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Rogério Skylab

Músico e compositor

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A esperança

O ensaísta e compositor Rogério Skylab mergulha no conceito de 'lulismo' e refaz parte da cronologia política que trouxe o Brasil até esta situação de impasse político e social; ele diz: "a partir de 2003, a crise do mensalão e as políticas do governo no sentido de reduzir a miséria (combate à miséria) e a ativação do mercado interno sem confronto com o capital, acabaram por produzir um realinhamento eleitoral que se cristaliza em 2006, surgindo o lulismo. A ideia, portanto, do lulismo está intrinsecamente ligada a uma nova base social, o  subproletariado" 

A esperança (Foto: REUTERS/Diego Vara)
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No meu texto anterior, “Tradição Crítica”, tendo como referência o artigo de Camila Massaro de Góes, e, Leonardo Octávio Belinelli de Brito, denominado “Crise da Política Contemporânea no Brasil: notas de um debate sobre o lulismo”, sublinhava o pensamento de Francisco de Oliveira.

Já neste texto, pretendo trazer à tona o pensamento de André Singer tendo como referência o mesmo artigo, segundo o qual, André e Francisco de Oliveira não comungam da mesma ideia em relação ao lulismo, ainda que suas perspectivas sejam complementares.  Resta perguntarmos sobre as torções efetuadas no referido artigo em busca dessa complementaridade.

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André Singer foi porta voz da Presidência da República no primeiro mandato do governo Lula. Havia, então, de sua parte, uma proximidade com as decisões tomadas nesse governo e o envolvimento direto com o que até então se imaginava um projeto para o país.

Sua primeira e principal característica na avaliação do lulismo está na perspectiva dos de baixo, a base de apoio do governo Lula, que teria sofrido do primeiro para o segundo mandato um realinhamento eleitoral.

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Em Francisco de Oliveira a perspectiva era do alto, ou seja, tendo como referência os movimentos sociais e políticos dos que dominam (sob esse ângulo é que afirma, em “O Ornitorrinco”, a convergência programática entre o PT e o PSDB sob o primeiro governo Lula, ao ponto deste realizar o governo de FHC, radicalizando-o).

Já  para André Singer (“Os Sentidos do Lulismo”), esse neoliberalismo do governo Lula seria mera aparência,  já que a queda dos juros, o aumento do superávit primário, o aumento do salário mínimo e a expansão do crédito assim como dos programas sociais, indicavam um projeto reformista, ainda que fraco, de construção de um Estado de Bem Estar Social.  

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Sob essa diferença de diagnósticos, haveria, conforme  Camila de Góes e Leonardo Belinelli, uma base comum em Singer e Francisco do Oliveira:  a avaliação sobre o caráter despolitizante do lulismo, que se refletia na mudança dos governos petistas em relação ao projeto original do partido.

De qualquer maneira, em seus dois textos, “As raízes sociais do lulismo” de 2009, e, “A segunda alma do partido dos trabalhadores” de 2010, ambos incluídos no seu livro “Sentidos do Lulismo” de 2012, André Singer sublinharia o caráter ambíguo do lulismo: conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança, num mesmo movimento. Sua aposta principal é em forma de pergunta logo na introdução do livro: “a inesperada trajetória do lulismo incidirá sobre contradições centrais do capitalismo brasileiro, abrindo caminho para colocá-las em patamar superior?

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Em sua tese de doutorado, “Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro”, publicado em 2002, pela Edusp, tendo como base as eleições de 1989 e 1994, André destaca que a diferença entre os dois segmentos não estaria na mudança social que, por ventura, fosse diferente. Ambos os segmentos clamavam pela busca da igualdade social. A diferença dividia-se ao longo de linhas ideológicas sobre como essas mudanças de mesmo teor deveriam ser alcançadas: para o eleitor da esquerda, deveria ser através de mobilização social e contestação da autoridade repressiva do Estado; para o eleitor da direita, essas mudanças só ocorreriam mediante um reforço da autoridade do Estado – os eleitores da direita teriam um apego à autoridade e à ordem. 

