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Juca Simonard

Jornalista, tradutor e professor de francês. Trabalhou como redator e editor do Diário Causa Operária entre 2018 e 2019. Auxiliar na edição de revistas, panfletos e jornais impressos do PCO, e também do jornal A Luta Contra o Golpe (tabloide unificado dos comitês pela liberdade de Lula e pelo Fora Bolsonaro).

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A esquerda deve apoiar o futebol brasileiro contra os capitalistas

Um ensaio sobre futebol, política e imperialismo explicando por que a esquerda deve defender o futebol brasileiro, que é um patrimônio cultural do povo negro e da classe operária do Brasil

O comunista e jornalista João Saldanha, Neymar e os melhores jogadores da história Pelé e Garrincha (Foto: Reprodução | Reuters)
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Por Juca Simonard

É comum entre setores de esquerda, atualmente, um desprezo pelo futebol - principalmente o brasileiro. Muitas vezes, adotando uma política extremamente sectária, os grupos mais “radicais” dos que fazem parte deste grupo chegam a dizer que “o futebol é o ópio do povo” ou que seria o “circo” da política de “pão e circo”, supostamente criada para manter a população cativa (uma incompreensão histórica do problema do qual não vale a pena argumentar no momento). O ponto é que estes grupos odeiam o futebol, que seria alienador.

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O pequeno-burguês que defende este tipo de posicionamento acredita ser superior às centenas de milhões de pessoas que são apaixonadas ou pelo menos acompanham o futebol, torcem para um time, jogam etc. Não me refiro somente ao Brasil, pois trata-se do esporte mais popular do mundo, sendo a Copa do Mundo da Fifa o maior evento esportivo e cultural do planeta. 

Para este setor, basta dizer que referir-se ao futebol como coisa alienadora, é o mesmo que dizer absurdos do tipo: “enquanto você ouve música, te exploram”. O mesmo valeria para qualquer tipo de atividade de lazer, como cinema, dança e assim por diante. É um argumento típico da direita que acredita ser melhor que o resto da população, além de ser algo extremamente hipócrita, pois provavelmente a pessoa que diz tamanha barbaridade assiste filmes, sai com os amigos… É um argumento extremamente fraco, mas que precisa ser denunciado pois, por incrível que pareça, existe quem pense assim.

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Brasil, o fundador do futebol-arte e responsável pela sua popularização

Há também quem diga gostar de futebol, mas critica e desacredita especificamente o futebol brasileiro, falando de uma suposta supremacia do futebol europeu. Mais um absurdo típico de quem não acompanha o futebol, ou de quem tem interesses específicos em inferiorizar o futebol do Brasil, pois sabe-se (até nos países europeus) da superioridade astronômica dos brasileiros no esporte. Geralmente, o primeiro é manipulado pelo segundo, que é quem deve ser denunciado.

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O futebol brasileiro vai muito além de um lazer. No Brasil, o esporte é um dos maiores patrimônios culturais do povo, por sua inovação, popularidade e contribuição para o esporte a nível mundial. Os brasileiros são os inventores do drible e os responsáveis por tornar este esporte, que inicialmente era limitado à burguesia e setores ricos da classe média, o mais popular do mundo.

Futebol é um patrimônio do negro e da classe operária do Brasil

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Sendo a burguesia uma classe parasitária, nada de inovador poderia ter surgido do esporte não fosse a intensa participação da classe trabalhadora e, principalmente, do negro no futebol. O cronista e jornalista Mário Filho em seu livro “O negro no futebol brasileiro” mostra com clareza este problema. 

Aderindo ao esporte da burguesia, operários e a população pobre no geral começaram a formar seus próprios times e disputar contra os times das classes altas no início do século XX. Naturalmente, a arbitragem favorecia os ricos. Faltas contra os jogadores dos times populares não eram marcadas e outras deslealdades eram cometidas. Para conseguir jogar, os negros tiveram de se virar em campo, fato que permitiu o desenvolvimento do drible. 

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Contra a dureza do futebol branco e europeu, surgia o futebol-arte, com gingado, dos brasileiros, que será desenvolvido posteriormente pelos grandes nomes do futebol nacional: Leônidas, o diamante negro; Garrincha; Didi; Nilton Santos; Pelé; Rivelino; e assim segue uma lista interminável de jogadores. 

