, também apontar o Vaticano e o Papa entre os seus objetivos. Bannon também é orientador de estratégias solapadoras das estruturas de Estado, apontando para uma espécie de falso anarquismo que apenas pode resultar proveitoso para as grandes plutocracias neofascistas que operam em escala planetária.
Firme o plano ideológico de Bannon, era indispensável encontrar firmes vias para dispor de eficientes formas de alcançar êxito em eleições fora do território norte-americano, e para tal finalidade, emtão, a Cambridge Analytica, tão próxima a Bannon, desempenharia papel central, e assim, logo veríamos como ela interveio para obter ilicitamente dados do Facebook, algo logo trazido ao conhecimento público de forma impactante em março de 2018. A Cambridge Analytica foi central para o processamento de dados obtidos ilegalmente junto ao Facebook supostamente através da quebra de códigos de acesso digital, tornando possível a manipulação decisiva do eleitorado que foi eficiente para provocar danos políticos nos processos eleitorais de diversos países. Este acesso permitiu obter informações de aproximadas 30 milhões de contas individuais, que tiveram descobertos dados particulares assim como as suas últimas pesquisas realizadas na internet, facilitando assim a montagem de um sofisticado perfil psicológico individual muito útil para influenciar imensamente, por exemplo, as eleições presidenciais brasileiras de 2018, viciando-as e servindo ao propósito de domínio do país por parte dos interesses norte-americanos.
Vencido o processo eleitoral nos EUA, a articulação norte-americana para dar sequência a crescente influência no Brasil foi declarada abertamente por Bannon em jantar com o auto-declarado intelectual Olavo de Carvalho – de pífia educação formal e péssimo trato –, brasileiro radicado nos EUA, em Washington, presenciado por segmento da mídia impressa corporativa conservadora brasileira. Na oportunidade Bannon deixou claro que o Brasil ocupa posição geopolítica chave para que os EUA possam contrabalançar o poder da China, algo que já havia sido dito mais de uma vez por seu mentor nos EUA, Steve Bannon. É justamente neste aspecto que os EUA precisam, mais uma vez, de um títere à frente do Poder Executivo, não hesitando em promover os típicos golpes de Estado e arranjos eleitorais para que os seus, como Bolsonaro, controlem os destinos do país ao largo dos reais interesses soberanos de cada um dos países da América Central , Caribe e América do Sul. A campanha de degradação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil passou inexoravelmente por esta estratégia de dilapidar o grande capital político-eleitoral do campo popular e progressista de sorte a evitar a necessidade de uma intervenção militar direta. A este propósito as articulações entre EUA e os seus associados no Brasil, armas incluídas, vêm a espelhar os interesses do “Movimento” de Bannon na América Latina, com o qual os filhos de Bolsonaro já foram identificados publicamente e sucessivas vezes, filiando assim o Brasil e a sua política externa umbilical, irrestrita e vergonhosamente aos interesses do império, tornando o país, na prática, um mero apêndice do império, quando não um protetorado.
A estratégia de poder norte-americana é conduzida pela atual administração Trump em consonância com as diretrizes típicas desenhadas por Bannon que visa dispor livremente não apenas do Brasil para extrair os recursos e riquezas necessárias para a concretização de sua política de enfrentamento com a China, senão de toda a América Latina. Para tanto foram e continuam sendo empreendidos movimentos de desestabilização política em amplo espectro, transitando de momentos de promoção da queda de governos populares para outros em que precisam manter os seus governantes em situação de debilidade para extrair as riquezas a baixo preço, do que são exemplos a Argentina (sob os Kirchner e, após, sob Macri e, em breve, sob Fernández), na Bolívia (sob Evo e, após sob o governo golpista de Jeanine Áñez) e no Equador, onde a estratégia implicou mover peças para substituir o progressista Rafael Correa por Lenin Moreno, virtual traidor do projeto político popular e progressista. Certamente, nestes dias como em nenhum outro país, os movimentos de desestabilização são também extremamente perceptíveis na Venezuela, país ameaçado militarmente – passo que também começa a ser ensaiado no Brasil –, explicitando a concepção geopolítica que a inspira, a saber, a do “Movimento” de Bannon.
