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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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A escola militar que ensina alunos a odiar e o fracasso da segurança em São Paulo: Polícia que mata não resolve

Falta inteligência, sobra truculência. Modelo ineficaz de combate ao crime agora é levado a colégios, onde se ensina a "entrar na favela e deixar corpo no chão"

Alunos de colégio cívico-militar em Curitiba (Foto: Reprodução/X/@lazarorosa25)

Em uma década, as mortes resultantes de intervenções policiais no Brasil aumentaram 190%. Em São Paulo, até pouco tempo atrás o titular da Secretaria de Segurança Pública, Guilherme Derrite, era um policial da Rota afastado por envolvimento em múltiplas mortes — um matador de farda alçado ao comando da política de segurança do estado.

Ainda assim, o crime não desaparece — ele se reorganiza. Persistir em políticas centradas na força letal, e não na prevenção, revela um erro estrutural: acreditar que violência institucional é capaz de resolver problemas sociais complexos. Esse modelo fracassa nas ruas — e agora está sendo transplantado para dentro das escolas.

Um testemunho pessoal ajuda a ilustrar a falta de inteligência e coordenação. No último sábado, em São Paulo, tive o celular roubado enquanto finalizava uma corrida de patinete. O ladrão, em uma bicicleta com a caixa de entregador, arrancou o aparelho da minha mão — e feriu um dos meus dedos. Depois, já em posse do telefone, invadiram uma das minhas contas bancárias e realizaram transações indevidas.

Na delegacia, o policial preferiu enquadrar o crime como furto. Acredito que foi roubo, já que houve uso de força física. Mas essa é a parte menos grave. Pelo rastreador, identifiquei que o aparelho estava na rua Guaianazes, 65, no centro da cidade. Conversando com policiais militares, ouvi que todos sabem que ali funcionam pontos de receptação e hackers — muitas vezes a mesma pessoa. Sabem quem compra, quem desbloqueia, quem revende. Mas, segundo eles, não existe coordenação capaz de organizar uma operação que desmonte esse elo crucial da cadeia criminosa.

Na outra ponta está o comprador, frequentemente um “cidadão de bem”, que alimenta o ciclo.

Inteligência policial resolveria o problema. Mas o populismo na área de segurança prefere enaltecer operações espetaculares, tiros de fuzil em favelas e incursões violentas em regiões como a própria Guaianazes, parte do território conhecido como Cracolândia. Inteligência dá trabalho — e talvez não renda a aprovação imediata que o espetáculo da truculência proporciona, mesmo quando o sangue derramado é, muitas vezes, o de inocentes.

Essa transposição da lógica militar para o ambiente educacional se torna visível com a expansão das escolas cívico-militares pelo país. Um caso emblemático ganhou destaque recentemente no Colégio Estadual Cívico-Militar João Turin, em Curitiba (PR).

Um vídeo que viralizou nas redes, divulgado em 28 de novembro de 2025 pelo APP-Sindicato, mostra alunos marchando na quadra da escola e entoando um canto atribuído ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Os versos incluem: “Homem de preto, qual é sua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão.” Adolescentes de 11 a 18 anos aparecem sendo conduzidos por um militar da reserva em uma atividade interna de “civismo e disciplina”.

A repercussão foi imediata. No dia 1º de dezembro, a deputada estadual Ana Júlia Ribeiro anunciou em nota oficial que acionou o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR), encaminhou representação à Defensoria Pública e cobrou explicações da Secretaria de Estado da Educação (SEED-PR).

Disse a deputada: “A cena é chocante e, infelizmente, não é um caso isolado dentro do programa de escolas cívico-militares implementado no Paraná. Desde sua criação, esse modelo acumula denúncias de práticas de doutrinação extremista, desrespeito a direitos fundamentais e naturalização da violência, ferindo o caráter democrático, plural e formativo que deve orientar a escola pública.”

Para o sociólogo Luiz Antonio Nascimento, o episódio expressa uma “cultura do ódio, da violência simbólica e de valorização da morte”. Ele alerta que expor crianças e adolescentes a discursos que glorificam o extermínio — especialmente de populações periféricas — significa transformar a escola em palco de doutrinação violenta, em afronta direta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A Secretaria de Educação convocou a direção da escola para prestar esclarecimentos e apurar responsabilidades. Espera-se que a ação não seja uma simples medida de fachada, mas que resulte em uma mudança real de orientação. A política educacional do Estado não pode continuar cedendo ao populismo perigoso que busca transformar escolas em quartéis — um desejo alimentado por setores que confundem disciplina com violência e autoridade com medo.

O caso da João Turin não é isolado. Ele revela um padrão: em nome da “ordem”, parte das políticas públicas brasileiras insiste em soluções baseadas exclusivamente na força, tanto nas ruas quanto nas salas de aula. Nas esquinas, isso gera letalidade policial crescente sem redução sustentável do crime. Nas escolas, produz jovens adestrados a repetir discursos de extermínio, a naturalizar a violência, a desconfiar do outro, a reproduzir o ódio.

A polícia que mata não resolve.

A escola que ensina a odiar não educa.

O que falta é inteligência, sensibilidade e compromisso com a dignidade e a democracia. O que sobra é truculência — travestida de solução, mas incapaz de enfrentar os problemas que promete combater.

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Veja o vídeo gravado na Escola Cívico-Militar João Turin:

 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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