Conforme Camila de Góes e Leonardo Belinelli, para Singer, as candidaturas Lula em 1989 e 1994 representariam esse sistema de crenças da mobilização social, enquanto que sua visão dos governos Lula e do lulismo, mais tarde,  se caracterizaria pela afirmação da ordem.

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A partir de 2003, a crise do mensalão e as políticas do governo no sentido de reduzir a miséria (combate à miséria) e a ativação do mercado interno sem confronto com o capital, acabaram por produzir um realinhamento eleitoral que se cristaliza em 2006, surgindo o lulismo (já as bases sociais de voto no PT em 2002 estariam mais ligadas à classe média e isso sofreria uma mudança).

A ideia, portanto, do lulismo está intrinsecamente ligada a uma nova base social, o  subproletariado. Essas conversões de bloco de eleitores são capazes de determinar uma agenda de longo prazo, da qual, nem a oposição consegue escapar, e que inclui adoção de medidas socioeconômicas que propiciariam tanto o crescimento econômico quanto a diminuição da desigualdade social.

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Em contraposição ao que Francisco de Oliveira entendia como funcionalização dos aspectos arcaicos, em que a dimensão moderna do país (o sul) funcionaliza o arcaico (o norte), num estranho arranjo político em que os excluídos sustentam a exclusão, para Singer, Lula dinamiza a economia nordestina abrindo a possibilidade de modificar o próprio cerne social que faz o capitalismo brasileiro se reproduzir de maneira tão perversa – é a dimensão da esperança na perspectiva de Singer e com a qual pretendemos trabalhar.

Por mais que fossem pequenas mudanças frente a tão grandes expectativas, não deixaram de ter um grande impacto nos excluídos que sustentavam a exclusão (eu prefiro manter o verbo “sustentar” no passado, ainda que reconheça as atuais regressões fora do lulismo).

Outra chave para a mudança do cerne social, que representou o lulismo, foi o estímulo ao mercado interno (potencialmente grande pela quantidade da população, mas fraco em função dos níveis rebaixados de renda).

Por fim, a exportação de commodities, numa conjuntura internacional favorável de reaquecimento da economia mundial, entre 2003 a 2007, permitindo aprofundar as medidas de combate à miséria (de qualquer maneira, conforme Singer, o lulismo não é um fenômeno da conjuntura externa como alguns economistas ortodoxos querem fazem crer: antes mesmo desse período virtuoso da economia mundial, o primeiro governo PT já fazia a opção de transferência de renda de parte do PIB para os mais pobres, aproveitando os cortes de gastos de pessoal e investimento).

O suporte material do lulismo foi, portanto, ainda no primeiro mandato, a conjuntura internacional, a virtude de apostar na redução da pobreza e a ativação do mercado interno. No segundo mandato, com os gastos em pessoal e investimentos retomados, tinha-se a imagem da prosperidade. Com a crise externa em 2008, a saída se deu pelo consumo em razão do aquecimento do mercado interno.

Se Camila de Góes e Leonardo Belinelli sublinham o sentido de matização, com o qual Singer procura dar conta do caráter contraditório do lulismo, por outro lado, tomando um distanciamento crítico em relação ao texto de Camila e Leonardo, podemos visualizar o quanto os autores, bem ao gosto de Francisco de Oliveira, procuram sublinhar o caráter contraditório do lulismo -  o seu princípio de não confronto com o capital, como indicaria Singer, já seria para eles uma prova de distanciamento dessas políticas em relação às propostas fundantes do partido de auto organização para a luta política de classes.

Segundo os autores, a ênfase de Singer à continuidade, e não às rupturas, das propostas do lulismo em relação às propostas fundantes do partido, permitiria a ele afirmar que o reformismo fraco não é o avesso do forte, como pensaria Francisco de Oliveira, mas sua diluição.

