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Eric Nepomuceno

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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A figura de opereta que se diz presidente da Bolívia

"Jeanine Áñez tem um diploma de advogada e uma obscura carreira de apresentadora de televisão numa província perdida na região da Amazônia boliviana. Sua base política, porém, foi estabelecida bem longe de casa, em Santa Cruz de la Sierra, onde se concentram em doses iguais as maiores fortunas e os núcleos ultradireitistas mais radicais do país", escreve o jornalista Eric Nepomuceno sobre a presidente autoproclamada da Bolívia

Jeanine Áñez, presidente autoproclamada da Bolívia (Foto: Reprodução/Twitter)
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Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia

Na noite da terça-feira 12 Jeanine Áñez se autoproclamou presidente da Bolívia. O primeiro país a reconhecer sua legitimidade foi o Brasil, através de uma nota emitida pelo ministro de Aberrações Exteriores, Ernesto Araújo.

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A urgência desse reconhecimento seria suficiente para esclarecer o tipo de matéria em que a referida senhora foi esculpida. Ocorre que há muito mais a compor essa patética figura de opereta bufa.

Jeanine Áñez tem um diploma de advogada e uma obscura carreira de apresentadora de televisão numa província perdida na região da Amazônia boliviana. Sua base política, porém, foi estabelecida bem longe de casa, em Santa Cruz de la Sierra, onde se concentram em doses iguais as maiores fortunas e os núcleos ultradireitistas mais radicais do país.

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Curiosa contradição: apesar dos cabelos tingidos de um castanho alourado, os traços de Jeanine não deixam dúvida alguma sobre seus antepassados indígenas.  

E qual a contradição? Ora, Santa Cruz de la Sierra é a região mais racista de um país onde a maioria da população – uns 60% - é formada por indígenas. Os mesmos indígenas que foram relegados ao abandono, à humilhação e à miséria ao longo de cinco séculos, com a única exceção dos treze anos em que um índio aimará chamado Evo Morales governou o país.   

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A senhora Jeanine Áñez, cuja aparência não engana ninguém, é falsa dos cabelos alourados às unhas dos pés. Minutos antes de se autoproclamar presidente, cuidou rapidinho de apagar milhares de mensagens que costumava espalhar via tuíter ao longo dos anos.  

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Eram frases assim: ‘Que ano novo aimará que nada! Satânicos: ninguém substitui Deus’. Ou assim: ‘Sonho com uma Bolívia livre de ritos satânicos indígenas. A cidade não é para os índios, eles que vão para o altiplano ou para o charco’. Afinal, passou a ser presidente do país com a maior população satânica – perdão: indígena – da América do Sul.

Os surtos de racismo exacerbado devem ter contribuído, e muito, para sua carreira política. Nas legislativas de 2009, ela chegou ao Senado navegando em escassos 90 mil votos.  

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E como passou, com votação tão anêmica, a ocupar a segunda vice-presidência da Casa? Porque a Constituição boliviana estabelece que o partido majoritário ocupa a presidência e a primeira vice-presidência, e a segunda cabe à oposição.

Bem: já que o presidente Evo Morales e o vice-presidente da República Álvaro García Linera renunciaram, sendo seguidos pelos ocupantes da presidência e vice-presidência do Senado, dona Jeanine passou, automaticamente e respeitando o que diz a Constituição, a ser a próxima na linha de sucessão. Certo?  

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Absolutamente não. Diz também a Constituição boliviana que as renúncias de Evo Morales e seu vice, bem como a do presidente e do vice-presidente do Senado, só passariam a valer depois de confirmadas pelo Congresso Nacional.

Bem: diz dona Jeanine que não houve quórum na sessão destinada a votar essa confirmação, aprovando ou rejeitando as renúncias. Ela diz, e é verdade. O que ela não diz, e cá está outra prova inconteste das dimensões de sua dignidade, é que os parlamentares do MAS (Movimento ao Socialismo) de Evo Morales, e que representam dois terços do Congresso, foram impedidos pela polícia e pelas milícias golpistas de se aproximar do edifício, quanto mais do plenário.  

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Ao fazer seu discurso de posse ela tinha ao seu lado outro senador ultradireitista, Álvaro Murillo. Ele, aliás, foi figura essencial na cerimônia, não pelas suas qualidades de parlamentar, mas por ter ficado o tempo todo sussurrando junto aos ouvidos da discursadora o que ela devia dizer.

A faixa presidencial foi posta em dona Jeanine pelo general Williams Kaliman. Ah, claro, ela não deixou de fazer menções à Bíblia.

Este o enredo da opereta bufa instalada na pobre Bolívia: um fantoche de quinta categoria cujo primeiro ato foi mudar toda a cúpula das Forças Armadas e nomear seu ministério, enquanto a polícia sanguinária e ensandecida espalhava o terror pelas ruas de La Paz e de todo o altiplano.

Não em todo o país: em Santa Cruz de la Sierra, que fica no vale, não foi preciso. As milícias locais de um extremista descontrolado – e ultra religioso – chamado Luís Camacho se encarrega de aterrorizar os pobres e miseráveis identificados como seguidores de Evo Morales.    

Triunfou dona Jeanine? Pobre coitada, nada disso.  

Triunfaram as forças mais abjetas e retrógradas da Bolívia, que contaram com a decisiva cobertura de Washington e de um sacripanta traidor chamado Luis Almagro, que de chanceler do ex presidente uruguaio José Mujica se transformou em lacaio submisso ao seu venerado Donald Trump.

O que vai acontecer, já se sabe: a Bolívia volta a ser um país reprimido, ensanguentado, encoberto por sonhos destroçados.  

Até quando?

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