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Toninho Kalunga

Ex-vereador do PT em Cotia. Foi coordenador Estadual de Formação Política do Diretório Estadual do PT/SP. Cristão católico ligado aos Orionitas no Santuário São Luís Orione

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A esquerda brasileira não entendeu a mensagem da Teologia da Libertação

O PT abriu mão da formação de base, abriu mão dos núcleos de base, abriu mão da relação com os movimentos que ousavam questionar a governabilidade

(Foto: Roberto Parizotti/ CUT)
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Uma das razões - entre tantas outras - que explicam a dificuldade da esquerda brasileira em compreender o fenômeno da votação da extrema direita, é o afastamento da esquerda das bases religiosas. Até aqui, a esquerda consegue chegar e até reconhece isso. Mas não consegue avançar a partir desta premissa. 

Então, como não compreendem, também não conseguem associar, que o afastamento destas bases, que foram fundamentais na organização dos primórdios do PT e nesse sentido, das esquerdas no pós golpe de 1964, geram um vácuo no alicerce entre a esquerda e a organização popular nas periferias, deixando uma estrada livre para a direita “pintar e bordar”, como dizia minha amada avó. 

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Então, quem não é ligado a essa questão, faz valer uma visão estereotipada e generalista sobre evangélicos e católicos, deixando de enxergar que os religiosos têm uma relação umbilical com a organização popular nas periferias e que, sem eles, não se consegue mobilizar as massas populares, no campo e na cidade. 

Após o surgimento do PT, todos os outros partidos de esquerda, que nasceram das entranhas do PT, como exemplo o PSTU em 1992 e o PSOL em 2005 são casos clássicos do afastamento desta relação com a religiosidade. Com a diferença de que o PSOL tem uma nova geração que vem retomando, com muita qualidade, o contato com a religiosidade do povo, haja vista a presença de lideranças como o Pastor Henrique Vieira no Rio de Janeiro, várias lideranças jovens em São Paulo e o engajamento político de muitos militantes da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) no norte e nordeste e PJ (Pastoral da Juventude) no sudeste brasileiro, além da identificação com as religiões de matizes africanas. 

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Para compreender isso mais claramente, a última geração religiosa formada no PT, que ocupa cargos de direção nas instâncias partidárias ou tem cargos eletivos, é uma geração formada nos anos 90, portanto, tem entre 45 e 55 anos de idade. As outras lideranças que fazem parte da fundação do PT e são as mais expressivas, têm entre 55 e 75 anos de idade, logo foram formadas entre os anos 60 e 80 do século passado. 

Ou seja, a partir dos anos 2000, o PT, ao mesmo tempo que se distanciou dos católicos, não conseguiu se aproximar dos evangélicos e de quebra não conseguiu renovar suas lideranças que compunham o campo religioso do partido. 

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A tão necessária governabilidade foi um dos fatores mais relevantes para esta situação. Ao final do governo Lula 2, a popularidade dos governos do PT eram tão altas que era comum ouvir lideranças do partido dizer que a relação com a sociedade não dependia mais de organização religiosa ou movimentos populares. Era uma relação direta do governo com o povo. Deu no que deu. O PT abriu mão da formação de base, abriu mão dos núcleos de base, abriu mão da relação com os movimentos que ousavam questionar a governabilidade.

Aliás, para muitos, em nome desta governabilidade movimentos populares como o MST e MTST, ao agir para reivindicar direitos ocupando fazendas ou prédios abandonados, “atrapalhavam o governo”. O mesmo acontecia com sindicatos, particularmente dos servidores públicos e dos trabalhadores rurais. Basta ver a situação do sindicalismo brasileiro para entender as consequências desta visão política. Pois, estas mesmas lideranças fizeram acreditar que os ganhos - que foram reais - do poder de compra dos salários dos trabalhadores e a melhoria de vida “da soleira pra dentro” (lembram dessa frase) das casas, seria o suficiente para que a classe trabalhadora reconhecessem o PT como sua proteção integral. 

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O que não percebiam, embora tenham sido avisados, é que no campo religioso, desde o primeiro governo de Lula, setores conservadores da extrema direita, jamais deixaram de atacar, mentir e usar a fé do povo como instrumento de luta política. As fake news contra o PT, com relação a um suposto comunismo, fechamento de Igrejas entre outras sandices, jamais teve respostas no campo da formação de base do PT. Havia respostas indignadas contra a mentira que religiosos perpetuam desde o início do século XIX, mas formação de base, não. 

