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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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A guerra preventiva imperial de Putin

Os custos maiores serão pagos, primeiro, pelo povo ucraniano e, depois, pelo povo russo, escreve Aldo Fornazieri

Presidente russo, Vladimir Putin (Foto: Sputnik/Ramil Sitdikov/Kremlin via REUTERS)
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A ordem mundial que emergiu com o fim da Guerra Fria é uma ordem multipolar. Alguns especialistas indicam que essa ordem viveu um momento ambíguo de unimultipolaridade na década de 1990, cujo último ato consistiu na decisão dos Estados Unidos de mover a guerra contra o Iraque. Com o crescimento da interpendência global, além de Rússia, Estados Unidos, China, Inglaterra e França outras potências como Índia, Brasil, África do Sul, Arábia Saudita, Irã, Japão e Alemanha ganharam mais relevância no contexto das relações interestatais. A emergência da China foi o fator fundamental para quebrar não só os resquícios da bipolaridade, mas para evitar a unipolaridade. 

A multipolaridade e a interdependência global favorecem mais a China porque ela desenvolveu uma estratégia assertiva para esta configuração ao não optar por políticas agressivas de exportação de excedentes militares tendo em vista a projeção de poder global. Sua estratégia se concentra na expansão comercial e na busca da supremacia tecnológica.

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O mundo multipolar provocou, no entanto, profundo desconforto às duas potências da Guerra Fria: Estados Unidos e Rússia. Aos Estados Unidos, por conta de sua ambição unipolar. À Rússia, devido ao seu ressentimento pela forma em que acabou a URSS, por um ciúme temeroso da China e pela ambição de restaurar o status de grande potência do tempo dos czares e de Stálin. 

Desta forma, os Estados Unidos e Rússia continuaram suas guerras de agressão imperiais. Os Estados Unidos invadindo o Iraque, o Afeganistão e agindo diretamente ainda na Líbia e na Síria e indiretamente em outros lugares. A Rússia, tal como agredia nações do Leste Europeu, agora, recuperando seu poderio militar e estabilizando sua economia, invadiu a Chechênia, a Geórgia, tomou a Criméia e agiu na Síria. 

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Com o fim da Guerra Fria, porém, nem Estados Unidos tinham a justificativa ideológica de conter a expansão do comunismo e nem a Rússia de defendê-lo.  As duas potências desnudaram suas intenções imperiais nas justificativas de suas guerras no pós-polaridade ideológica. 

As guerras de agressão imperiais são justificadas pela retórica da guerra preventiva e guerra justa. Na nova estratégia de Segurança Nacional, elaborada pelo governo de George W. Bush e aprovada pelo Congresso em 2002, se assume abertamente que os Estados Unidos adotariam o princípio da guerra preventiva. Ele garante a um Estado atacar outro Estado, mesmo que este não tenha desencadeado hostilidade, mas represente algum perigo de ataque futuro no juízo daquele Estado agressor. 

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Foi sob esta justificativa que os Estados Unidos atacaram o Iraque e o Afeganistão. Nenhum dos dois desenvolvia qualquer hostilidade ou representava qualquer perigo imediato para os americanos. A Rússia aplicou a mesma justificativa contra a Ucrânia. Esta não desenvolvia hostilidade e não representava qualquer perigo imediato para a Rússia. 

As retóricas que os governos dos Estados Unidos e da Rússia desenvolveram após a as agressões reforçaram os conteúdos imperiais. Os Estados Unidos alegaram a existência de armas de destruição em massa no Iraque e do apoio ao terrorismo no Afeganistão. O governo russo argumentou a Ucrânia poderia atacar a Rússia, que poderia entrar na OTAN e a necessidade de desnazificar o país vizinho. As alegações das duas potências não têm amparo para justificar as guerras. 

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As potências imperiais argumentam que suas guerras são justas, pois visariam garantir os objetivos éticos da paz e da ordem. No caso dos Estados Unidos, da ordem internacional. Mas tanto as ações de um, quanto de outra, violam os princípios da ordem internacional. As potências imperiais se dão o direito de violar os princípios da ordem internacional sob o argumento de garanti-la. Ademais, nas guerras não existem princípios éticos, pois elas são violência que visam garantir interesses estatais. 

Em complemento a esta argumentação as potências imperiais, como mostram Negri e Hardt, dissolvem as fronteiras nacionais e o próprio princípio de guerras entre Estados nacionais. Conferem às suas ações uma função técnica, de polícia. Os seus exércitos nacionais são transformados em polícias. No caso dos Estados Unidos não se estava guerreando contra Estados nacionais com interesses legítimos, mas contra “Estados-bandidos”, ou “Estados-meliantes”, que estavam agindo “fora da lei e da ordem”. Saddam Hussein não era o presidente de um país, mas “um bandido fora da lei”. 

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O mesmo conteúdo técnico e de polícia é conferido por Putin à guerra da Ucrânia. Ele proibiu que a própria imprensa russa se referia à guerra como guerra. Tratar-se-ia de uma “operação militar especial no Dombass” com o objetivo de restaurar a ordem que vinha sendo violada por criminosos. 

Mas, no discurso em que anunciou a “operação”, a ambição imperial de Putin foi indisfarçável. Argumentou que a Ucrânia é um Estado artificial e criticou Lênin, pois a Ucrânia, em alguma medida, se deve à política das nacionalidades implantada pelo líder revolucionário. Ucrânia e Rússia, segundo Stálin e agora Putin, deveriam ser um Estado único. Lênin classificava essa tese de chauvinismo grão-russo. Seria mais ou menos a mesma coisa que hoje a Colômbia reivindicasse os territórios da Venezuela, do Equador e do Panamá porque todos pertenceram à extinta Grã-Colômbia. 

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É falsa a ideia de que a guerra na Ucrânia criará uma nova ordem mundial, pois a ordem já é multipolar. O que ela fará é uma redefinição do poder relativo das principais potências no interior dessa ordem. Mesmo que a Rússia esmague militarmente a Ucrânia ela tenderá a sair da guerra com o seu poder relativo diminuindo por conta de todos os erros de cálculo de Putin e das consequências das sanções. Os Estados Unidos, que vinham perdendo força por conta das guerras recentes e do conflito comercial com a China, tendem a estacar o declínio. A China sairá fortalecida por se manter relativamente equidistante da guerra e pelo fato de que a Rússia aumentará sua dependência a ela. A Europa, por sua vez, que vinha apostando mais na sua força comercial, tenderá a fortalecer suas capacidades militares, com a Alemanha jogando um novo papel. 

Mas o mundo todo perde com essa guerra no contexto de uma pandemia não acabada. Os custos maiores serão pagos, primeiro, pelo povo ucraniano e, depois, pelo povo russo. Terá que se ver que consequências políticas internas a guerra causará na Rússia. O modelo de capitalismo predatório comandado pela máfia oligárquica russa, chefiada por Putin, permanecerá intacto? A governança autocrática e violenta de Putin será contestada? Se as consequências se agravarem na Rússia, a juventude russa, que é contra essa guerra criminosa, saberá cobrar mudanças.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp). 

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