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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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A hora da empatia: como a Dinamarca ensina bondade nas escolas

Há mais de três décadas, escolas dinamarquesas cultivam empatia como conteúdo curricular — e mostram que sociedades felizes se constroem desde a infância

Bandeira da Dinamarca (Foto: Reuters/Tom Little)

Desde 1993, todas as escolas da Dinamarca reservam uma hora semanal para algo que não está nos currículos tradicionais de matemática, história ou ciências. Chama-se Klassens tid — literalmente, “o tempo da turma”. Trata-se de um espaço sem provas, sem notas, sem quadros-negros riscados de equações. Ali, o conteúdo é outro: a vida em comum, as dores partilhadas, os conflitos que precisam ser resolvidos sem violência. É a disciplina da empatia, tornada lei há mais de trinta anos e ainda vista como uma das inovações pedagógicas mais discretas e revolucionárias do mundo.

A cena é simples: crianças entre 6 e 16 anos se reúnem em círculo, mediadas por um professor que não ensina fórmulas, mas faz perguntas. O que o preocupa? Como foi sua semana? Alguém se sentiu deixado de lado? O objetivo não é uniformizar sentimentos, mas reconhecer a singularidade de cada um. No vocabulário dinamarquês, existe uma palavra que captura o espírito dessa hora: hygge, a atmosfera de acolhimento e segurança que permite a todos se expressarem sem medo.

Uma lei para cultivar humanidade

A origem dessa prática remonta ao século XIX, quando as primeiras experiências de reuniões de turma surgiram no país. Mas foi em 1993 que o Klassens tid foi oficializado na lei de educação. O gesto político não foi apenas simbólico. Significou inscrever no coração do sistema escolar a ideia de que a convivência democrática, o cuidado mútuo e a capacidade de escuta não são virtudes opcionais — são competências que precisam ser ensinadas com a mesma seriedade com que se ensina álgebra ou gramática.

Num mundo escolar muitas vezes intoxicado pela lógica da competição — prêmios para os melhores, rankings, troféus —, a Dinamarca fez o caminho inverso. Ali, a criança não disputa com o colega, disputa consigo mesma. O resultado não é apenas menos bullying e mais cooperação, mas a formação de gerações que compreenderam, desde cedo, que empatia é uma habilidade tão prática quanto aprender a nadar ou a multiplicar números.

Professores como mediadores da vida

O papel do professor é fundamental. Cabe a ele criar o ambiente de confiança, acolher o que emerge da turma, estimular o diálogo sem impor conclusões. Um aluno pode confessar que se sente isolado, outro pode pedir desculpas, uma menina pode relatar dificuldades em casa. Todos aprendem, juntos, a arte de ouvir. Não se trata de psicoterapia coletiva, mas de treino social: aprender a reconhecer no outro uma presença legítima, uma voz que merece atenção.

Pesquisadores que acompanharam turmas ao longo de décadas relatam efeitos claros: grupos mais coesos, crianças menos propensas a conflitos violentos, jovens mais aptos a lidar com frustrações. Os números não contam toda a história, mas a Dinamarca continua figurando nos primeiros lugares do World Happiness Report, e não é difícil imaginar que a formação escolar baseada na empatia contribua para esse quadro.

O hygge como pedagogia

O conceito de hygge talvez seja o segredo mais refinado do modelo dinamarquês. Não é só a roda de conversa. É a fatia de bolo que circula, o chá quente servido no inverno, a iluminação suave que convida ao diálogo. É o cuidado com a atmosfera, porque sentimentos não se compartilham em ambientes hostis. A pedagogia do hygge ensina que não basta falar de empatia; é preciso criar as condições para que ela floresça.

Enquanto outros países discutem obsessivamente testes padronizados, rankings internacionais e pressões de desempenho, a Dinamarca envia ao mundo um recado mais simples: sociedades felizes não nascem apenas de boas notas, mas da capacidade de gerar vínculos.

Bondade como disciplina

Há quem desdenhe, dizendo que empatia não se mede em gráficos, que bondade não cabe em relatórios. Mas os dinamarqueses parecem não se importar. Continuam ensinando bondade como se fosse geografia. E as evidências mostram que funciona: menos casos de assédio escolar, mais integração, maior bem-estar social.

Talvez o maior mérito do Klassens tid esteja em mostrar que a educação não é apenas a transmissão de saberes, mas também a construção de convivência. É um lembrete precioso num tempo em que sociedades se dividem com violência e redes sociais transformam divergências em linchamentos.

Lição para o mundo

Não seria exagero dizer que a Dinamarca elevou a empatia à condição de política pública. E, ao fazê-lo, ensinou ao mundo que a felicidade de uma nação não se escreve apenas nas estatísticas econômicas, mas também na qualidade das relações entre seus cidadãos.

Enquanto países buscam fórmulas para conter o bullying, reduzir a violência e combater a solidão crescente entre jovens, a Dinamarca aposta naquilo que parece óbvio e, no entanto, é tão raro: uma hora por semana para aprender a ouvir, falar e compreender.

A lição ecoa para além das salas de aula. A bondade também se ensina. E, quando cultivada desde cedo, pode mudar não apenas trajetórias individuais, mas sociedades inteiras.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.