“A gente quer comida, diversão e arte”
Pedro Maciel reflete sobre a “sociedade do cansaço”, a ilusão da liberdade e a urgência de resgatar o silêncio, o ócio e a contemplação
Tomando um café na Kopenhagen do Ventura Mall um conhecido se aproximou e pediu para sentar, eu realmente queria ficar sozinho, mas assenti e educadamente perguntei: “- o que você está fazendo de bom?”; ele respondeu: “- agora sou coach, desenvolvi um treinamento transformador...”, ele começou a falar, mas eu não prestava atenção no que ele dizia, pensava no óbito do necessário silencio.
Sei que o coach é uma pessoa que tem por missão ajudar outras a desenvolverem seu potencial através da mente, da saúde, da alimentação, essa é a ideia. Mas não se pode esquecer que há um coach que é investigado por homicídio; durante uma escalada no Pico dos Marins com seus mentorados, em São Paulo, com um grupo de 32 pessoas, sem equipamentos ou preparação, ocorreu um vendaval, e um dos seus seguidores morreu, ele é investigado por tentativa de homicídio privilegiado, não sei a quantas anda isso.
Respeito todas as atividades, mas sigo acreditando na urgência da retomada do ócio, do silêncio, da reflexão, da contemplação, da presença da arte nas nossas vidas e das interações humanas genuinamente afetivas.
Penso que os coachs prestam um serviço àquilo que conhecemos como “sociedade disciplinar” e, creiam, aos sessenta e um anos, compreendo que esse tipo de sociedade nos aprisiona, por isso não me interessam aqueles que prometem a salvação.
Enquanto meu conhecido falava eu lembrei de Byung-Chul Han e a sua “Sociedade do Cansaço”.
Han explica que a sociedade atual busca superar a “sociedade disciplinar” (na realidade ele diz que já não vivemos esse tipo de sociedade descrita por Michel Foucault), marcada por instituições fechadas como prisões, escolas e fábricas; que hoje vivemos em uma sociedade do desempenho, baseada na liberdade aparente e na exigência de produtividade: “Liberdade aparente”.Segundo Han o sujeito não é mais alguém que obedece, mas alguém que se cobra e se explora para ser bem-sucedido — um “empresário de si mesmo”.
Antes, as pessoas eram controladas pelo “não pode”; agora, são controladas pelo “você pode”, essa passagem do dever para o poder cria uma nova forma de dominação, mais sutil e eficiente, pois cada um acredita estar agindo livremente enquanto se autoexplora.
O “sujeito de desempenho” trabalha sem parar, motivado pela ideia de que tudo é possível. Quando não consegue atingir suas metas, culpa a si mesmo. Isso gera sentimentos de fracasso, ansiedade e depressão — o mal-estar típico da nossa época.
Han vê na depressão o sintoma da passagem de uma sociedade autoritária para uma sociedade que exige autonomia e iniciativa e vai além, para ele, o problema não é a liberdade em si, e sim a pressão para performar e mostrar resultados o tempo todo, pois, o sujeito moderno vive em autoguerra: é ao mesmo tempo algoz e vítima de si mesmo.
A exploração não vem mais de fora, mas de dentro.
Essa “liberdade coercitiva” leva à exaustão — o esgotamento de quem acredita poder tudo, mas não suporta mais poder nada, dai a expressão “sociedade do cansaço”.
Han discute outro efeito da sociedade do desempenho: o excesso de estímulos e informações, que destrói nossa capacidade de concentração.
Vivemos cercados por notificações, multitarefas e demandas. Essa hiperatividade impede o foco e transforma o ser humano em alguém que reage o tempo todo, mas não reflete nem se aprofunda em nada.
Han compara essa atenção fragmentada à dos animais selvagens, que precisam dividir o foco entre várias ameaças para sobreviver.
A cultura e a filosofia, no entanto, só florescem com atenção profunda e contemplação. Esse tipo de atenção exige tempo e silêncio, algo cada vez mais raro, ou seja, a sociedade contemporânea é inimiga da cultura e da filosofia.
Han recupera a ideia de Walter Benjamin, sobre o “tédio profundo”: um estado de repouso interior, quando o espírito descansa e pode gerar algo novo.
Sem esse tempo de pausa, as pessoas vivem aceleradas, mas sem sentido. Han diz que perdemos a “arte de se entediar”, e com ela, a capacidade de criar e de sentir o mundo ao nosso redor.No fim, Han alerta: a sociedade atual valoriza o “fazer”, o “agir”, mas despreza o contemplar. Essa perda da dimensão contemplativa leva à superficialidade, ao nervosismo e à falta de sentido.
Precisamos reaprender a parar, escutar e olhar com calma, pois só assim recuperamos o contato com o mundo e conosco mesmos.
Byung-Chul Han, em certa medida, recupera a ideia do “ócio criativo”, de Domenico De Masi, sobre a necessária combinação harmoniosa entre trabalho, estudo e lazer para impulsionar a produtividade e a inovação. É a ideia de que o lazer e o descanso não são improdutivos, mas sim momentos de reflexão e criatividade que permitem ao indivíduo ter novas ideias e resolver problemas de maneira mais eficaz.
Mas Han mostra que o mundo moderno trocou o controle externo pela autoexploração interna. A antiga repressão foi substituída por uma liberdade ilusória, vide o pessoal do Huber e o IFood. Essa falsa liberdade gera cansaço, ansiedade e depressão, pois nunca é suficiente o que se faz.
Além disso, o excesso de estímulos destrói o tempo da reflexão e nos rouba o tédio criativo — aquele espaço silencioso onde nascem as ideias e o sentido da vida.
O autor defende que, para superar a “sociedade do cansaço”, precisamos recuperar o silêncio, o descanso e a contemplação — reaprender a não fazer nada, a nos entediar e, assim, reencontrar a verdadeira liberdade.
Meu conhecido me perguntou: “– o que você achou?”, eu disse a ele: “– é como disseram os Titãs: “A gente não quer só comidaA gente quer comida, diversão e arteA gente não quer só comidaA gente quer saída para qualquer parte”
Ele gostou o meu comentário, não sei se ele entendeu.
Ficam essas reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

