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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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A guerra, a energia e o novo mapa mundial

Considerações sobre o livro recém-lançado, organizado por José Luís Fiori

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Publicado no portal A Terra é redonda

“A razão condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de paz um dever imediato, que porém, não pode ser instituído ou assegurado sem um contrato dos povos entre si”. (Kant)

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A Guerra entre o Estado russo e o Estado ucraniano (leia-se OTAN e seus aliados europeus) é uma guerra provocada para acomodar os interesses geopolíticos europeus, russos, americanos – Estados de países capitalistas – em busca de fontes de energia renováveis, riquezas do subsolo, dominação militar de regiões estratégicas para o expansionismo da acumulação privada das respectivas classes dominantes dos seus países, guerras falsificadas com o guerras civilizatórias, como sempre fizeram os países imperiais e coloniais ao longo da história da modernidade. Não é uma Guerra nem pela democracia, nem pelas liberdades democráticas ou contra o fascismo, até porque este está presente ou infiltrado dos dois lados da moeda.

O livro organizado por José Luís Fiori (também autor) que fundamenta este artigo, poderia ter como “pilar dos seus pilares”, na sua teoria política sobre a guerra, como uma formulação alternativa ou análoga a do Manifesto Comunista para a teoria da luta de classes, quem sabe ainda mais universal do que a fórmula do Manifesto Comunista. Este diz que “a história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias têm sido a história de luta de classe”. José Luís Fiori sempre concentrou sua atenção em outro ponto nodal da história e da sua interpretação contemporânea: “a paz está sempre grávida de uma nova guerra” e ela é “quase sempre um período de trégua que dura o tempo imposto pela compulsão expansiva dos ganhadores e pela necessidade dos derrotados” (p. 110).

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Dois temas implícitos, um tanto esquecidos nos debates da esquerda, atualmente, estão presentes (como “meta textos) na crítica aguda de José Luís Fiori e seus companheiros de autoria: a saber, a ausência da capacidade de solidariedade “por baixo” das políticas externas dos Estados, que, como acumulação progressiva, acabam influindo nestas. O primeiro tema é a solidariedade de base do campo democrático antifascista, que existe tanto na Ucrânia como na Rússia, pressionados pelos seus líderes “nacionalistas” autoritários.

O segundo é a ausência de uma organização da informação em rede, neste tempo de relações horizontais para trânsitos de sinais e dados informativos, que permite a passagem livre das informações montadas pelo Departamento de Estado sobre a guerra. Uma ironia, na esquerda europeia empobrecida pelas dificuldades elementares da sua socialdemocracia amestrada, é que – como diz José Luís Fiori – no seu artigo “A social-democracia europeia e a guerra” (p. 46), “apesar de não haver mais necessidade de conter o (dito) expansionismo comunista, a maior parte do (assim chamado) socialismo europeu seguiu apoiando os Estados Unidos e a Otan nas suas guerras (ditas) humanitárias da década de 1990”.

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Um artigo de Gaspar Estrada sobre as relações da França com a América Latina (Le Monde, 30/06/23) lembrou recentemente uma forma subterrânea de relacionamento, nas relações internacionais, que unia diretamente os povos por fora das políticas de guerra dos Estados, na defesa contra um inimigo comum ou pela colaboração científica e cultural. O regime de colaboração da França com o Brasil, na pesquisa científica e nas ciências sociais, a partir do Século XIX e a perseverança da esquerda latino-americana na resistência ao fascismo – com a sua implicação nas lutas no território francês ocupado – especialmente com os movimentos armados da “França Livre” e dos “maquis”, na heroica resistência aos ocupantes nazistas é uma boa memória para estes tempos de escassas utopias.

Sobre o outro polo da solidariedade global, um artigo de Michael Hudson publicado em Quantum Bird e traduzido no site A Terra é Redonda diz, “tendo organizado um golpe de estado na Ucrânia em 2014, os Estados Unidos enviaram seu exército terceirizado da OTAN para o leste, dando armas à Ucrânia para travar uma guerra étnica contra sua própria população de língua russa e transformar a base naval da Criméia em uma fortaleza da OTAN, cujo sentido estratégico está totalmente acertado, com a colaboração socialdemocrata europeia que caiu na armadilha: impedir o sonho da Europa de lucrar com relações comerciais e de investimento mais estreitos com a Rússia, trocando suas manufaturas industriais por matérias primas-russas”.

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Inveja boa é a inveja produtiva que aumenta a admiração e que a recria. Por isso, ela é publicável, para socializar as experiências do conhecimento. É o que faço sobre este livro invejável do professor José Luís Fiori, livro de desvelamento do tempo presente, que foge do senso comum dos produtos comprometidos da grande imprensa. Livro que não recusa se contrapor ao senso comum que percorre o cotidiano hipnótico da perversão fascista.

Seus companheiros de empreitada não são menores: José Sérgio Gabrielli, Rodrigo Leão e William Nozaki, que ao longo da obra interpelam as complexidades globais da Guerra e das guerras, que impulsionam a humanidade à redenção ou ao caos. O livro traz uma sequência de importantes artigos já publicados em revistas acadêmicas ou não, jornais – virtuais ou reais – que sintetizam (ou ampliam) as conferências e entrevistas memoráveis dos autores entre 2021 e 2023.

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O livro é ordenado para nos ajudar a compreender o que ocorre no mundo e para nos oferecer elementos de análise – sem paixões imediatas ou encomendas patronais – sobre a “centralidade ontológica do presente”. As ideias aqui contidas vêm das raízes da vida econômica e política real e atual, da geopolítica, da expansão imperial e da disputa pela propriedade das novas energias que moldarão o futuro da humanidade.

Todos os artigos ali publicados têm uma grande relevância, além daqueles que são especialmente o mais pertinentes, como os textos “O mundo depois da Ucrânia”, “A preparação para a guerra e a transição energética” (p.63), cujas determinações de interesse geopolítico da OTAN (como o instrumento de difusão política militar da hegemonia americana) também revela a pobreza política estratégica das últimas versões sociais democratas no mundo; “A social-democracia europeia e a guerra” que se colocam automaticamente como reféns dos interesses americanos em toda a Europa.

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Quem parte do princípio de que a guerra fria não terminou ou que a Rússia significa a barbárie, em relação ao Ocidente civilizado, pode estar cômodo nesta situação. Mas quem se define – para compreender o fenômeno – a partir da observação de uma disputa geopolítica, dentro de um mesmo sistema de dominação do capital sobre países e regiões mais débeis – mais, ou menos “civilizadas” – não pode admitir que o maniqueísmo “ou Zelensky ou Putin”, seja uma escolha razoável para os destinos do planeta terra e mesmo do que se acumulou como civilização no Ocidente.

Este livro deveria ser de leitura obrigatória para formação de jornalistas que cometem, diariamente, equívocos de política internacional, dizendo que aquela Guerra é uma guerra entre a civilização bideana-zelenskiana da bondade viril e a barbárie de putiniana – que ergue um Secretário Geral chamado Stalin do seu túmulo maldoso e avermelhado. Assim cansa.

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