Bannon é figura de proa da organização da extrema-direita global belicista que articula no plano empírico os inconfessos interesses do financismo neofascista transnacional. Este grupo tão restrito quanto poderoso vem ocupando espaços e atuando para muito além da esfera governamental norte-americana, embora em franca defesa de seus interesses, em detrimento dos de vastas massas populacionais mundiais. Paradoxalmente, no plano retórico o extremismo ideológico de Bannon defende o “nacionalismo econômico”, mas este não se confunde com neoliberalismo ou globalismo, senão que em sua essência o contradiz. O nacionalismo econômico extremista da “alt-right” (alternative right) conceitualmente não pode ultrapassar as fronteiras do império, senão enquanto mera retórica, pois é incompatível com as políticas econômicas que realmente promovam o desenvolvimento econômico e social de qualquer outro Estado que não, eventualmente, e apenas nesta condição, naqueles em que estejam situadas as suas respectivas matrizes.
A ideologia extremista de direita, a “alt right” norte-americana colide com quaisquer outros “nacionalismos” mas, notavelmente, com os dos países situados na periferia econômica, posto que é destes que o nacionalismo dos EUA historicamente extraíram riquezas e, por conseguinte, interditando as melhores possibilidades de levar a bom termo o conceito de soberania, constituindo assim, no plano prático, nada mais do que neoprotetorados, nos quais a soberania permanece apenas em seu puro estado formal e nada mais. Para alcançar o seu objetivo o nacionalismo da “alt-right” norte-americana coopta figuras deprimentes e depressivas, dispostas a exercer falsamente o papel de “nacionalistas de pátria alheia”, pois traem os seus estados nacionais sob o patrocínio do império. Poucos países foram melhor exemplo disto do que o Brasil, que hoje não enfrenta apenas o inimigo externo para recuperar a sua soberania, senão um volume expressivo de altos traidores cuja condição sequer se furtam de ocultar, e já sem ruborizar nem temer as possíveis consequências de sua condição, a ponto de que Bannon seja o definidor de importantes segmentos da administração brasileira através de agentes interpostos, exercendo assim publicamente o reconhecido papel de influenciador sobre a família Bolsonaro na nomeação de figuras abstrusas para postos-chave da administração estatal.
A ideologia extremista de direita neofascista de Bannon tem em sua base a insatisfação devidamente estimulada por este segmento elitista com a política e os políticos mas, sobretudo, com os seus representantes, cuja origem é popular e democrática, sob os quais pesam as mais diversas acusações e máculas, ao que se acresce o destaque de que as elites são as que devem ocupar o poder. A ideologia extremista de direita está aliada a projetos que são apresentados publicamente como contrapostos à corrupção, como se os seus adversários políticos (apresentados como inimigos que merecem o extermínio) detivessem o monopólio da prática da corrupção, e também ocupam-se de focar duramente em ataques ao Estado, e em nenhum caso fazê-lo na abrangente ocorrência de corrupção na iniciativa privada.
Para o extremismo degenerado de Bannon os pobres não ocupam tal condição social em face da odiosa estrutura em que a distribuição de riqueza é organizada, reservando o acesso a ela aos meios de que grupo restrito já dispõe, permitindo assim ininterrupto processo de acumulação, o que virtualmente colabora para o aprofundamento da deslegitimação das democracias ocidentais, avaliação incompatível com a “alt-right”, que apoia tal processo. Inversamente, o extremismo de direita responsabiliza os pobres por sua condição e, paradoxalmente, e sem reconhecê-lo abertamente, isto se deve a péssima e injusta estrutura do sistema econômico que a elite cria. Inversamente, o extremismo de direita culpa as intervenções corretivas do Estado no livre mercado pela condição dos pobres, e também a estes por supostamente não dedicarem o esforço necessário para potencializar as suas chances e, novamente, círculo que se fecha, em vista de que os recursos que deveriam estar à disposição da massa de homens e mulheres se encontram nas mãos do “Estado corrupto”, que os malbarata entre aplicações em programas sociais e na corrupção. A retórica extremista quer persuadir que o seu propósito político é evitar que a elite (global) use a máquina do Estado para cumprir os seus interesses, e ela própria aparece no horizonte como uma virtuosa promessa populista com potencial mobilizador de massas, e isto no pior sentido que esta gramática política pode dispor, pois ao povo nada mais oferece do que destruição e desgraça em estado puro e, no limite, a concretização da morte, tal e como é possível observar quando os valores que envolvem a vida humana, e ela própria, se contrapõem aos interesses do capital.