Estes jogadores popularizaram o esporte mundialmente, tornando o futebol uma verdadeira arte - e inspirando inclusive os europeus. Eles representavam todo um povo, que cresceu assistindo e jogando futebol. Foi isso que permitiu o Brasil ser o principal gerador de craques até nos dias mais atuais, com nomes como Ronaldinho, Ronaldo, Rivaldo e Neymar. Isso apenas para citar alguns dos milhares que apareceram neste século. 

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A realidade é que, enquanto o Brasil tem uma lista interminável de nomes, o futebol europeu sofre para produzir jogadores com tamanha qualidade. E quando tem alguém que se destaque, é um ou dois, no máximo três. Basta pensar nas seleções europeias para confirmar o argumento.

Copa do Mundo, grande empreendimento capitalista

Como toda expressão cultural - e o esporte, apesar do que acreditam os “seres superiores” da sociedade, também é - o futebol não está desconectado da realidade concreta. Sendo o esporte mais popular do mundo, em que gigantescas cifras de dinheiro estão envolvidas e que chama a atenção de milhões de pessoas pelo mundo, não é espantoso afirmar que os mesmos interesses parasitários que existem na sociedade capitalista, existem no futebol - assim como em todas as outras esferas da sociedade.

Por isso, quem diz ser absurdo falar sobre os interesses dos monopólios capitalistas (imperialismo) no futebol é ou ingênuo, ou um representante destes interesses. Um exemplo simples: para os grandes capitalistas, é melhor que o Brasil ou um país europeu ganhe a Copa do Mundo? Levando em consideração que a Copa estimula a economia do mundo inteiro, com venda de produtos esportivos e inúmeras atividades sociais (como ir a um bar assistir um jogo ou mesmo comprar coisas no supermercado para assistir em casa), e que o Brasil é um país com uma população extremamente pobre, é correto argumentar que, do ponto de vista dos capitalistas, é muito melhor a vitória de um país europeu.

É simples. A maioria dos brasileiros não tem renda para adquirir os produtos oficiais da Nike, da Puma, da Adidas etc. A maioria dos brasileiros tem um poder aquisitivo profundamente menor do que a população europeia. O que de bom sairia de uma vitória do Brasil em Copa do Mundo, um evento que envolve centenas de bilhões de reais?

Um estudo que mediu os gastos de torcedores durante a competição, realizado pelo CCR (Centro de Pesquisas da Venda à Varejo, na tradução livre da sigla em inglês) com cupons de compra, mostrou que à medida que a seleção da Inglaterra avançava na competição de 2018, a economia do país aumentava seu faturamento.

A pesquisa calculou que, toda vez que a seleção da Inglaterra fez um gol, houve um aumento de pelo menos 200 milhões de libras nos gastos com consumo em bares, hotéis, pubs, restaurantes e mercados, entre outros estabelecimentos. A pesquisa mostra bem o problema da questão.

Por isso, à medida que foi se aprofundando a crise capitalista, uma série de manobras foram feitas para garantir que apenas seleções europeias ganhassem as últimas edições da Copa, pois trata-se de um problema importante da economia. De 2006 para cá, apenas europeus ganharam - Itália (2006), Espanha (2010), Alemanha (2014) e França (2018). 

São vitórias realizadas artificialmente pelo imperialismo. Nas edições seguintes, todas essas seleções, com exceção da França que ganhou a última edição, mostraram, com times parecidos, o profundo vexame que elas são, não passando nem da fase de grupos - um destaque especial para a Alemanha que, em 2018, foi eliminada pela Coreia do Sul.

Mesmo assim, a cada quatro anos, algum europeu ganha a Copa. Para isso, eles perceberam a necessidade de atacar profundamente o melhor e mais constante futebol do mundo: o do Brasil, único que foi à todas as edições de Copa já realizadas, que dificilmente é eliminado em fase de grupos e que, apesar das manobras, é a seleção com mais títulos.

