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A honestidade cínica de O Globo

Não se poderia esperar que o jornal de propriedade da família mais rica do Brasil compreendesse os benefícios que a taxação de bilionários traria para o conjunto do país

Não se poderia esperar que o jornal de propriedade da família mais rica do Brasil compreendesse os benefícios que a taxação de bilionários traria para o conjunto do país (Foto: Roseli Martins Coelho)
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Uma pesquisadora independente, ao analisar "think-tanks" e outros canais de atuação e de expressão da direita brasileira, definiu O Globo como o jornal mais reacionário do Brasil. Neste início de ano, os editorialistas deste órgão da grande imprensa assumiram a tarefa de desanimar qualquer brasileiro que ouse sonhar com a implantação do imposto sobre grandes fortunas. Devem ter avaliado que estava na hora de um jornal da grande mídia refutar Thomas Piketty, o francês que tem incomodado muita gente com sua pesquisa que comprova a tendência concentradora de renda do capitalismo do último século. O livro de Piketty tem sido muito comentado até mesmo fora dos ambientes da universidade, e como ele propõe a adoção do imposto sobre grandes fortunas como um dos instrumentos para frear o avanço da concentração de riquezas, o Globo resolveu declarar formalmente a sua verdade sobre esse tipo de taxação: "Não funciona", como está estampado no título do editorial.

O texto é um primor de honestidade cínica porque os argumentos apresentados para mostrar que o imposto sobre grandes fortunas "não funciona" poderiam ser usados pela Receita Federal para investigar, identificar e punir sonegadores. Sem o menor pudor é logo colocada em cima da mesa a explicação principal: não funciona porque possuidores de grandes fortunas vão simplesmente mentir sobre os montantes de suas rendas. E uma vez que a "estrutura de fiscalização" seria custosa e ineficiente, o melhor é abandonar essa bobagem de taxar grandes fortunas.

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O argumento tem uma segunda parte: se, por um milagre, o imposto fosse adotado no Brasil -- o jornal celebra, é claro, o fato de o Congresso Nacional não ter sequer discutido a adoção dessa modalidade de imposto que está prevista na Costituição de 1987 -- o que aconteceria, segundo os editorialistas, é que as famílias mais ricas reagiriam transferindo seus patrimônios para países que não penalizam seus bilionãrios. O que diminuiria os empregos e a renda que são gerados pelos "grandes patrimônios familiares", segundo O Globo.

Não se poderia esperar que o jornal de propriedade da família mais rica do Brasil compreendesse os benefícios que a taxação de bilionários traria para o conjunto do país. Contudo, para enfatizar a "ilusória vantagem da taxação de fortunas", os editorialistas deveriam recorrer a argumentos, digamos, mais elaborados.

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Poderiam se inspirar, por exemplo, na criativa direita americana que, nos anos 1990, criou uma campanha massiva, utilizando todos os meios de comunicação do país, contra o "imposto da morte". Começando pela generalização do termo "tax death", os ideólogos mais conservadores dos Estados Unidos foram bem-sucedidos ao convencer a esmagadora maioria dos cidadãos que deveriam rejeitar essa forma de taxação. Se fosse adotado (o que não aconteceu), o imposto incindiria apenas sobre zero ponto um por cento da população americana, mas o eficaz argumento usado pelos conservadores recorria ao otimismo de cada um. Mais de setenta por cento dos americanos responderam uma pesquisa nacional com o mesmo raciocício: não apoio a criação desse imposto porque eu mesmo, um dia, posso ser bilionário e não quero que o Estado fique com minha fortuna quando eu morrer. A probabilidade estatística perdeu de goleada para a ilusão.

No outro extremo da percepção coletiva da cobrança de impostos, estão os cidadãos dos países nórdicos. O "capitalismo que deu certo" -- ausência de violência urbana, de exclusão social e de outras molestias típicas de países como o Brasil -- funciona bem exatamente porque, entre outros recursos, têm meios eficientes de cobrar impostos de milionários. Mesmo um "scholar" destituído de radicalismo de esquerda empenhou-se em demonstrar com dados quantitativos que para cumprir e fazer cumprir a Lei de forma universal o Estado depende da sua capacidade de "taxar os ricos". Adam Przeworski (em O Estado e o Cidadão) compara dados de países da periferia do capitalismo e da Europa Ocidental e conclui que a democracia (prevalência universal da Lei) depende menos de boas instituições (que, aliás, estão presentes no Brasil) e mais da "fiscalidade", isto é, da capacidade de taxar os mais ricos.

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Voltando ao editorial em questão, registre-se que os autores do texto não se perdem na intenção de provar que o Brasil seria uma exceção se adotasse o imposto sobre grandes fortunas. Mencionam apenas o caso da Inglaterra que cancelou esse imposto -- o que é meia verdade já que outras formas de taxar fortunas foram mantidas naquele país até hoje -- e ignoram exemplos de países onde a taxação sobre grandes fortunas pode alcançar noventa por cento da renda ou do patrimônio, quando se trata de herança.

O argumento do editorial de O Globo concentra-se na alegação da ineficiência da medida porque estão convencidos de que os milionários mentiriam ou abandonariam o país se fossem assim taxados. Raramente de vê um surto de sinceridade dessa magnitude. De todo modo, um jornal de circulação nacional não deveria usar argumentos que nem Al Capone ousou proferir.

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