A Faria Lima não vai a Bolsonaro. É Bolsonaro quem vai à Faria Lima
"Bolsonaro jamais deve ter ouvido falar em Giddens, mas sabe o que é o instinto de sobrevivência. Por isto faz o gesto desesperado de buscar os senhores da Faria Lima, que ele vê rumarem atrás dos nomes que podem compor a tal 'terceira via'", escreve a jornalista Denise Assis
Consciente de que a ladeira para um político que começa a descer, dificilmente tem o atalho para a subida, Bolsonaro tenta se agarrar a todos os recursos para enfrentar a corrida de 2022. Depois de ser alvo de uma carta com mais de 500 assinaturas de empresários e economistas com críticas contundentes à sua atuação – ou à falta de – no combate à pandemia, e a inação do seu ministro Paulo Guedes, que deixa derreter setores em que esses senhores investem, e não aprumam (só encolhem), ele apela.
De acordo com o jornalão carioca, Bolsonaro está convidando para um jantar, hoje (07/04) em São Paulo, com cerca de 20 executivos. Um deles, Flávio Rocha, da cadeia de lojas Riachuelo, seu eleitor na eleição passada. A lista tem, ainda, nomes como o de Luiz Trabuco, do Bradesco. Alguns, porém, já anteciparam que não devem comparecer, pois estão em lockdown, preocupados – ao contrário dele – com o número assustador de mortes no país, pela doença Covid-19.
A tiracolo leva Paulo Guedes, o seu ex-posto Ipiranga, hoje um figurante sem fôlego, para explicar o imbróglio do orçamento, alvo de cortes de despesas obrigatórias para elevar em R$ 26 bilhões a emendas dos parlamentares, que o colocou numa sinuca de bico. Agora, se vetar fica mal com a base. E se não vetar, pode ser processado.
A motivação do deslocamento de Bolsonaro até São Paulo pode ser explicada em números nada favoráveis, da pesquisa XP- Ipespe publicada ontem (06/04), e resultado do levantamento realizado nos dias 29, 30 e 31 de março. Nela o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece com 29% das intenções de votos, enquanto o atual ocupante da cadeira, 28%. Na pesquisa anterior, Bolsonaro estava à frente com 27%, e Lula com 25%. O dado mais preocupante é o da sua rejeição, que continua crescendo. Em outubro eram 31% os que consideravam o governo atual ruim ou péssimo; agora esse número saltou para 48%. No mesmo período, o total dos que avaliam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom caiu de 39% para 27%. Isto, sem contar a avaliação do seu desempenho frente à pandemia, hoje na casa dos 60% de ruim e péssimo.
O esforço de Bolsonaro de ir atrás dos empresários pode até fazer efeito para a turma dele, concentrada no “Centrão” e os tais 14% de radicais. Porém, a julgar pela disposição já demonstrada na carta tornada pública, o grupo do empresariado já se lançou à árdua tarefa de buscar a tal da “terceira via”, seja lá o que vão conseguir construir a partir das teorias de Giddens. (Anthony Giddens, respeitado acadêmico que exerceu uma grande influência no Partido Trabalhista Britânico e que escreveu uma obra intitulada “Para além da esquerda e da direita”, em que afirma que estas duas forças políticas estão ultrapassadas e propõe o que ele chama de “terceira via”, um caminho intermediário entre o neoliberalismo (direita) e o socialismo (esquerda) – incluindo aí uma das ramificações do socialismo, a chamada “social-democracia”). No livro, Giddens define a terceira via como “uma tentativa de transcender tanto a social-democracia do velho estilo quanto o neoliberalismo”.
Bolsonaro jamais deve ter ouvido falar em Giddens, mas sabe o que é o instinto de sobrevivência. Por isto faz o gesto desesperado de buscar os senhores da Faria Lima, que ele vê rumarem atrás dos nomes que podem compor a tal “terceira via”. Esses já o abandonaram há um tempo e fizeram questão de tornar público o desembarque.
É possível que o encontro não dê quórum ou, ainda que aconteça, não resulte em nada além de gestos cordiais. Afinal, o que a pesquisa da XP-Ipespe deixa claro, é que o país descobre, a cada dia, quem foi o culpado pela não compra de vacinas e quem é o “agricultor” de novas cepas da Covid-19, com o seu descaso pela doença. E quem quer apostar num candidato em queda?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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