A herança de Nobel e o futuro da IA: uma carta de 2025
Carta ficcional a Alfred Nobel reflete sobre ética, tecnologia e os rumos da inteligência artificial
Brasília, 15 de abril de 2025
Prezado Senhor Alfred Nobel,
Permita-me, com a deferência que sua distinta pessoa merece, dirigir-lhe estas palavras, ainda que separadas pelo vasto oceano e pela diferença de nossos tempos. Sou Washington Araújo, um admirador seu e atento observador das transformações que a ciência e o engenho humano têm trazido ao mundo, e venho compartilhar reflexões que, creio, tocam o cerne de sua própria jornada. Do invento da dinamite, que o senhor trouxe à luz com intento de progresso, aos avanços da inteligência artificial que hoje, em abril de 2025, moldam nossa era, vejo lições éticas que nos unem através dos anos.
A inteligência artificial, ou IA, como a chamamos, deixou de ser mera fantasia para tornar-se uma força que rege nosso presente. Ferramentas como o DeepSeek, GPT e GEMINI revelam um potencial assombroso: analisam dados complexos, geram textos e imagens, detectam doenças com precisão na medicina, personalizam o ensino e aceleram descobertas científicas.
Contudo, assim como sua dinamite abriu túneis e uniu povos, também se desviou para a destruição. Pergunto-me, senhor, se estamos preparados para os dilemas que essa nova criação nos impõe. Até agora, nossa resposta é um hesitante “não”.
Os frutos da IA são inegáveis. Hospitais salvam vidas ao identificar males em seus primórdios; modelos preditivos combatem as tormentas do clima; até a arte ganha novas formas sob sua influência.
Mas esses dons trazem sombras. Quem controla tais poderes? Quem define seus fins? A privacidade, outrora sagrada, sucumbe: em 2024, dados são capturados e vendidos sem consentimento, enquanto sistemas vigiam cidadãos em terras distantes e próximas. Estamos a caminho de um mundo onde o privado se tornará memória?
A desigualdade, outro espectro, cresce sob o jugo da IA. Nações ricas e empresas opulentas a dominam, deixando os pobres ainda mais à mercê do atraso. No labor, máquinas substituem homens – de cocheiros a escribas –, e milhões, dizem os estudos, serão excluídos até 2030 se não houver remédio. Já na guerra, drones e armas autônomas desafiam nossa humanidade.
Se máquinas decidirem a vida e a morte, onde estará o coração humano? Sua dinamite, senhor, também foi desviada para fins bélicos; temo que a IA siga tal sina, caso não a guiemos com firmeza.
Não proponho rejeitar essa invenção, mas sim moldá-la com sabedoria. Leis globais devem exigir clareza sobre seu funcionamento; os povos, acesso equitativo a seus benefícios; e a sociedade, voz para cobrar responsabilidade. Mais que isso, urge-nos cultivar uma inteligência do espírito – chamemo-la de ética ou coração –, pois, sem ela, nossas criações refletirão apenas nossos defeitos.
O senhor, abalado pelo uso destrutivo da dinamite, buscou redenção nos prêmios que honram a excelência humana. Hoje, redes sociais, outrora promessa de união, tornaram-se campos de ódio. A IA, sem valores, pode ser o próximo eco desse drama.
Permita-me, agora, prestar-lhe contas de um legado que, creio, lhe trará grande satisfação. Após sua partida, os recursos que o senhor destinou em testamento floresceram em uma fundação admirável. Os primeiros prêmios que levam seu nome foram entregues em 1901 e, até abril de 2025, já se contam 626 distinções concedidas a 1.009 almas e instituições de mérito singular. São seis galardões anuais, outorgados a quem, por pesquisas, descobertas ou contribuições notáveis, eleva a humanidade. Cada agraciado recebe uma medalha, um diploma e uma quantia em dinheiro — um testemunho vivo de seu desejo de redimir o poder da ciência para o bem.
Que consolo deve ser saber que seu nome ecoa como símbolo de nobreza e progresso!
Assim, senhor Nobel, escrevo-lhe com esperança e advertência. Que possamos, inspirados por seu exemplo, refinar nossa humanidade para que a inteligência artificial eleve o melhor de nós, e não amplifique o pior. A dinamite foi sua lição; que a IA seja a nossa.
Com profunda admiração e respeito,
Washington Araújo
P.S. Li na epistolografia do Prisioneiro de ‘Akká, datada de 1863, que “a verdade é um ponto, os ignorantes a multiplicaram”. Pensei que o senhor se deleitaria com isso!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