Bannon já descreveu sem pejo ou hesitação no espaço da Breitbart News como a “alt-right” observava a si mesma: “Nós nos vemos como virulentamente anti-establishment, particularmente ‘anti-‘ uma classe política permanente”. O fascismo e suas versões contemporâneas mantém o traço de intermitente disposição de atacar e destruir a mediação política, e o apresentam como uma virtude, a virtude da “anti-política”. Empreendem o seu objetivo através de sucessiva marcha para o desarme das vias de diálogo e qualquer sorte de mediação de representação coletiva, e neste sentido é preciso implodir todas as pontes disponíveis, tanto no plano da disponibilidade de grupos e coletivos para a mediação dialógica como também da implosão das instituições, e logo, portanto, substituindo-os por uma emergente força política resumida em apenas um personagem mítico. Este é o DNA do fascismo que ressurge na forma contemporânea do neofascismo cuja compreensão não foi todavia devidamente disseminada.
Para Bannon “a ideologia do Breitbart era uma mistura que incorporava libertarianos, sionistas, membros conservadores da comunidade gay, opositores do casamento entre pessoas do mesmo sexo, partidários do nacionalismo econômico, populistas e partidários da alt-right”, algo representativo de seu propósito mais do que, de fato, a realidade. É descrição inverídica em sua totalidade, mas o que Bannon bem assume é que o populismo será o futuro da política, embora não termine de apontar com clareza quais serão todos os elementos deste modelo de populismo de direita nem muito menos quais serão as suas reais consequências, senão o contrário, posto sugerir que o extremismo foca na classe trabalhadora e na classe média (e o nazismo não adotou outra estratégia), sendo isto uma falsificação do real enquanto proteção de seus interesses, posto que os da “alt right” são incompatíveis com os dos trabalhadores, pois esta apenas opera por dentro do Estado em favor da oligarquia. O que realmente pode ser observado em suas propostas é que se trata de um horizonte neofascista sombrio ao extremo.
O projeto ideológico que publicamente vai sendo conduzido por Bannon está composto por binários simples, quando não simplórios, expressos em suas narrativas de tons apocalípticos, mas eficientes para capitalizar o apoio de mentes simples, estratégia que, aliás, foi expressamente recomendada por Hitler em seu Mein Kampf. Os códigos de que lança mão Bannon são perigosamente penetrantes, capazes de despertar o irracionalismo e mobilizar a perversidade humana ao inocular nas massas o germe da desconfiança, da inimizade e da cizânia, logo resumidos no puro ódio através de hábil manipulação de novos instrumentos digitais coordenados com as mídias tradicionais movidas a financiamento das altas capas interessadas na exclusão de bilhões de pessoas de todo o planeta da esfera da cidadania ali e onde este estágio civilizacional tenha sido alcançado. “O Movimento” é o porta-estandarte do processo hoje em curso em escala planetária, e no Brasil com especial ênfase, visando arruinar o Estado democrático de direito conforme nós o conhecemos, baseado na legalidade e igualdade de direitos para os cidadãos, assim como os parâmetros das garantias constitucionais, levando de roldão o conjunto de direitos individuais e coletivos, para os quais não houve sequer qualquer ensaio de debate coletivo ou institucional para superar o prévio acordo que resultou na promulgação da Constituição de 1988.
O neofascismo com que Bannon carrega o núcleo de sua virulenta retórica reduz o mundo à fácil antinomia entre o bem e o mal, traduzindo a complexidade do mundo e da existência em narrativas pauperrimamente simplificadas, tornando assim acessível o mundo às massas que a neurociência e a filosofia podem explicar estar órfãs da lógica binária cristalizada desde a laicização e de sua penetração e alargamento na cultura ocidental. Bannon opõe ordinariamente o sagrado ao profano como lente para apreender validamente o mundo, dividindo-o entre bons e maus, entre virtude e vício, conforme os indivíduos adiram ao seu projeto ou não o façam e assim, portanto, se tornem, respectivamente, merecedores da reputação de amigos ou, então, inimigos, aos quais o combate sem quartel nem medidas é tudo quanto cabe e justo é.
