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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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A extrema direita governa pelo terror e pelo medo

"Governar, para a extrema direita, é impor o terror sobre as populações pobres, explorando o medo da classe média", escreve o sociólogo Emir Sader, que mergulha nas origens escravocratas do Brasil para explicar "por que mataram Agatha"

Jair Bolsonaro e Wilson Witzel
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O maior escândalo do Brasil é o genocídio dos jovens negros, levado a cabo pelas policias, como se estivesse mandatada por todo nós, para prender e matar a esses jovens, supostamente na luta para impor a ordem na nossa sociedade. São milhares de jovens mortos por ano, várias dezenas - como a Agatha – mortos diariamente, como simples estatísticas. Não têm nome, nao têm pais e mães, nao têm namoradas, nao têm cara, nao têm biografia. São simplesmente eliminados.  

Se impõe esse terror à população pobre das nossas cidades explorando o medo alimentado na classe média, como se esses jovens fossem os agentes da violência – tratando-se de diminuir a idade da imputabilidade penal -, quando eles são vítimas, as maiores vítimas da violência, que tem nas policias, nas milícias, nos narcotraficantes, seus grandes agentes.  

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São os descendentes dos eternamente postergados na nossa sociedade. Agatha é bisneta, tataraneta, dos negros que foram tirados brutalmente do seu mundo, na Africa, das suas famílias, dos seus países, para serem trazidos nos porões dos navios para serem escravos, trabalharem sem liberdade para produzir riqueza para as oligarquias brancas da Europa. 

Não se sabe como conseguiam chegar viajando semanas e semanas nos porões dos navios. Mas se sabe que seu tempo de vida médio aqui era de 9 anos. Era mais fácil trazer outros do que cuidar deles.  

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A maior monstruosidade da história da humanidade, a escravidão, foi promovida pelas elites brancas da Europa, que se consideravam civilizadas, enquanto as outras raças eram símbolos da barbarie. Foi assim que a primeira geração de trabalhadores brasileiros durante três séculos, foram os negros, que não eram escravos, mas foram transformados em escravos pelos que nos colonizavam. Com a escravidão desqualificavam o negro e o trabalho: trabalho era coisa de pessoas não livres, de escravos, de negro.  

Essa a origem da ideia de superioridade dos brancos sobre os negros, que os colonizadores instauraram no Brasil e que foi assumida pela oligarquia branca que foi se constituindo no Brasil. O país, pela forma que assumiu a independência – um pacto de pais para filhos, que não implicou em ruptura com os colonizadores, ao contrário, foi um pacto de pai para filho e nos fez passar de colônia à monarquia e não à república e nos fez ser o país que mais demorou para terminar com a escravidão – perpetuou a submissão dos negros e consolidou os preconceitos contra eles. Essa demora fez com que se promulgasse a Lei de Terras em 1850, que legalizou via grilagem, a terra para quem se havia apropriado dela. Quando finalmente a escravidão terminou, não havia terras para os negros, que foram perpetuados como pobres. A questão colonial, a questão racial e a questão social se articularam assim para nos fazer a sociedade escravista típica, o país típico da discriminação racial e da desigualdade social e racial.  

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A oligarquia branca que se apropriou do poder no país tratou de construir os mecanismos para impedir que os negros pudessem sair da sua situação e o mecanismo fundamental foi sua marginalização e a discriminação contra eles, caracterizados como violentos e os constituindo como ameaças à vida e à propriedade dos brancos.  

Me lembro de uma imagem muito significativa que me chocou quando voltei do exílio, que melhor representava as mudanças que o país tinha tido durante a ditadura: vi na televisão a imagem de uma mulher branca andando numa rua escura à noite e vendo uma criança negra vindo na sua direção. Em outros tempos, era uma imagem que suscitava piedade, de acolhimento. Se perguntaria por que ele estava ali sozinha naquela hora da noite, onde ele morava, se ele tinha família, se ele estava com fome. Mas não. Na nova imagem a mulher imediatamente cruzava a calçada e tratava de passar pelo menino, querendo distância dele, se sentindo bem por não ser atacada por ele. Uma cena como aquela passou a provocar medo e não acolhimento, pânico e não solidariedade. Se incentivou a que todos queiramos distância dos meninos e jovens negros, que passaram a representar risco e violência. Foram desumanizados, passaram a aparecer como os portadores dos riscos que corremos, sem que nos demos conta de como os produzimos como pobres e como marginais, como os fizemos portadores da violência, quando são as vítimas privilegiadas da violência que promovemos através das polícias que os atacam, os prendem e os matam, em nome de defender nossa paz e nossas propriedades.  

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Governar, para a extrema direita, é impor o terror sobre as populações pobres, explorando o medo da classe média. No Rio já existiu uma das coisas mais horrorosas do Brasil – o caveirão -, um veículo pavoroso, pintado de escuro, que dissemina o pavor nas favelas. Agora ha caveirões aéreos, com helicópteros, atirando sobre populações indefesas, sobre escolas, sobre vans. A polícia entra nesses bairros para fazer a guerra ao tráfico, que significa ocupar territórios inimigos, supostamente controlados pelo narcotráfico com a conivência da população pobre. Por isso chegam atirando, sem poupar mães com os bebês no colo ou quem quer que seja. Por isso mataram Agatha e seguem matando a tantas crianças e jovens negros e pobres, em nome da população branca, que precisa ser protegida, que precisa ter seus bairros funcionando sem risco, seus filhos indo e vindo das escolas e dos shopping. Para defender essa ordem branca é que mataram a Agatha.

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