A esfera pública é a esfera da democracia
No mundo atual, a ideia de esfera pública passou a estar ligada à afirmação dos direitos de todos, à construção do cidadão, entendido como sujeito de direitos
A primeira forma de existência do público e da esfera pública nos remete à democracia ateniense. Para os gregos, a política era a arte de decidir através da discussão pública. O caráter direto e não delegativo da democracia grega repousava em dois aspectos: o comparecimento à Assembleia era aberto a todo cidadão e não havia burocracia ou funcionários públicos.
Governo e Assembleia se identificavam, detendo o poder de decisão sobre as questões fundamentais: era o comício ao ar livre, com a participação de todos que quisessem comparecer, reunindo-se pelo menos 40 vezes.
O sinônimo de democracia era o direito universal a falar na Assembleia. A construção do consenso, decidido finalmente pelo voto majoritário, era democrática porque fundada na possibilidade de acesso igualitário à palavra. Daí também a importância do acesso ao conhecimento e à instrução do cidadão médio como condições da expressão de todos e de realização da democracia.
E daí também a importância da retórica, não no sentido de um estilo de discurso esvaziado de conteúdo, mas no de articulação de ideias para expressar um conteúdo. Trata-se de um encadeamento de ideias que busca encontrar um consenso racional presente na razão de cada um.
O debate tinha também um sentido ético, de construção moral, de elevação de construção coletiva e individual de valores. A construção coletiva e democrática da opinião pública em Atenas desembocava na Assembleia, mas era precedida por um período de intensa discussão em todos os setores da sociedade.
Daí que a educação fosse entendida não no sentido contemporâneo, restrito, de educação formal, mas no sentido de paideia, com o significado de criação, de formação, de desenvolvimento das virtudes morais, de responsabilidade cívica, de identificação com os interesses da comunidade. Um jovem se educava comparecendo à Assembleia, onde aprenderia as questões políticas que Atenas enfrentava, as escolhas, os debates, e aprendia a avaliar os homens que se apresentavam como políticos atuantes, como líderes.
As discussões na Assembleia não se reduziam a um embate na busca da vitória de uma decisão, mas à decisão constitutiva de uma ampla opinião pública, da qual todos partilhavam.
Todo homem está umbilicalmente ligado à polis, seu destino, mas também sua subjetividade. Não faz sentido, portanto, a política como profissão, pela sua identidade imediata com a cidadania, com a pólis, sem nenhuma forma de delegação política, que mais tarde constituiu a política e os políticos.
Trata-se de uma concepção nas antípodas da visão liberal do homem. E da visão da constituição e da reprodução do processo social decorrem concepções distintas e até mesmo contraditórias da formação da opinião pública. Constituía-se democraticamente uma forma de opinião pública, de consenso, que, com fundamento, poderíamos chamar de democrático.
No mundo contemporâneo, a ideia de esfera pública passou a estar ligada diretamente à afirmação dos direitos de todos, à construção do cidadão, entendido como sujeito de direitos. A política que mais implementou os direitos dos cidadãos foi a do bem-estar social, nascida nos anos 1930, como reação à crise de 1929.
Foram as políticas de bem-estar social que criaram e fortaleceram a esfera pública, em contraposição à esfera mercantil. Porque a universalização dos direitos é o que caracteriza a esfera pública, o que a faz se identificar com a esfera democrática.
Uma das características mais importantes dos governos antineoliberais na América Latina neste século foi a extensão dos direitos, constituindo os indivíduos em cidadãos e fortalecendo a esfera pública em detrimento da esfera mercantil. Foi possível medir os avanços na superação do neoliberalismo pelos avanços na esfera pública e nos direitos de todos. Da mesma forma que se pode medir os avanços do neoliberalismo mediante os avanços dos processos de mercantilização da sociedade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