O projeto ideológico extremista neofascista de Bannon não encontraria a sua melhor forma de disseminação no Ocidente e nem as condições para exercer a atual influência se a sua execução fosse articulada nos limites dos corredores da Casa Branca, que imporia certas limitações de movimentos. Por este motivo a mudança de Bannon para Bruxelas revelou-se providencial, pois permitiu constituir uma frente de partidos políticos extremistas de direita e a superação das diferenças persistentes entre eles, e logo empreender marcha decidida para enfrentar as eleições parlamentares europeias no ano de 2019. Longe de Washington, mas não de seus propósitos, o plano de Bannon foi sendo costurado através do envolvimento de aliados de diversas nacionalidades, tais como franceses, espanhóis, portugueses, italianos, belgas, brasileiros etc., todos sob a nomenclatura de “O Movimento”, tentando enfeixar o conjunto de todas as iniciativas da ultradireita europeia para uni-las à norte-americana, e apenas mais recentemente expandindo-as para a América Latina, especialmente para o Brasil, onde o rosto da barbárie e o hábito do ditador tem a caneta e sua famiglia instalados no poder.
Bannon vem obtendo êxito em apontar para um horizonte comum desta força extremista que hoje organiza base social até então inacessível para amplos setores da direita e, ainda menos, para a extrema-direita. Bannon sente-se suficientemente à vontade com os poderes que articula em escala global a ponto de que, em discurso endereçado à direita francesa logo após a derrota eleitoral para Emmanuel Macron, declarasse que “a história está do nosso lado”". A sua confiança é crescente, e mostra disto são as tratativas para aperfeiçoar as condições para a expansão do “Movimento” no continente latino-americano, em especial no Brasil dos Bolsonaro, cujos perfis psicológicos compartilham obsessão pelo poderio do império norte-americano em igual medida, inversamente proporcional, quanto reservam desprezo pela própria gente brasileira, seu povo mestiço e sua ampla gama de riquezas, suas opções e matizes culturais, suas idiossincrasias e pluralidades mil, revelando-se tão ou mais racistas quanto o núcleo duro da proposta de Bannon. Isto os torna dotados de perfil psicológico ideal para a tarefa de concretização da submissão de seu país.
A ideologia supremacista branca que compõe a ideologia extremista de Bannon está composta por homens inspirados em primitivismo-mor tipicamente afinado com os preceitos da teoria racista nacional-socialista também sobrevivente nas profundezas da cultura norte-americana, açambarcados pela debilíssima crença de que o êxito material na vida mantém conexões com a cor da pele, e que esta se sobrepõe às oportunidades que o mundo material oferece ou bloqueia. Para os supremacistas brancos os latinos são apenas desprezíveis mestiços, não muito diferentes dos imigrantes italianos norte-americanos e, nesta condição de inferiores, merecedores de receber o tratamento de submissão. A sua máxima que hoje renasce é o “Deus Vult” (Deus assim o quis), estratégica para anunciar e tentar legitimar a precária e paupérrima visão de mundo segundo a qual a vontade divina opera no mundo determinando a vontade humana que, mesmo sob a ótica teológica católica, possui o livre arbítrio, de onde o espaço para o próprio pecado no mundo e toda a violência e o mal.
Neste sentido é congruente a intensa negação dos supremacistas brasileiros que tanto desprezam a sua gente, e exemplo disto é a família Bolsonaro, que explicitou múltiplas vezes, e publicamente, a inteireza deste seu profundo desapreço, por exemplo, por negros e indígenas, e talvez não sem razão, traduzindo, ainda que por vias oblíquas, o desprezo pelo lugar que eles próprios ocupando no mundo, vale dizer, por suas próprias origens, por sua cultura e sua raça, e assim, portanto, pela inteireza do que representam ante a sua psiquê. No limite, esta é a contradição inerente aos traidores da pátria, que não dispõe de subsídios para afirmar a sua condição pessoal e nacional.
Não foi segredo algum para a vida política brasileira e para os analistas, ainda mesmo para aqueles de mais modesta informação, que Bannon esteve por trás de muitas das estratégias adotadas na eleição presidencial brasileira, desde a compilação e manejo de informações, a análise de dados às ações digitais, passando pela captação de recursos para que este empreendimento pudesse ter sido levado a termo exitosamente aliado a gravações e métodos não republicanos de levar agentes e autoridades a alterar decisões em momentos-chave da vida política nacional. Estes movimentos, aliados à reunião do mundo do capital foi o que, finalmente, levou Bolsonaro a vitória nas eleições presidenciais de 2018 que inicialmente era de todo improvável, tendo o próprio Eduardo Bolsonaro, seu filho, declarado que Bannon havia auxiliado no processo “sem demonstrar interesse por compensação financeira”, ou seja, para o leitor médio em matéria política, foi explicitado, via inversa, qual o interesse de Bannon em todo o processo.
