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Marco Mondaini

Historiador e Professor da Universidade Federal de Pernambuco. Coordena e apresenta o programa Trilhas da Democracia, exibido aos domingos na TV 247.

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A estranha dialética de Caetano Veloso

Onde Caetano observa um sinal de fraqueza do conservadorismo por ter deixado de ser uma maioria silenciosa, eu localizo, em termos estruturais, um país atavicamente conservador, resultante da conexão entre trabalho escravo negro e extrema concentração fundiária

(Foto: Reprodução)
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Caetano Veloso é genial quando o assunto é música. As letras e melodias das suas composições fazem parte daquilo que de melhor foi produzido no Brasil nas últimas seis décadas, de maneira ininterrupta. Porém, quando o compositor baiano assume as vestes de analista político, não raramente o que se escuta ou lê são ideias absolutamente fora do lugar, com a devida licença poética do uso da clássica expressão de Roberto Schwarz.

Na sua entrevista à jornalista Malu Gaspar, publicada na edição de ontem (2/10) de O Globo, Caetano defendeu a ideia de que, ao deixarem de ser silenciosos, os conservadores teriam dado “uma demonstração de fraqueza inelutável”, isto é, numa estranha dialética, o silêncio dos conservadores representaria um sinal de fortaleza, enquanto a sua intervenção barulhenta na cena política seria a expressão da sua fraqueza.

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Na citada entrevista, Caetano afirmou querer “confundir o algoritmo”. Tenho certeza de que não conseguirá, da mesma maneira que estou certo de que conseguiu confundir aqueles que ignoram o significado do conservadorismo e suas entradas barulhentas, muito barulhentas, durante o processo histórico brasileiro, da barbárie levada a cabo nas guerras de Canudos e Contestado até a barbárie anunciada por Bolsonaro e pelo bolsonarismo.

Não custa nada lembrar aos desavisados que, nos idos de março/abril de 1964, os conservadores fizeram um barulho ensurdecedor, tão fortemente ensurdecedor que acabou resultando, dialeticamente, num silêncio que durou longuíssimos vinte e um anos. É impossível que Caetano não saiba disso, pois sofreu na pele os resultados desse barulho e do silêncio que o sucedeu até o ano de1985.

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O fato é que, onde Caetano observa um sinal de fraqueza do conservadorismo por ter deixado de ser uma maioria silenciosa, eu localizo, em termos estruturais, um país atavicamente conservador, resultante da conexão entre trabalho escravo negro e extrema concentração fundiária e, no plano conjuntural, uma gigantesca onda reativa com o propósito de deixar claro quem realmente manda nesse pedaço de periferia capitalista.

O conservadorismo brasileiro nunca foi enfraquecido, nem mesmo durante os catorze anos de governança democrático-popular encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, já que, nesse período, mais uma vez, algumas coisas tiveram que mudar, pra que tudo continuasse da mesma forma, no melhor estilo dos processos de revolução passiva (Gramsci) que inundaram a história brasileira.

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O conservadorismo em nosso país nunca se enfraqueceu. Ele, apenas e tão somente, sabe localizar os momentos exatos em que não se faz necessário falar alto (não nas favelas e periferias, onde a gritaria estatal é permanentemente escutada por meio das ações policias e para-policiais) e aqueles outros em que é preciso demonstrar de forma aberta e explícita a hierarquia social existente, ou seja, quem domina e quem é dominado.

É chegada a hora do almoço de domingo. Vou servir um frango à parmegiana que acabou de chegar. A música escolhida para acompanhar as garfadas já está soando: “Pense no Haiti, reze pelo Haiti. O Haiti é aqui”.

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