Campanha dos “vira-latas” contra o futebol brasileiro

Para atacar o Brasil a ponto de fazê-lo perder a Copa é necessário uma gigantesca campanha do imperialismo para desmoralizar os jogadores, enfraquecê-los psicologicamente (quantas vezes um craque brasileiro já não foi chamado de pipoqueiro?) e manobrar dentro de campo, com o apoio da arbitragem ofensiva que, como vimos na última Copa, foi favorecida pelo VAR, ajudando a França e a Inglaterra inúmeras vezes e apenas prejudicou o Brasil, mesmo em lances claros de irregularidades das outras seleções contra o time.

Essa campanha, apesar de ter se intensificado, não é de agora. O cronista e escritor Nelson Rodrigues, em sua vasta obra sobre futebol, ressaltou centenas de vezes o papel da imprensa em atacar os jogadores brasileiros. 

Ele conta sobre campanhas sórdidas para tentar desmoralizar Didi, bicampeão do mundo e eleito melhor da Copa de 1958, chamando-o de velho (no ano de seu primeiro título mundial) ou atacando sua mulher Guiomar, de quem era muito próximo, mas que, segundo a grande imprensa de “vira-latas” brasileiros, prejudicava o jogador; conta como buscavam elogiar o “futebol-força” dos europeus contra o futebol-arte brasileiro; e assim por diante - muito parecido com os dias atuais. 

Em 1970, ano do tri no México, Rodrigues chegou a falar que "a melhor coisa para a Seleção foi deixar o Brasil", pois aqui os jogadores eram vítimas de uma campanha feroz de desmoralização.

Essa opinião, na época, era comum entre toda a esquerda, revolucionária ou nacionalista. O jornalista, dirigente esportivo e dirigente comunista João Saldanha, por exemplo, compartilhava dessa opinião. E para ele, sendo o futebol um patrimônio cultural do brasileiro, este deveria ser defendido contra os interesses imperialistas. 

Isso inclui os jogadores também. Neymar, por exemplo, é de longe, pela técnica, movimentação em campo, qualidade, o melhor jogador do mundo, mas mesmo assim é tachado de “pipoqueiro” e “cai-cai” e sofre uma intensa campanha contrária que só não vê quem não quer. A campanha é tão absurda que já levou cartões por driblar seu adversário, gesto que é visto como “desrespeitoso” pelos comentaristas da imprensa corporativa.

O futebol e o imperialismo

Não é apenas dessa forma que o imperialismo prejudica o futebol no Brasil. Os monopólios capitalistas são parasitas e, conforme demonstrou Lênin, são a expressão do momento de decadência do capitalismo. Isso se reflete também no futebol, como afirmei acima. Os monopólios europeus compram nossos craques a preços de banana e os revende por somas milionárias. Em outros termos, lucram com nossos jogadores. Muitas vezes, jovens craques têm o futuro desperdiçado pois saem do Brasil muito cedo e passam a adotar um estilo europeu de jogo.

Além do mais, estando os craques brasileiros todos separados em diversos clubes mundo afora, prejudica o trabalho de formar uma seleção “de base”, ao estilo do que foram as seleções brasileiras dos três primeiros títulos (1958, 1962 e 1970) - cuja formação era composta por basicamente dois clubes, o Botafogo e o Santos, com adicionais de outros times. Para João Saldanha, por exemplo, isto era fundamental para ter um time coeso em campo. Assim, quem critica o atual técnico, Tite, por utilizar muitos jogadores com quem já trabalhou no Corinthians campeão mundial, está fazendo um desserviço ao futebol. 

O ponto central é que a forma de organização do futebol pelo imperialismo prejudica o surgimento de boas seleções no mundo. O efeito é menos intenso no Brasil pela genialidade de seus jogadores, mas o país também é afetado.

Estou citando apenas algumas expressões deste parasitismo do imperialismo no futebol, que acaba com o esporte genuíno e popular para transformá-lo em uma máquina de lucro capitalista. Muitos outros artigos deverão ser dedicados a denunciar as federações dos países atrasados, a discrepância de dinheiro entre os clubes de países ricos e pobres e assim por diante. O importante, no momento, é explicar para os sectários da esquerda porque, no Brasil, a defesa do futebol nacional é tão importante.

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