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João Claudio Platenik Pitillo

Pós-Doutor em História Política pela UERJ. Pesquisador do Núcleo de Estudos da América – UERJ. Pesquisador do Grupo de Estudos 9 de Maio.

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A Europa e o labirinto da guerra

O prolongamento do conflito pretendido de forma tácita pelos europeus cobra um preço alto dos ucranianos diariamente

Bandeiras da União Europeia na sede da Comissão Europeia em Bruxelas, na Bélgica - 06/03/2019 (Foto: REUTERS/Yves Herman)

Em uma guinada surpreendente, Donald Trump se reuniu com os russos em Riad e anunciou o desejo de não mais apoiar a Ucrânia, além de confirmar estar trabalhando com o Kremlin para que o conflito acabe rápido. Essa reunião foi marcada pela ausência dos europeus, parceiros históricos dos estadunidenses na OTAN e da Ucrânia, país parte do conflito. Apesar de parecerem inusitadas essas ausências, tanto a Casa Branca quanto o Kremlin, informaram que a Ucrânia tem leis que impedem negociações de paz e também questionaram a legitimidade do Presidente Zelensky em debater sobre o assunto, já que seu mandato venceu em maio de 2024.

Sobre os europeus a situação é mais controversa, já que na contramão da opinião da população europeia, mais do que participar do debate, desejam o prolongamento do conflito como forma de pressão política a fim de moldar o final da guerra aos seus interesses geopolíticos, isso após perderem a parceria estadunidense no projeto de destruição da Federação Russa via Guerra da Ucrânia. Sem perspectivas de vitória, a U.E. pensa agora em salvar a Ucrânia dos efeitos colaterais da guerra, isto é, os europeus vislumbram se reagrupar no futuro, para continuar as hostilidades contra a Rússia a partir da Ucrânia, mas para isso, essa Ucrânia precisa continuar sendo um antro reacionário. 

Para que esse projeto tenha êxito, a influência europeia na Ucrânia não pode diminuir, o “status quo” da sociedade ucraniana não pode mudar e a pessoa mais confiável para isso, continua sendo Volodimir Zelenski. Por isso, os líderes europeus têm questionado as conversas entre Washington e Moscou. A Primeira-Ministra dinamarquesa Mette Frederiksen disse para a imprensa a poucos dias, que a “paz na Ucrânia é mais perigosa do que a guerra”, advogando assim a continuidade do conflito. Já o Primeiro-Ministro inglês, Keir Starmer, disse que a Inglaterra está pronta para enviar tropas para a Ucrânia. 

Donald Trump em seu “nacionalismo” reacionário humilhou a União Europeia (Inglaterra também) politicamente e os encurralou diplomaticamente quando resolveu (pelo menos aparentemente) aceitar todas as teses russas com relação à Guerra, inclusive questionando a legitimidade política de Zelensky. Isso evidenciou o pensamento da Casa Branca de que Zelensky é hoje um aríete de batalha dos europeus em busca de um final de guerra que lhes seja menos danoso politicamente. 

A continuidade da guerra está seriamente comprometida sem o apoio estadunidense, os europeus por mais que desejem apoiar as tropas ucranianas não possuem capacidade de suportar as perdas das forças de Kiev, que tendem a crescer, já que os russos aumentaram a pressão e os ucranianos sabendo que uma paz está sendo discutida, menos vontade tem demonstrado de lutar uma guerra perdida, vide os recrutamentos forçados que se tornaram padrão dado à negativa dos cidadãos ucranianos de participar de uma guerra impopular. 

O prolongamento do conflito pretendido de forma tácita pelos europeus cobra um preço alto dos ucranianos diariamente, ao passo que franquia aos russos mais territórios, que o Kremlin afirma não aceitar debater sobre a devolução dos mesmos. Com o aumento da crise econômica e a destruição constante de sua infraestrutura devido aos ataques russos, a vida na Ucrânia tem se tornado cada vez mais difícil. Os sinais de saturação da guerra não estão somente entre os que não querem lutar, mas também nos que fugiram do país. Os números mostram mais de 15% de imigrantes, na maioria homens em idade produtiva. Outro dado alarmante foi o aumento da corrupção, agravada por conta da guerra.

Presos no labirinto da guerra, os liberais europeus amargam uma derrota retumbante no fronte de batalha ao mesmo tempo em que são pressionados pelo aumento da crise econômica e a crescente do fascismo em suas sociedades. A postura pouco colaborativa de Donald Trump aumenta o desespero dos dirigentes europeus, que precisarão aumentar os seus gastos em armamentos se quiserem continuar a usar a OTAN como ferramenta política. Em uma flagrante falência do modelo neoliberal europeu, assistimos o Velho Continente se tornar cada vez mais reacionário e fechado em torno de si, preso em uma guerra que nunca deveria ter entrado e agora não sabe como sair.

A humilhante reunião de Emmanuel Macron com Donald Trump na Casa Branca mostrou a falta de rumo, de política e de moral dos líderes europeus. De “pires na mão”, Macron foi até Trump para pedir que ele se lembre dos europeus quando for falar da Ucrânia, e se possível, convide o presidente do referido país. Sem nada conseguir, Macron foi colocado no canto da mesa por um arrogante Trump que não se deu ao trabalho de lhe receber na chegada e de lhe acompanhar na saída. Em uma conversa em 2010 com o saudoso Theotôneo do Santos, ouvi do mesmo a afirmação de que a “Europa era uma civilização decadente”. Naquele momento me faltou sabedoria para entender o tamanho daquela frase, mas hoje compreendo o que o grande mestre afirmou.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.