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Giselle Mathias

Advogada em Brasília, integra a ABJD/DF e a RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e #partidA/DF

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A Era de Narciso e 7 horas de liberdade

O que era exceção se tornou a regra na sociedade capitalista ocidental. O narcisismo impera e passamos a nos recusar a olhar nos espelhos que estão em nosso entorno

(Foto: Divulgação)
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Há dias tivemos o apagão das redes sociais controladas por Mark Zuckerberg. Mais de 3 bilhões de seres humanos foram afetados. Esse fato, nessa era da hipervelocidade da informação, causou um impacto e mostrou o que alguns estudiosos já apontavam como um problema de dependência excessiva da tecnologia e de possíveis distúrbios psicológicos como ansiedade e depressão.

Muitos estudos estão sendo formulados sobre como as redes sociais estão afetando e alterando o comportamento em sociedade, acelerando um processo que já era identificado, em razão do próprio sistema ocidental, que privilegia o capital em detrimento do ser humano, pois o conceito de sucesso individual está na aparência do que se tem e do que se pode “oferecer” para a obtenção de poder, que se converterá em um resultado financeiro, patrimonial.

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A descartabilidade do humano já havia sido descrita por Zygmunt Bauman em sua obra “Amor Líquido: Sobre a fragilidade das relações humanas” - onde a lógica do consumo e do acúmulo do capital transforma as relações em negócios, em que as pessoas não passam de uma mercadoria a ser descartada quando deixa de atender aos prazeres efêmeros ou aos anseios da possibilidade de trazer ganhos que se convertam em capital.

Enquanto o sistema produzia a cultura da mercantilização do outro como produto a ser descartado, ainda havia, mesmo que de forma reduzida, a possibilidade de nos vermos refletidos e desenvolvermos relações profundas e até saudáveis, porque em alguma medida ainda nos espelhávamos uns nos outros. Com o advento das redes sociais nos tornamos o produto do: “si próprio”. Fornecemos nossos dados para nos escravizarmos em nós mesmos; criamos a ilusão de sermos a nossa própria mercadoria, tornando o outro, agora, como dispensável. Sem perceber nos tornamos descartáveis para nós mesmos, onde a lógica é a do estar só, com as próprias ideias e convicções, recorrendo à eliminação e ao cancelamento do espelho que nos revela, alimentando as relações superficiais que apenas possam resultar em possíveis ganhos de capital.  

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Não somos mais apenas descartáveis, nos tornamos dispensáveis para o sistema, para o outro e em alguns casos para nós mesmos.

Confesso que as 7 horas sem redes sociais me trouxeram a sensação de liberdade, apesar de há um ano eu ter saído do facebook, instagram, da maioria dos grupos de whatsapp, telegram, signal e todos os possíveis aplicativos direcionados a esse tipo de comunicação, mas esse sentimento que já venho experimentando, se intensificou e tomou conta de mim, passei a refletir em como estamos nos relacionando conosco e com o outro.

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É verdade que ainda temos encontros e conversas, mas questiono em como estamos nos vendo e nos comportando com o outro, como estamos desenvolvendo nossas personalidades e individualidades. Nesse instante meio veio à memória o mito de Narciso, que apesar de possuir variações, tem como centro da narrativa a história do jovem belo que ao se deparar com sua própria imagem refletida em um lago, apaixona-se por seu reflexo e como nada mais e nem ninguém lhe interessava, a não ser a si mesmo, ele definha e morre, engolido por sua própria individualidade.

Enquanto humanos sempre nos refletimos e nos construímos a partir do olhar do outro, nossos espelhos estavam postos no outro, nossas qualidades e defeitos eram expostas a partir das relações mais profundas que estabelecíamos com o outro, gerando a tolerância, compreensão e solidariedade, pois éramos confrontados a todo momento com a beleza e a feiura de nossa própria humanidade externada no espelho do olhar do outro. 

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Quando passamos a olhar para o nosso próprio reflexo do lago das selfies nas redes sociais e nos ausentamos do olhar do outro - intensificando o processo de mercantilização do humano e de si mesmo - nos tornamos intolerantes, superficiais e vazios de sentido, rumando sem perceber para a escravização e solidão do capital, exigindo apenas os prazeres e ignorando as belezas e feiuras do viver, nos tornando seres amorfos em uma sociedade narcísica, individualista, ensimesmada e ilusória.

Estamos perdendo capacidades que nos fizeram ser uma espécie vitoriosa, como a solidariedade, cooperação e compaixão, qualidades que apenas permeiam, na maioria das vezes, discursos que só servem para reverberar no vazio que nos tornamos. A cada dia que passa estamos mais introjetados em nós mesmos e nas nossas próprias verdades, ignorando os espelhos que estão em nossa volta e vivendo apenas na ilusão do que vendemos nas selfies postadas nas redes sociais.

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O que era exceção se tornou a regra na sociedade capitalista ocidental. O narcisismo impera e passamos a nos recusar a olhar nos espelhos que estão em nosso entorno, e quando nos deparamos com um, o silenciamos, cancelamos, eliminamos, para que a ilusão da imagem refletida no lago das redes sociais seja mantida, pois não conseguimos mais lidar com o outro e muito menos conosco, agimos na superficialidade de nós mesmos; o vazio nos domina e não conseguimos mais sequer ter tolerância com o que somos, dando vazão ao medo e consequentemente a fuga de si, do outro: ao isolamento.

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