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Bruno Lima Rocha

Jornalista, cientista político e professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise

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A “guerra do lítio mineral” e o Império na América Latina

Superar a sina agro-mineral exportadora é necessário para quebrar a hegemonia do capital especulativo

(Foto: REUTERS/Amanda Perobelli)
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O lítio mineral é o chamado “ouro branco” do século XXI e tem mais de 60% de suas reservas entre Argentina, Bolívia e Chile. Desses três países, a Bolívia é hoje o mais forte economicamente. Em novembro de 2019 sofreu um golpe de Estado liderado pela direita paceña (do Departamento de La Paz), mais precisamente por Carlos Mesa (ex-presidente) e a extrema direita de Santa Cruz de la Sierra, liderada pelo governador do departamento, Luís Fernando Camacho (preso há mais de 30 dias por conspiração e golpe de Estado). Em outubro de 2020, após uma correta unidade indígena, camponesa, mineira, sindical e popular, o candidato do MAS-IPSP, Luis Alberto Arce Catacora, ganhou em primeiro turno com mais de 55,1% dos votos. 

As bases para desenvolver uma economia nacional boliviana estão dadas. Mesmo o departamento rebelde, com oligarcas criminosos e racistas como Branko Marinkovic e o “El Facho Camacho” viu sua economia quintuplicar de tamanho na Era Evo Morales Ayma (2006-2019). Em nível nacional, os fundamentos são bons também. No ano de 2022 teve a mais baixa inflação da América do Sul (3,1%), crescimento do PIB em 4,31% anual (ia passar de 8%, mas houve locaute e sabotagem econômica por mais de 36 dias), saldo positivo da balança de comércio exterior, dívida pública controlada (e dentro da meta), dólar estável, além de um enorme investimento em alta tecnologia. Na grade curricular nacional de 2023, os níveis básico, fundamental e secundário vão ensinar robótica nas escolas. 

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Já o lítio mineral está sob total controle da empresa estatal Yacimientos Del Litio Bolivia (YLB) em convênio com um conglomerado chinês CBC. O modelo é vertical, segundo o mandatário boliviano: “A diferença é que nossa empresa YLB estará presente em toda a cadeia produtiva, desde a extração, industrialização e comercialização de produtos”. Deste modo, a YLP reproduz o modelo da YPFB (a estatal petrolífera e demais produtos) nacionalizada e verticalizada em 1º de maio de 2006 e chama a atenção do Império dos EUA em sua sina de projetar poder e inviabilizar as sociedades latino-americanas. 

O Comando Sul quer as riquezas da América Latina e começa pelo lítio

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Uma militar estadunidense, mulher e general de quatro estrelas, Laura J. Richardson (vejam seu perfil em site oficial em português) está à frente do Comando Sul dos EUA desde o final de outubro de 2021. Vale ressaltar que este comando permanente é o encarregado pelas forças armadas combinadas dos Estados Unidos em projetar poder e “garantir a segurança hemisférica”. Fora o México (sob a ameaça do Comando Norte) e Porto Rico (a ilha invadida no final do século XIX e segue sendo Estado Associado, ou seja, colônia), todos os países da América Latina e do Caribe estão diretamente ameaçados por esses militares profissionais. Em outras palavras, o pesadelo de um desembarque de fuzileiros navais gringos passa por este alto comando.

Em 21 de janeiro de 2023, a general Richardson fez um pronunciamento para sua própria platéia, tentando ampliar a atenção do Império para o que antes da Revolução Cubana era considerada o “seu quintal”, conforme segue:

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“Porque essa região importa. Pelos recursos naturais e minerais por exemplo. Tem o Triângulo do Lítio - Argentina, Bolívia e Chile - responsável por 60% das reservas mundiais desse minério que é essencial para a tecnologia na atualidade. Também tem as maiores reservas de petróleo cru e leve, descoberto na fronteira das Guianas cerca de um ano atrás. Venezuela também tem muitos recursos, incluindo enormes reservas de petróleo. Na América do Sul tem cobre, ouro. A China compra 36% de suas fontes de alimentos desta região. Tem a Amazônia, o pulmão do mundo. Nesta região concentra 31% dos recursos hídricos do planeta.” 