Tamanho “desinteresse” certamente não é coisa deste mundo, sobretudo em teriaia de relações internacionais. O preço em causa para que um candidato que não figurava entre os que dispunham de alguma chance de vitória no pleito eleitoral pudesse ser alçado à condição de vitorioso foi extremamente alto, e amargo para a população brasileira. Foi superior o valor e deveria ser pago de imediato, como de fato o foi. Assim foi que ocorreu um giro completo na política externa brasileira não apenas no concerne à adotada pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), mas de toda a tradição brasileira. Também ocorreu uma alteração da política de exploração das vastas reservas de petróleo na camada do pré-sal e, paralelamente, a adoção de alinhamento automático com os EUA. A adoção de tal posição pela administração Bolsonaro implicou abrir mão de aproximadamente U$6 bilhões que o comércio agropecuário com a China traz para as arcas brasileiras, eis que o país importador passou a comprar produtos agrícolas (não por acaso) norte-americanos em substituição aos brasileiros. Por fim, um último e importante aspecto dos interesses coordenados por Bannon foi a adoção de política econômica de completa a irrestrita privatização das empresas brasileiras assim como a entrega de parte do território nacional de forma velada, ou nem tanto, como foi o caso da base de lançamentos de foguetes de Alcântara situada no Estado do Maranhão.
As convicções filosóficas e ideológico-políticas da extrema-direita neofascista bannoniana inspiram tanto as ações de Trump tanto quanto as de Bolsonaro, e disto são sobrados os exemplos, partindo das práticas e declarações deslocadas e aparentemente sem sentido até alcançar as decisões em matéria de atentado aos direitos humanos e privilégio ao capital, mesmo quando estejam em causa a vida de dezenas de milhares de pessoas, sejam eles nacionais norte-americanos ou não, algo que restou patente nas políticas sanitárias adotadas durante a crise da pandemia do Covid-19. Para este tipo de políticas o trabalho de Bannon revelou-se essencial, pois partindo da compreensão de fundo das estratégias de propaganda de massa do nazismo adensou com a sua habilidade desenvolvida com o seu trabalho na mídia tradicional e, passo seguinte, concebeu como associar e multiplicar os dividendos políticos a partir da manipulação midiática articulando-a com os novos instrumentais oferecidos pela mídia digital de nova forma, transformadora para os fins que a nova direita neofacista precisa. Uma das faces da articulação de Bannon é a manipulação da suposta crítica ao establishment realizada pelo neofascismo cuja essência é pertencer ao pequeno grupo que coordena o establishment. Nesta dimensão é articulada a estratégia de apresentar a retórica neofascista como neoconservadora como se populista fosse, como se aglutinadora dos interesses populares fosse, e assim endereçar a sua diatribe para alvejar mortalmente o conservadorismo liberal moderado tanto na esfera política quanto midiático, judicial e legalista-garantista, opondo-se a projetos que impedem a perda da soberania nacional, algo observável tanto na versão neofascista brasileira através do Governo Bolsonaro quanto em sua matriz ideológica norte-americana.
Para Bannon a mídia estabelecida é expressão de uma bolha de poder que sintetiza tudo o que há de mal nos EUA e que favorece apenas um grupo de pessoas, estratégia de ação política que logo seria estendida a outras latitudes onde o seu grupo de poder neofascista disputa poder. Bannon não deixa de estar correto, pois a mídia é realmente controlada por grupo de plutocratas globais, mas o que ele oculta é que o seu projeto apenas tergiversa e despista ao anunciar o ataque à mídia, pois os grupos que financiam o seu projeto não estão em posição de irretorquível antinomia aos barões globais da mídia. Ambos os grupos servem aos mesmos interesses, embora possam discrepar quanto as vias, pois enquanto o grupo neofascista agora vai instrumentalizando recursos e meios capazes de mobilizar importantes capas populares, por outro lado, os democratas-liberais pareciam ter perdido ao menos parcialmente tal capacidade, bem como os que nos EUA são identificados com a tradição conservadora do republicanismo em sua versão clássica, identificados com o establishment econômico, responsável único pela radicalização da crise econômica de 2008, mas não com a violência aberta como a proposta pelo neofascismo emergente. No plano da política interna norte-americana, Bannon aproveitou a oportunidade para colar em Hillary Clinton e nos democratas a pecha de gente do establishment desinteressada pelo destino popular, que nos momentos críticos da crise de 2008 havia apoiado a imposição de seus custos ao povo, mantendo sem punição aos CEOs que foram os responsáveis por organizar a débâcle. Os democratas, portanto, deveriam ser apresentados como aqueles que mereciam a rejeição da classe trabalhadora em face de pertencerem ao que Bannon qualificava como “partido de Davos”, que para ele não passavam de uma elite científico-financeira, certa e segura de que poderia manipular o mundo em bases globais. Mas quem são, de fato, os financiadores do “Movimento” de Bannon senão estes grandes barões globais do mundo das finanças que apenas enviam a Davos os seus prepostos?