Retomar esta discussão sobre a importância de dialogar com os setores religiosos da sociedade é, então, uma das tarefas mais importantes que o PT e os partidos de esquerda precisam fazer para combater o bolsonarismo reinante entre os mais pobres, que são as mais afetadas pela falta de políticas públicas e assim desmascarar as falsidades dos religiosos que agem como fariseus, vendendo o povo para os poderosos. 

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Para isso, é necessário ouvir coletivamente e não apenas indivíduos. O PT precisa fazer o que o Papa Francisco está fazendo. Um processo de escuta. Para superar essas visões individualistas, é necessário ouvir o conjunto dos religiosos, que vão desde os militantes de base, passando pelos simpatizantes e chegando aos que são contrários ao PT ou à esquerda, dando ênfase particularmente à juventude que está inserida no meio religioso. 

As gerações religiosas dos anos 70,80 e 90, que militam no campo de esquerda, tem uma visão de mundo e por consequência da Igreja, que já não existe mais. Nem aquela Igreja, nem aquele mundo. Portanto, também não temos mais “aquele PT”. Aliás, o próprio comunismo se reformulou, haja vista, o sistema econômico chinês. 

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Curiosamente, o Papa atual é mais “progressista” até mesmo que parte da base progressista da Igreja e tem mais coragem em enfrentar os conservadores da Igreja em discussões como da diversidade sexual e temas como Terra para os agricultores, Teto para as famílias e Trabalho para os pobres e é o mais eloquente defensor de sair deste lugar comum de demonizar o suposto comunismo que não existe mais.

Diante deste diagnóstico, pelo lado da Sé Romana neste mesmo período, passou Igreja Católica, os Papas João Paulo II e Bento XVI, que em razão de suas experiências pessoais que testemunharam os horrores das guerras em solo europeu, decidiram combater com a mesma ênfase com que combateram o comunismo ditatorial do Leste Europeu, combate as CEB´s no Brasil e a Teologia da Libertação na América Latina. 

Então a premissa - que é verdadeira - que o mundo que existiu nos anos 70 e 80, não existe mais, o mesmo se aplica e deve ser ouvido também pela Igreja, pois CEB´s, CEBI, CJP, Pastorais Sociais, como Pastoral da Ecologia Integral, do Menor, da Criança, Carcerária, da Terra, da Mulher Marginalizada, dos Negros e Negras e tantas outras, são a base mais coerente que esta Igreja tem com o Evangelho, que leva e levou necessariamente a defesa dos direitos dos trabalhadores e excluídos, ontem e hoje e continuará assim, no amanhã.

E esta é uma tarefa de esclarecimento e educação política que cabe aos setores de formação da esquerda como um todo e do PT em particular, em compreender, estudar e formar no sentido de combater a mais duradoura fake news política que temos na América Latina. Eis aqui, outra premissa cristã. Onde há escuridão, que se leve à luz.

O PT, que foi fruto desta Teologia da Libertação, tinha uma proposta clara para responder os anseios do povo brasileiro tendo como uma de suas bases, a religiosidade do povo. A Teologia da Libertação continua firme e se atualizou. 

O PT, neste ponto, ainda não. A TdL inseriu e aprofundou temas como Ecologia Integral, mundo do trabalho, economia solidária, inserção da diversidade religiosa e acolhimento da diversidade humana, nos campos da moralidade, sexualidade, conceitos de evolução e vem dialogando cada vez mais nas dimensões das periferias geográficas e humanas do nosso povo, inclusive para além do cristianismo, e assim tem aprendido com a teologia indigena, africana e oriental, buscando assim o amor universal, pois como diz a canção de Taizé:

“Onde reina amor, fraterno amor.

Onde reina amor, Deus aí está”.

O PT e sua direção, por alguma razão, com suas raras e essenciais exceções, em algum momento entendeu que não precisava mais destas reflexões da tridimensionalidade humana, onde o intelecto, a matéria e a fé se juntam. Acabou ficando na dependência do centrão com seu setor religioso venal e corrompido dos valores mais elementares do Evangelho e de todas as religiosidades do nosso povo, que buscam compreender e se comprometer com essa tridimensionalidade. 

O que substituiu isso foi a promessa da obscuridade trazida pela teologia da prosperidade, que tem como resultado um povo passa fome porque seus pastores e lideranças se transformam em lobos.  

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