Mesmo abrindo mão da tributação das fortunas, da revisão das privatizações, da redução da jornada de trabalho, da desapropriação do latifundiário e da negociação de preços por meio de fóruns de cadeias produtivas, que eram plataformas das propostas fundantes do partido, ainda assim, o sentido conservador do lulismo seria produto, segundo Singer, não de uma ruptura em relação a essas propostas, mas da lentidão na aplicação das reformas, mantendo o rumo geral delas.

Insistindo no modus operandi, e não na velocidade, os autores vão explorar as brechas que o próprio Singer fornece, como o arranjo lulista que permite a ascensão do subproletariado ao proletariado, mas sem combater a desregulamentação do trabalho, uma vez que o lulismo não combate o capital – não permite que a precarização avance, mas também não a faz regredir.

Analisando os governos Lula e Dilma, Singer destaca porque o lulismo não seria um reformismo forte, isto é, não daria aos explorados as condições de domínio:  porque a política arbitral do lulismo com o apoio do subproletariado é no sentido de equilibrar as classes fundamentais do capitalismo (capital financeiro e a burguesia industrial).

O lulismo só poderia resistir enquanto nenhuma dessas duas forças tivesse força para impor seu domínio sobre o outro – o que é uma situação típica do bonapartismo: desmobilização de classes com protagonismo de liderança, cedendo ao mesmo tempo a diferentes lados da disputa e produzindo discursos variados dependendo de quem os escuta.

As similaridades entre os cenários pré-64 e 2015, depõem a favor do que dizia FHC em seu livro “Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil” de 1972, segundo o qual, as inconsistências do projeto de hegemonia política da burguesia industrial levavam-na a contradições:  “Para assegurar a expansão econômica e tentar o controle político do momento, arrisca-se a perder a hegemonia do futuro.

Por isso, volta-se imediatamente depois de qualquer passo adiante contra seus próprios interesses, recuando um pouco no presente para não perder tudo no futuro”. Contradições também capturadas por Singer no seu estudo do lulismo: “para a burguesia, o reformismo fraco representa um caminho possível, embora não o de sua preferência, para o desenvolvimento do capitalismo no país, sem que a sua posição esteja ameaçada”.

Um texto, por mais isento que seja, respira sempre seu contexto. O que nos serviu de referência, foi escrito em 2015, um momento tenso que acabou se desdobrando no processo de impeachment da presidenta Dilma - um período que levaria ao próprio André Singer declarar que não era pra se ter muita esperança quanto ao papel da burguesia nacional - o que levaria aos seus autores, Camila de Góes e Leonardo Belinelli, comentarem “Os Sentidos do Lulismo” com  certo distanciamento, que o próprio André Singer parecia demonstrar alguns anos mais tarde (segundo os autores, o sinal de tensão frente aos arranjos do lulismo, que tanto podia ser visto como uma estratégia de mudança, mas também podia dar em capitulação política, se expressava na análise que Singer fazia, na época de “Os Sentidos do Lulismo”, sobre a burguesia nacional, remontando a antigas esperanças).

A torção, a que aludo no início deste texto, faz referência ao artigo de Camila de Góes e Leonardo Belinelli, que viemos seguindo passo a passo.  E que culmina na declaração de que resta pouca esperança ( àquela altura) para que o PT possa responder às questões pontuadas para o presente, no tocante às contradições do capitalismo brasileiro.

Sob esse aspecto, o artigo respira um contexto de resistência ao lulismo. Seu distanciamento, em relação ao livro “Os Sentidos do Lulismo”, terá a mesma dimensão do nosso  em relação ao artigo, desdobrando a torção que fazíamos referência  no início deste texto. O que “Os Sentidos do Lulismo” deixam como legado, em contraposição à “hegemonia às avessas”, é muito mais do que a constatação de um arranjo político contraditório: é a esperança de que esse processo de identificação do subproletariado com a plataforma política do lulismo possa ser retomado, reinaugurando uma nova organização política das forças subalternas.

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