Bannon compreendeu alguns aspectos centrais para a exitosa propagação da política que sustenta a expropriação de riquezas e a continuidade deste processo de concentração em um número cada vez mais restrito de mãos, redundando na equivalente centralização extrema do poder político em escala planetária com o apoio inconsciente, mas objetivo, da massa de destinatários de suas mensagens. Um dos aspectos centrais bem compreendidos por Bannon para concretizar este projeto planetário de poder diz respeito a nova configuração do mundo da informação em sua interface com a política, que em uma era de massas acessíveis potentemente através das mídias digitais (e sem que elas próprias conheçam o decisivo potencial desta mídia) configuram a amplitude de notável espaço para a manipulação da informação e da expressão da vontade política popular. Na prática, Bannon redesenhou o emprego da propaganda política em dimensão que mesclou manipulação e ausência de escrúpulos em escala de aplicação global. Corria 2012 quando sob tais propósitos Bannon criou a Government Accountability Institute (GAI). Tratava-se de declarada organização sem fins de obtenção de lucro, cujo objetivo seria o de expor as mazelas do chamado “capitalismo amigo”, e também o “uso indevido do dinheiro dos contribuintes”, propósitos dotados de fácil capilaridade política, assim como a exposição pública de sua animosidade frente a outras fontes de suposta corrupção ou ações ilegais do Estado em prejuízo dos contribuintes, colocando assim em perspectiva, e subliminarmente, a realização de um amplo programa de descrédito do papel do Estado e de sua autoridade, mas também corroendo os possíveis instrumentos disponíveis em momento futuro para atacar a revolução necrofilosófica e o amplo leque do projeto neofascista.
Acabar com os instrumentos de reação do Estado e da coletividade popular a qual representa constituir genuína e declarada obsessão da extrema-direita encarnada por Bannon, pois isto destitui a população de seu melhor, e talvez único, instrumento de defesa em face da oligarquia neofascista de direita. Sem embargo, este ataque aos organismos do Estado não incluem a sua redução a ponto de extinguir aqueles órgãos essenciais que operam em favor destas oligarquias, que deles necessitam para financiar os seus propósitos operantes em escala global à base da violência pura, assim como também em momentos críticos em que ninguém mais do que o Estado pode atuar em socorro. Exemplo disto é a administração Trump que desde os primeiros dias intensissimamente publicava decretos ao tempo em que atacava freneticamente a imprensa, como se se tratasse de um bem estabelecido partido de oposição, tal como, em seu momento, ocorreria, ao seu modo e circunstância, com a estratégia de Bolsonaro no Brasil, mas também foi exemplo disto a crise econômica de 2008 e a atual crise sanitária global, em que o Estado, e não a iniciativa privada, é que intervém para procurar estabilizar o caótico cenário.
O que Bannon e a extrema-direita neofascista propõe é uma ruptura institucional com o estágio civilizacional dos direitos humanos, políticos e sociais, substituindo a noção de soberania estatal e supremacia popular como fonte de legitimidade política por outra fonte de poder neofacista e plutocrática. O projeto tem ambições planetárias, cuja primeira etapa tem ocorrência no Hemisfério Ocidental, e neste momento com especial intensidade, na América Latina. Em cada um dos cenários-alvo de dominação em que o neofascismo se apresenta como competidor do poder a desordem e a instauração da confusão através do desprezo dos acordos civilizatórios básicos é a nota, assim como dos mecanismos de encaminhamento de diálogo e transação política. A implosão destes instrumentos de mediação, das estruturas dialógicas e, sobretudo, do vocabulário e da gramática política e ética é causadora de profunda apreensão por parte da comunidade que, assim, perde o seu referencial mediador por antonomásia, a saber, linguagem.
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