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Roberto Dutra

Roberto Dutra é sociólogo

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A fraude da 'nova política': o caso Tabata Amaral

Acreditei que Tabata Amaral pudesse se tornar um quadro importante e frutífero para a esquerda. Me enganei totalmente. Mas não é a primeira traição grave na esquerda, e muito menos no PDT, mas este caso representa uma compreensão cultural da política que é a própria legitimação da traição, como obediência clandestina a organizações que não pertencem ao poder democrático formal

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Acreditei que Tabata Amaral pudesse se tornar um quadro importante e frutífero para a esquerda. Me enganei totalmente. Mas não é a primeira traição grave na esquerda, e muito menos no PDT, mas este caso representa uma compreensão cultural da política que é a própria legitimação da traição, como obediência clandestina a organizações que não pertencem ao poder democrático formal.

Brizola dizia que a política ama a traição, mas odeia o traidor. A frase de Brizola é genial, pois ela resume como o jogo político articula, contraditoriamente, sanção coletiva ao comportamento individual oportunista e antipartidário (odeia o traidor) e estímulo (ama a traição) a este comportamento como rotina e expectativa do jogo. Mas a frase genial pressupõe a legitimidade da sanção partidária (expulsão) sobre o desvio individual, tolerado apenas enquanto permanece nas sombras, nas interações e comunicações não registradas do jogo. Mas o caso do desvio de Tabata Amaral com o voto favorável à “nova previdência” de Bolsonaro, indesculpável nas palavras de Ciro Gomes, tem componente novo que merece ser analisado, pois expressa a radicalização do individualismo atomizante e da fragmentação na vida partidária e política, buscando legitimar explicitamente o comportamento que Brizola julgava obvio de ser punido pelo partido.

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A pretensão é a de trair de forma legitima, colocando a “convicção individual”, formada em organizações de poder informal como o “Movimento Acredito” e outros similares, à frente do compromisso com o partido enquanto única organização que estrutura e constitui os mandatos em decisão coletivamente vinculante. Seu partido foi o que mais debateu a reforma da previdência. Ciro liderou, desde a campanha presidencial do ano passado, uma proposta de reforma alternativa, que reduz o gasto com previdência corrigindo desigualdades e atacando privilégios. Ciro tem uma das melhores equipes econômicas do país e levou esta equipe para o PDT. Tabata participou dos debates, mas não se moveu para influenciar ou aperfeiçoar a proposta do partido. Preferiu sua convicção não debatida, influenciada direta ou indiretamente pelo dinheiro e notoriedade de financiadores e corporações de mídia, mas nunca discutida no PDT.

O recado é que sua convicção é não apenas tecnicamente melhor que a proposta discutida pelos excelentes economistas do partido, como também politicamente mais legítima que a decisão coletiva do PDT. É a convicção individual sendo alçada à frente de diretrizes partidárias. Tabata não reconhece partido. Ela acha legítimo o parlamentar colocar suas convicções, formadas sabe lá como, à frente do que o partido discute e delibera de forma pública e coletiva.

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Parece que seus estudos e sua independência têm mais valor que os estudos sérios de especialistas e mais legitimidade que a história quase secular dos trabalhistas brasileiros com a previdência e os direitos sociais. Tabata não é só uma traidora. É expressão de um individualismo antipartido que é a própria vergonha nacional, como diria Brizola.

Continuo achando que o PT precisa de autocrítica. Mas é autocrítica sobre o programa, sobre estratégias de uma organização que funciona, e muito bem, como partido. Já o PDT precisa de autocrítica muito mais profunda, existencial, pois sua pretensão de ser alternativa torna-se insustentável se o partido continuar promovendo figuras de compromisso duvidoso. Não basta Ciro Gomes ter o melhor programa progressista para o país, como acho que tem. É preciso partido.

