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Cássio Vilela Prado

Escritor

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A existência simplória

Recentemente no Brasil, vivemos tempos em que a ebulição fervorosa da existência simplória efervescida pelos seus carrascos capitais travestidos de mestres políticos disseminaram fortes vapores naquilo que se contrapunham aos seus interesses imediatos de proprietários exclusivistas da realidade material e social

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"Tudo o que sólido derrete-se no ar".
- (MARX; ENGELS, 1998, p.14)1

Existe um fenômeno em curso na nossa sociedade e talvez em todo o funcionamento civilizatório que parece imperceptível ao olhar automático desatento e já mecanizado que denomino de a existência simplória, embora já o tenha percebido e exaustivamente tratado por pensadores do calibre de Karl Marx (1818-1883) e tantos outros de diversos campos do conhecimento e em diversos momentos da nossa história da civilização.

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Não se trata especificamente de uma denominação do campo da sociologia tampouco das teorias científicas ou filosóficas, mas que se abre à toda a nossa existência até onde a linguagem consegue nos levar, seja através da própria historiografia até o simbolismo das mitologias que tentam recobrir a verdade de um real sem nome que insiste em pulsar sem se escrever de forma plena.

A existência simplória tende a ser um fenômeno de cristalização de toda a realidade mundana possível que passa a ser vista e vivida como a própria coisa em si, a mais perfeita e última essência da vida, in natura, inviolável e impenetrável, porém perpetrada e moldada por processos de produções de subjetividades coletivas e individuais advindas sempre de um Outro qualquer, de padrões culturais impostos ao longo dos tempos, portanto históricos, determinando o modus vivendi e operandi tanto no campo individual como coletivo.

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Um Outro qualquer se refere àquele de onde vem o ultimato, ou a sentença soberana além judice que passa a ser o fundamento principal e gerador da existência simplória. Portanto, neste sentido, a realidade in natura é determinada, arbitrariamente prescrita e ternamente acolhida pela existência simplória.

Para a existência simplória o "seu mundo" é mais perfeito dos mundos possíveis, candidamente – Voltaire (1694-1778) – natural e sem a autorreflexão crítica do pensamento, desqualificando, esnobando e vilipendiando qualquer forma pensante exterior que possa violá-lo no campo discurso, pois a sua realidade mundana é absolutamente verdadeira e inquestionável, a sua interpretação de mundo oriunda de um primeiro

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Outro moldador (embora a existência simplória não tenha essa percepção, posto simplória) se torna um fato in natura. Ou seja, a sua interpretação é o próprio fato natural.

Apesar de completamente alienada, a existência simplória é "feliz"; está sempre em rebanhos de iguais que cultuam os seus deuses nos mais variados templos, batem o ponto corretamente nas fábricas, orgulham-se de pagar o dízimo mensal, se reúnem com os chegados aos finais de semana em rituais prazerosos (na maioria das vezes entorpecidos), viajam uma ou duas vezes por ano após o cumprimento de suas rotinas obrigatórias no trabalho, se informam bem na Rede Globo, adoram o "Moshe" da Record, leem revistas de moda e jornaizinhos locais (principalmente a coluna social), adoram fazer caridades aos menos necessitados desde que só se misturem apenas eventualmente, sonham com a casa própria e a adquirem em parcelas eternas assim como os seus carros populares (às vezes conseguem comprar um mais "top").

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Regozijam-se com modismos efêmeros "goela abaixo". A existência simplória é uma devoradora fiel de todos os itens do menu preparado cuidadosamente pelo Outro.

Tudo deve estar na mais completa ordem para a existência simplória dentro do seu mais perfeito dos mundos.
Se por acaso algo desande – e sempre desanda – nada que umas pílulas ou gotinhas de Rivotril associados a uma Fluoxetina que não possa reparar assim como uma boa oração naturalmente extraterrestre, pois os céus sempre estão a lhe socorrer.

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A existência simplória também venera o seu líder político naquilo que ele reflete de si mesma numa infindável galeria de espelhos em que tudo possa ser similaridades recíprocas de existência artificial natural e desde que assim ele consiga ser parte imaginária de seu time simplório in natura. Entretanto, esse tipo de existir de forma simplória, acaba por desconhecer a verdade de seu político amado que está sempre se utilizando de mecanismos de controle de seu rebanho simplório e amante. O voto simplório é sempre emocional-afetivo, pois o seu candidato é o mesmo do patrão ou daquele Outro que ela supõe bacana.

