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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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A face parlamentar do golpismo e o futuro de Hugo Motta

Num cenário em que predomina o instinto de autopreservação, destaca-se a tibieza do presidente da Câmara Hugo Motta

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta - 6/8/25 (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

O Congresso Nacional, hoje, é uma piada de mau gosto que achincalha a democracia brasileira. A desfaçatez com que deputados e senadores – a maioria deles – avançam sobre o orçamento, trabalham pela própria impunidade e pela de Jair Bolsonaro é estarrecedora. Os presidentes da Câmara e do Senado oscilam entre a malícia regimental, chantagens e omissões. O Legislativo adquire a face do golpismo bolsonarista.

O Projeto de Lei do deputado Sóstenes Cavancante (PL-RJ) que busca impedir o afastamento cautelar de parlamentares, alterando o artigo 319 do Código Penal para estabelecer que apenas a Casa Legislativa, por maioria absoluta, possa autorizar medidas cautelares — inclusive busca e apreensão – reveste-se de um cinismo corporativo ímpar. Trata-se de proposta flagrantemente inconstitucional por derrubar o princípio republicano da igualdade perante a lei.

Com igual falta de vergonha, a preferência de parlamentares por serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal ou por instâncias judiciais inferiores tem variado, no curso da História, conforme os ventos políticos. 

A Constituição de 1988 instituiu o foro por prerrogativa de função, conferindo a deputados e senadores, desde a diplomação, julgamento exclusivo no STF, mesmo para crimes comuns, com limitações apenas em casos flagrantes de crime inafiançável. Em 2013, a Proposta de Emenda Constitucional número 10 propôs extinguir o foro especial, mantendo-o apenas para os presidentes dos três Poderes da República. A PEC foi aprovada no Senado e dormitou na Câmara.

Em 2017, a PEC 333, em tramitação, propôs a limitação da prerrogativa de foro a cinco autoridades da República – presidente, vice-presidente, presidente do STF, presidente da Câmara e presidente do Senado. 

É vexatória a tentativa atual do Parlamento de impedir afastamentos cautelares de seus membros, como é vexatória a intenção de anistiar os criminosos do 8 de Janeiro, esta com o risível objetivo de livrar Bolsonaro da cadeia. Claríssimo está que crimes contra o Estado Democrático de Direito não podem ser anistiados. Qualquer lei nessa direção será declarada inconstitucional pelo Supremo, à semelhança do caso Daniel Silveira, indultado por Bolsonaro e devolvido à pena pela corte. 

Num cenário em que predomina o instinto de autopreservação, destaca-se a tibieza do presidente da Câmara Hugo Motta. Sua resposta à tomada da mesa diretora por amotinados é, no mínimo, canhestra. Mas não surpreende.

Já escrevemos neste espaço que Motta sofre da Síndrome do Conciliador Cativo, patologia que acomete moderados os quais, para sobreviverem politicamente, se submetem à lógica autoritária de seus aliados.

Com os parágrafos abaixo finalizamos texto sobre o tema recentemente publicado:

Um exemplo acabado de conciliador cativo, além de Motta, é o ex-presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos Kevin McCarthy, que se apresentava como moderado e “homem do diálogo” dentro do Partido Republicano, tendo sido eleito com promessas de governabilidade bipartidária.

No exercício da presidência da casa legislativa, entretanto, fez repetidas concessões à extrema-direita trumpista para se manter no cargo, incluindo abertura de processo de impeachment sem provas concretas contra o presidente Joe Biden. McCarthy também permitiu que parlamentares extremistas ditassem a pauta e usassem o Congresso como palco de desinformação. Acabou destituído por seu próprio partido ao perder o controle de sua ala mais radical.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.