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Mas o problema não é só do PDT. O PSB, e quem mais “assinar contratos” com estes “movimentos” da “nova política”, acaba promovendo mandatos controlados de modo informal por organizações que não disputaram o voto popular para ter o direito político de controlar e sancionar mandatos. O “Movimento Acredito”, com o apoio de Tabata, reagiu reivindicando o mandato dq parlamentar. Falam em intolerância, patrulha ideológica e chamam a fidelidade partidária de velha política:

O único poder realmente democrático que temos operando no sistema político é formalmente organizado, em seu “input”, pelo sistema eleitoral e partidário, e para isso a autonomia do parlamentar precisa ser estruturada pelas decisões coletivas do partido, a fim de que possa representar as posições da única forma de organização legítima para representar a vontade dos eleitores que nossa constituição reconhece: o partido. A função dos partidos é produzir variedade de interesses, temas e grupos sociais representados na política, mas para representar grupos sociais, temas e interesses, os partidos precisam vincular as decisões individuais dos seus membros com decisões coletivas (fidelidade partidária) sobre posições mais ou menos chave para seu programa. A previdência social é um assunto chave para o PDT e não podemos acusar o partido de ser retrógrado e desatualizado sobre o assunto. Vale lembrar mais uma vez que foi o partido que mais discutiu e deu espaço para discutir o tema da previdência com gente de dentro e de fora do partido, antes e depois das eleições presidenciais de 2018.

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Se a “nova política” é chamar fidelidade partidária de “velha política”, quero que os “moderninhos” nos expliquem como vão resolver um dos mais sérios problemas estruturais da política democrática contemporânea – a fragmentação – elogiando o achincalhe dos partidos, ou o que resta deles, em nome de “movimentos de renovação” obscuros, que “estudam” sabe lá o que, onde e com quem e acham que podem colocar seu conhecimento individual e único à frente do mandato conferido pelo voto à candidatura de um partido. A política, organizada em partidos, é sim o lugar da patrulha ideológica. Quem não quer patrulha ideológica deve permanecer ou voltar para a universidade, onde a liberdade de pensamento individual é um valor supremo. Na política o valor supremo é o bem comum, a construção de programa que agregue e/ou elabore interesses em uma coletividade politicamente formada, e não a genialidade, duvidosa ou não, de uma geração que anuncia o “novo”, mas entrega o velho individualismo atomista em sua carreira perversa de fazer a política parecer cada vez mais com o mercado, onde o que conta são as preferências e as vontades isoladas. A política não pode copiar o valor da máxima autonomia de pensamento da universidade, como queriam os “revolucionários” de 1968 e algumas das “revelações” da “nova política”, nem o valor máximo da preferência individual do mercado, como querem os neoliberais balcanizadores de estados e nações. A política é atividade essencialmente coletiva. Os desvios individualistas são funcionais, e não devem ser banidos de modo puritano (a política ama a traição). Mas devem ser mantidos dentro de um escopo muito menos abrangente que aquele pretendido por estes “movimentos de renovação” ao se apresentarem como detentores de mandatos parlamentares, sem nenhuma autoridade formal e democrática para isso. As chamadas “cartas de autonomia”, assinadas entre parlamentares vinculados aos “movimentos de renovação” e os partidos, não têm valor nenhum diante da única carta de transferência de poder que a democracia reconhece: o voto em candidatos de partidos, e não em candidatos de organizações clandestinas ao sistema partidário.

A dita “nova política” é balcanização intensificada do sistema político e fragmentação radical do poder democrático formal em proveito do poder informal, sempre menos democrático e mais desigualmente distribuído. Eu quero a velha política de volta, só que com um programa de reconstrução nacional e estatal novo. O “novo” precisa do “velho”. Nova política enquanto rompimento com o dito “velho” não existe, pois ao visar a destruição ainda mais intensa dos partidos, ela leva à destruição da própria capacidade de construção de decisões coletivamente vinculantes, ou seja, da política enquanto atividade existencialmente dependente da construção de coletividades.    

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Roberto Dutra é professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/UENF e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA.

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