A guerra de narrativas e o esvaziamento do debate político
A lógica da lacração sufoca o debate público e transforma a política em espetáculo vazio
O Brasil vive um momento em que a política deixou de ser o campo da batalha de ideias e passou a ser o campo da batalha por engajamento. A discussão pública foi praticamente sequestrada pela lógica do “gancho de atenção”, em que é mais relevante lacrar do que convencer, gerar reação do que provocar reflexão. A guerra de narrativas substituiu o debate político consistente por disputas de curtidas, e o resultado é um país cada vez mais barulhento, porém cada vez menos profundo.
O fenômeno é visível em todas as esferas. O que antes era uma arena de confronto de projetos, hoje é um ringue de performances. A política virou entretenimento. E, como em todo espetáculo, o que vale é o aplauso, ainda que ele dure pouco.
Um exemplo recente ajuda a entender como essa lógica se manifesta nas decisões de governo. Em meio à crise de segurança pública, ganhou força a proposta de transformar facções criminosas em grupos terroristas. A medida soa firme, gera manchetes, repercute nas redes e dá à população a sensação de que algo mais consistente está sendo feito. Porém, na prática, essa é uma resposta mais simbólica do que uma solução efetiva. Ao contrário, essa classificação pode gerar muito mais problema ao país e à sua soberania do que o contrário. Trata-se de uma proposta pensada para vencer a narrativa, não o problema.
Quando a política passa a ser guiada pela necessidade de parecer agir, e não pela urgência de agir de fato, os problemas são tratados somente na superfície. O discurso substitui o planejamento e a reação substitui a estratégia. As consequências já estão aí e marcarão a história do país.
Um estudo recente do Instituto Opus Pesquisa, em parceria com a Lumer Consultoria, ilustra esse dilema com dados. A pesquisa analisou o comportamento digital do prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Os resultados mostram que, embora Manga tenha um engajamento muito superior, com postagens que viralizam e mobilizam emoções, Tarcísio é percebido pela população como tendo um perfil mais sóbrio e um conteúdo mais claro. Para 76% dos entrevistados, Tarcísio é mais claro em relação às suas ações, contra apenas 19% de Manga. Em outras palavras, a lacração rende curtidas, mas não necessariamente credibilidade.
O caso revela uma distinção crucial: popularidade digital não é sinônimo de capital político sólido. Enquanto a política continuar refém da estética do imediatismo, será cada vez mais raro ver discussões profundas sobre os problemas reais da população. O desafio é repolitizar a política, redescobrir o valor da conversa, da dúvida, do contraditório e do bom debate democrático. Diga não à lacração!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

