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Guilherme Scalzilli

Historiador e escritor

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A ilegalidade conveniente

Apesar da tolerância do Judiciário, a cobrança das "taxas de conveniência" no comércio eletrônico de ingressos para espetáculos artísticos e esportivos desrespeita vários dispositivos legais e deve ser regulamentada ou coibida com urgência

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As chamadas "taxas de conveniência" tornaram-se rotineiras no comércio eletrônico de ingressos para espetáculos artísticos e esportivos. Apesar da tolerância do Judiciário, entretanto, essa cobrança desrespeita vários dispositivos legais e deve ser regulamentada ou coibida com urgência.

É importante lembrar que a taxa não inclui o envio do ingresso a domicílio, mas apenas a disponibilização de um canal para transações realizadas à distância. Trata-se, portanto, de mero instrumento de comercialização, e não de um serviço autônomo, caracterizado por contrapartidas que justificassem remuneração extra.

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A internet é parte fundamental da vida cotidiana, e jamais onerou as muitas atividades produtivas que a utilizam. Ninguém precisa recolher taxas para pagar boletos bancários ou realizar compras pelo computador. Ademais, a facilidade, a agilidade e a segurança da operação comercial constituem direitos do consumidor, não privilégios ou favores.

A questão da tal "conveniência" leva a indagar quem a taxa favorece na verdade, pois o suporte digital viabiliza o consumo em situações que normalmente o desestimulariam. Sem a internet, os produtores amargariam prejuízos, já que uma parcela importante dos espectadores não tem condições de se deslocar aos guichês "oficiais".

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Os pontos de venda físicos geram custos operacionais elevados para os vendedores (salários, benefícios, encargos, aluguéis, equipamentos, seguros, etc), que ultrapassam os dos escritórios dotados de tecnologia para o comércio virtual. Essa diferença fica mais evidente considerando as respectivas produtividades, isto é, o número de ingressos vendidos no mesmo período. As empresas cobram mais para aumentar seus dividendos.

Também é falacioso afirmar que o comprador tem alternativas. Há diversos obstáculos externos que impedem o deslocamento da população nos horários comerciais. As poucas bilheterias disponíveis, amiúde situadas em locais de difícil acesso, restringem a aquisição presencial à inviabilidade prática. E não existem escolhas possíveis dentre os fornecedores do "serviço" taxado, pois as vendas para cada evento são monopolizadas.

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Por fim, mas não menos insidiosa, resta a cobrança proporcional sobre o valor de face dos ingressos. Além de arbitrários e exorbitantes, os costumeiros 20% originam preços desiguais para produtos idênticos do ponto de vista operacional. Seria o mesmo que uma instituição bancária aplicar tarifas variáveis em transferências ou folhas de cheque avulsas, como se os aportes financeiros envolvidos afetassem o custo desses produtos.

Resumindo os argumentos expostos, as infrações cometidas pelas empresas que cobram a "taxa de conveniência" seguem abaixo:

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- Cobrar por serviço inexistente: inciso IV do artigo 6 da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

- Onerar procedimento indissociável da compra: parágrafo 2º do artigo 20 do CDC.

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- Majorar injustificadamente os preços: incisos V e X do artigo 39 do CDC e inciso III do artigo 36 da Lei 12.529/2011.

- Dificultar o acesso a formas e condições alternativas de compra: inciso I do artigo 39 da mesma Lei.

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- Monopolizar a oferta do ingresso por meio eletrônico: inciso IV do artigo 6 do CDC e incisos II e IV do artigo 36 da Lei 12.529/2011.

- Condicionar a venda do ingresso ao suposto serviço taxado: inciso XVIII desse artigo e o inciso I do artigo 39 do CDC.

Mas o consumidor lesado tem poucas opções para defender-se. Precisa primeiro vencer a resistência dos Procons e das varas especiais e depois a dos defensores públicos. A melhor chance da vítima (especialmente se mora longe das sedes das empresas produtoras) é a devolução da taxa na audiência conciliatória, pois o transporte dos prepostos e os honorários advocatícios são mais onerosos que um acordo imediato.

Os empresários já aprenderam, contudo, a não temer o resultado de um julgamento. Acompanhando a lacuna jurisprudencial vigente, os magistrados têm o hábito de negar provimento às reclamações. Na maioria das vezes, argumentam que a ciência prévia da taxa equivale à sua aceitação pelo comprador. Mesmo que seja verdade, isso não torna a prática legítima. A anuência das partes não autoriza a venda casada, por exemplo.

Uma pesquisa simples na internet revela que os Ministérios Públicos de Pernambuco e de São Paulo e os Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, além de incontáveis profissionais do Direito, já se posicionaram contrários à taxa. Mas são iniciativas isoladas, fadadas a caducar nas pilhas das cortes superiores, enquanto um restrito cartel de corporações enriquece de maneira irregular.

Torna-se imprescindível, portanto, que a OAB assuma posição incontroversa acerca do tema e que as Promotorias de Defesa do Consumidor realizem a contestação unificada e sistemática da "taxa de conveniência". O Judiciário não pode mais ser omisso diante desse abuso cotidiano que onera indevidamente o acesso a bens culturais, educativos e esportivos, como se fossem luxos supérfluos.

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