A existência simplória participa ativamente da vida social da polis, contagiando e atraindo mais simplórios existenciais para o seu grande e feliz rebanho no melhor dos mundos possíveis. Qualquer um que fuja um pouquinho de seu universo feliz está definitivamente condenado à hostilidade e à exclusão, pois imagina a existência simplória que outra forma de existência não-simplória reflexiva é um atentado à sua natureza programada pelo Outro do qual ela não consegue se desvencilhar.

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Na lógica imaginária da existência simplória, todos os bens e a própria coisa pública a ela pertencem de maneira exclusiva por direito natural e divino. Não pode e não percebe que é uma pequena fascista adestrada, portanto fabricada por um Outro. Caso possa perceber, nega, se não o seu mundinho encantado pode ruir e ela soçobrar.

Na imensa maioria de seu rebanho, a existência simplória é uma pequena ditadora neurótica, pois o verdadeiro perverso é o Outro que ela não consegue perceber como o verdadeiro tirano de sua existência simplória.

Talvez a única saída possível para a neurótica existência simplória pervertida pelo Outro, haja vista que ela se sucumbiu em seu mundo imaginário encantado e exclusivista, seja exatamente naquilo que ela tem de mais aversivo devido a uma certa debilidade natural correlata, qual seja: abrir-se aos outros diferentes e perceber reflexivamente o seu Outro senhor tirânico do qual é vassala, num processo dialogístico permanente, apesar das feridas que possam desabrochar pelo confronto simbólico.

Tarefa nada fácil, para não dizer impossível, pois o processo de imaginarização da realidade mundana engendrado pelo discurso do Outro tem como objetivo inviabilizar o campo do simbólico que propicie o laço social discursivo entre todos os atores do palco social: iguais e diferentes.
Historicamente, pode-se pensar em Marx para entender melhor o fenômeno da existência simplória pensada como existência alienada, embora o seu conceito de alienação deva ser ampliado e avançado tendo em vista as novas técnicas e mecanismos de controle em voga, cada vez mais sutis e avassaladores.

Contudo, talvez apenas com Marx, que já é muito seja pouco para uma melhor compreensão do fenômeno da consciência infeliz apenas em sua versão inicial positiva leiga, 'em si mesma' – Hegel (1770-1831, ) da existência simplória, porque além ou aquém da infraestrutura e a superestrutura social permeadas pelo discurso capitalista, há que se perceber também a singularidade e a especificidade subjacente do desejo, entendido como uma posição ética diante do Outro, esse que na leitura marxista detém o capital e os meios de produção, onde a existência simplória é mera mão de obra, às vezes qualificada noutras não, mas sempre condenada a sua coisificação natural e perpetuadora do sistema, onde é ao mesmo tempo mão de obra e consumidora de sua própria produção sem que nela se reconheça.

Nos tempos atuais, o Outro do Capital, mais do que deter o lucro e os meios de produção, têm como aliados importantes o mito da ciência e a metafísica extraterrestre dos grupos religiosos, podendo assim ofertar também as coisas do além mundo que já estão integradas em seu grande cardápio universal e natural, a nova bíblia sensitiva da existência simplória.

Recentemente no Brasil, vivemos tempos em que a ebulição fervorosa da existência simplória efervescida pelos seus carrascos capitais travestidos de mestres políticos disseminaram fortes vapores naquilo que se contrapunham aos seus interesses imediatos de proprietários exclusivistas da realidade material e social. No entanto, como sempre, a existência simplória foi novamente usada pelo mesmo Outro que nada mais faz do que espoliá-la e descartá-la, destituindo-a para em seguida relegá-la a seu devido lugar de existência simplória útil.

Apesar de não enxergar a visibilidade iluminada de um Golpe de Estado em curso no país, do qual ela fez parte importante devido à sua cegueira incurável, o visível deve permanecer-lhe invisível, caso contrário não seria ela uma existência simplória, diferente portanto da ave (talvez coruja) de minerva da aventura hegeliana do conhecimento que só levanta voo ao entardecer.

Ao contrário, a existência simplória parece não pode voar, a ela foi destinada a praga da gaiola eterna, estancada em seu berço esplêndido, condenada ao seu sepulcro vazio, mas tão somente ressuscitada a rastejar, eventualmente, sob a chibata do Outro, a sua vida e a sua morte.

Nota:

1Prof. Dr. Vincenzo Di Matteo (UFPE - Brasil) – A Consciência Infeliz e Seus Destinos - Revista Eletrônica Estudos Hegelianos - Revista Semestral do Sociedade Hegel Brasileira – SHB, Ano 2º, 2005, (http://www.hegelbrasil.org/rev03p.htm).

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