A sinceridade na fala da militar segue dentro do jogo de poder global, e aponta o crescimento do comércio com a China como um grande problema:

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“Tudo isso está fora dos gráficos mais imediatos, mas quando se fala de comércio internacional, é inacreditável o volume da região. Eu falei sobre todos os vínculos e laços que nós temos com o Hemisfério Ocidental. Mas vale ressaltar que a República Popular da China é o principal parceiro comercial da maioria dos países latino-americanos, sendo que os EUA ocupam a segunda posição em grande parte dos casos. Na verdade, nem na maioria dos casos (países), mas com alguns Estados. Entretanto, ao observar o crescimento do volume de negócios da China com a América Latina, saltando de USD 18 bilhões de dólares em 2002 para USD 450 bilhões no ano de 2022, e considerando que a previsão do volume de negócios entre latino-americanos e chineses deve atingir a USD 750 bilhões no futuro próximo, creio que temos muito para pensar.”

Vale observar que para o Departamento de Estado, a América Latina está na subsecretaria do Hemisfério Ocidental. Para os EUA, o primeiro adversário em nosso Continente é a projeção de poder econômico da China e, em segundo posto, a presença da Rússia. E como tal, a general Richardson lista três aliados principais da Rússia na região (Venezuela, Nicarágua e Cuba) e seis outros países que utilizam material militar russo. A “ideia genial” – a mesma que encantou o demitido general Arruda, comandante geral do Exército brasileiro por um brevíssimo tempo – era pedir que esses países façam uma doação de material bélico de padrão russo para a Ucrânia e, assim, os gringos forneceriam equipamento militar em substituição. 

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É o jogo “hemisférico”, outrora chamado de “panamericanismo”, onde os EUA tentam implantar sua agenda em tomadores de decisão de instituições-chave da América Latina. Quando não conseguem governos muito aliados, entram pelas beiradas, como foi o caso da Operação Lava Jato, a cabeça de ponte da operação de Lawfare que ainda atinge a Argentina e o Peru. 

Entre a desestabilização e a justa luta social 

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Os governos dos países componentes do Triângulo do Lítio podem ser classificados de “progressistas”, amigos da Palestina e propensos à integração latino-americana e, por consequência, ao multilateralismo. Isso basta para que os Estados Unidos “justifiquem” em sua política doméstica alguma medida para desestabilizar essas sociedades. Considerando que a administração Biden tem como inimigo doméstico a Trump e seus aliados, as movimentações geopolíticas se colocam mais delicadas. Ainda assim, dentro do Grande Jogo do Sistema Internacional, os estrategistas do Pentágono e do Departamento de Estado percebem a evidente perda de capacidade de influência sobre a América Latina. 

Compreender que há uma ameaça imperialista não pode implicar em adesismo aos governos Alberto Fernández (Argentina), Luis Arce (Bolívia), Gavriel Boric (Chile) ou qualquer outro de maioria social-democrata em nosso Continente. A agenda doméstica e as lutas sociais por mais distribuição de renda, reconhecimento e poder de fato são bandeiras permanentes, independente de quem estiver no Poder Executivo. O mesmo se dá na agenda anti-imperialista e a defesa da soberania popular sobre os recursos estratégicos e suas respectivas cadeias produtivas. É preciso ter força social para enfrentar tanto o inimigo interno como as pretensões de Washington em comandar nossos destinos.

A dependência e o colonialismo são tão domésticos como externos, e superar a sina agro-mineral exportadora são passos necessários para quebrar a hegemonia do capital especulativo composto por parasitas financeiros e empresários golpistas (sempre com forte presença sionista). Se retomarmos o ciclo virtuoso das empresas estatais estratégicas – ao mesmo tempo, tentando torná-las públicas e dotadas de democracia interna – podemos realmente virar o jogo contra a direita colonizada na América Latina.

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