A história não deixará Lula em paz
O linguista Gustavo Conde afirma que Bolsonaro vai encolhendo diante da oposição de Lula: "com Lula na oposição, Bolsonaro vira uma espécie de Figueiredo. Uma herança maldita. Ele ainda diz: "que não se subestime a força histórica de Lula. Lula é o significado máximo da democracia brasileira, o pressuposto básico, o líder que não passou a maior parte de sua vida sendo governo, mas, sim, fazendo oposição"
Com Lula na oposição, Bolsonaro vira uma espécie de Figueiredo. Uma herança maldita. Um trambolho no meio da sala.
Preparem-se. A gente sempre tende a achar que o lado bestial e criminoso acaba prevalecendo, mas não é bem assim.
Que não se subestime a força histórica e simbólica de Lula. Lula é o significado máximo da democracia brasileira, o pressuposto básico, o líder que não passou a maior parte de sua vida sendo governo, mas, sim, fazendo oposição.
Aliás, diga-se de passagem: quando Lula foi governo, ele continuou sendo "oposição", oposição ao "sistema", oposição à cultura escravocrata encarnada pela Rede Globo e congêneres midiáticos.
(O Brasil não tem apenas racismo estrutural: tem escravagismo estrutural).
Lula só não contrariou todos os interesses da nossa elite financeira, preguiçosa, violenta e subdesenvolvida, porque sabia da índole vingativa e assassina dessa elite. Ele a manteve em "fogo brando", com lucros preservados e até maiores que o padrão histórico, para poder tirar 40 milhões de pessoas da miséria em paz e dar, pela primeira vez na história, um padrão econômico ao país (bem como um mercado interno).
Muita gente de esquerda não entende isso. Acha que os bancos e os grandes empresários tinham de ser "desapropriados", estatizados, arrochados.
O caso é que o Brasil tem tanta, mas tanta, tanta riqueza, que era realmente mais prudente - como demonstrou ser, ao menos, a médio prazo - manter esses acumuladores compulsivos de capital saciados e relativamente controlados para salvar as vidas de milhões de pessoas - e não ficar no embate bolorento da ideologia esquerdomacha.
Mais um ponto para Lula. Ele se negou a ser um ditadorzinho e se perpetuar no poder (como muitos líderes latino-americanos incensados por nossa esquerda masculinizada) e decidiu apostar na mulher como vetor de distribuição inteligente de renda e como alternância de poder.
Hoje, Lula volta a ser solução para o continente. Mais solução ainda do que já foi. Porque a crise que assola a América Latina é também uma crise moral de apego ao poder, de vale-tudo, de um paradigma revolucionário apodrecido e que já tinha sido ultrapassado por Lula na própria fundação do PT.
Diante dessa monumentalidade, Bolsonaro vira um inseto de esgoto à espera da chinelada soberana do povo trabalhador.
Por isso, ele tem pânico. Por isso, ele tem medo. Por isso, ele não pensa em outra coisa senão se proteger.
A ebulição social nas ruas do Brasil é tão certa quando o sol que vai nascer amanhã. O próprio governo Bolsonaro sabe disso e faz ameaças antecipadas, coisa que só um inseto que habita o bueiro contaminado dos condomínios de luxo é capaz de fazer.
O prognóstico, no entanto, é tão certo quanto inútil. Quando o país explodir - e deve explodir, porque merecemos e precisamos - quem irão chamar para acalmar a população e para organizar a demanda social? Quem tem expertise nesse campo de contenção?
As emoções políticas são fortes e serão mais ainda. Lula, que aparentemente quer descansar, namorar, curtir a vida, ainda que discursando e alimentando a militância (porque isso, para ele, "é" curtir a vida), vai ser chamado novamente pela história.
A história não deixa Lula em paz, talvez porque o ame mais do que nós mesmos, que amamos a democracia e a vida humana.
Ainda bem.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

