A Favela do Moinho e o higienismo do governador Tarcísio
Ao pretender passar o trator sobre a Favela do Moinho, o governador Tarcísio reedita o higienismo histórico paulistano
Às vezes civilizado, outras tantas bolsonarista, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, quer acabar com a Favela do Moinho, comunidade encravada entre os bairros do Bom Retiro e dos Campos Elísios, região central da capital. O argumento é a necessidade de revitalização do Centro, e a iniciativa, segundo o Governo do Estado, já conta com aprovação de 84% da população local, que seria removida para outras paradas com ajuda financeira, via CDHU. O projeto esbarra no fato de que a área pertence à União, portanto Tarcísio tem que negociar com Lula.
Na Favela do Moinho moram e atuam traficantes de drogas, como em quase todas as favelas do planeta. Por certo, a maioria dos seus habitantes é de trabalhadores. Possibilitar-lhes uma residência digna e segura enquanto se transforma seu habitat degradado em logradouro aprazível é, em tese, salutar, mas há que ser calculado o potencial devastador da remoção para boa parte deles. Há famílias enraizadas ali, que acabam de conseguir instalações de água e saneamento básico.
O advento das cracolândias, há tempos, fez renascer o espírito higienista da elite paulistana, desde sempre de mãos dadas com o poder, quando não constituindo o próprio poder. A tal revitalização do Centro possui nítido caráter higienista, pois condiciona supostos progresso e moralidade à exclusão de pessoas pobres e predominantemente negras.
O higienismo costuma servir-se de justificativas técnicas para implantar políticas excludentes, afinal, por que tratar marginais com humanidade?
Ao pretender passar o trator sobre a Favela do Moinho, o governador Tarcísio reedita o higienismo histórico paulistano. Nas primeiras décadas do século XX, a influência do urbanismo europeu aterrissou em São Paulo. Um símbolo dessa fase foi a abertura da Avenida São João, que implicou a demolição de imóveis e a reorganização de uma área central tida como “desorganizada” e “decadente”. O mesmo ocorreu com a Avenida Tiradentes, aberta nas décadas de 1910 e 1920, onde moradias e pequenas fábricas foram removidas para dar lugar a avenidas largas e prédios públicos, considerados símbolos de modernidade.
Outro marco do higienismo foi a atuação do Departamento de Saúde Pública do Estado de São Paulo, especialmente na gestão do sanitarista Emílio Ribas, que via na eliminação de “focos de infecção” uma prioridade. Esses focos, quase sempre, eram moradias populares. A campanha contra os cortiços, nas décadas de 1910 e 1920, incluía fiscalizações, multas, interdições e até demolições sumárias, sem oferecer alternativas habitacionais aos moradores.
Mais adiante, entre as décadas de 1930 e 1950, o discurso higienista foi incorporado por administrações municipais como a de Prestes Maia, cujo “Plano de Avenidas” previa o alargamento de vias e o redesenho da cidade para atender ao automóvel. Na prática, isso significou a expulsão dos pobres do Centro para as bordas da metrópole, um processo que consolidou a segregação urbana paulistana.
Nos anos 1990, o higienismo voltou à cena com a “limpeza” do centro velho, então já abandonado pela elite. Administrações como as de Celso Pitta, José Serra e Gilberto Kassab lançaram programas como o “Centro Legal”, que associavam segurança pública, reforma urbana e repressão ao comércio ambulante. A ideia de “revitalização” novamente justificou remoções e ações policiais contra moradores de rua e usuários de drogas, em especial nas cracolândias.
Ainda hoje, chama-se segregação de revitalização.
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