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Moisés Stahl

Historiador e doutorando em história econômica pela USP

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A importância da história se atualiza

O eminente historiador francês, Marc Bloch, executado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, dizia que a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado

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Entre o final do século 20 e início do século 21, o historiador José Murilo de Carvalho publicou uma importante obra de interpretação do Brasil (Cidadania no Brasil: o longo caminho) em que trazia uma reflexão sobre a inexistência de uma memória ativa da Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Naquele tempo, fim da Era FHC, havia a sensação de uma democracia consolidada, dez anos depois, em 2010, no final do governo Lula, tinha-se a certeza de que se experimentava a plenitude da democracia. Na década de 2010, com o governo Dilma, o bulício antidemocrático começou a se manifestar claramente a partir das jornadas de junho de 2013, quando grupos de extrema-direita rasgaram o véu e fomentaram um nacionalismo excessivo aderindo a símbolos e cores que, supostamente, representavam um suposto amor à pátria. O rebuliço social tomou conta do país e a disputa política por um legado histórico abriu uma fenda na memória do país que permitiu discussões mofadas sobre um legado da Ditadura, algo impensável até então. 

Nas eleições de 2014 ainda foi possível encontrar um refresco democrático, posto a fim a partir de 2015, com o caráter nada democrático e republicano do PSDB, representado na figura de Aécio Neves, que acreditou ordenar as massas rumo a uma nova eleição antecipada ou eleição indireta, que novamente daria o governo aos tucanos. Em 2016, com o impeachment da presidente Dilma, uma memória negativa do país entrou nas discussões públicas. Com as eleições presidenciais de 2018 a disputa entre um legado democrático recente e um “legado” autoritário mofado permeou o debate político e atiçou a memória do Brasil. Em 2019, o presidente eleito em 2018, Jair Bolsonaro flertou com o discurso autoritário e legitimou certos comportamentos praticados no cotidiano. Em 2020, o secretário da cultura do governo Jair Bolsonaro, Roberto Alvin, encena publicamente, em vídeo, o típico discurso do nazismo, com citação, indireta, de Joseph Goebbels (Ministro da Propaganda Nazista, figura muito próxima de Adolf Hitler), e assombrou o país. Nesse cenário, em que as atualizações do atraso (ditadura e nazismo) se manifestam sem pudor, qual a importância do conhecimento histórico no rechaço à essas manifestações?

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O eminente historiador francês, Marc Bloch, executado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, dizia que a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Imaginemos um cenário em que ninguém percebesse a citação da frase de Goebbels no discurso de Alvin, ele não seria destituído do cargo que ocupava e seu projeto de cultura modelado por uma visão ultranacionalista e conservadora ganharia espaço na sociedade. Ou seja, foi possível compreender o presente a partir do passado e explicitar a importância do conhecimento da história como ferramenta na formação de uma sociedade preocupada com o bem comum de todos e não de grupos seletos.

Outro caso de prática nazista se deu quando um indivíduo utilizando uma faixa com a suástica emblemada fez presença em um movimentado bar na cidade de Unaí-MG, o que gerou a indignação da população presente, e grande repercussão. Encontramos neste ocorrido outra compreensão do presente. Contudo, tais casos poderiam ser enquadrados como crime de apologia do nazismo previsto em lei, mas não foram. Há nesses casos uma tensão perigosa entre a percepção de setores da sociedade que compreende as manifestações e o literal fechar de olhos da justiça e de seus oficiais. Abre-se um espaço maior para práticas de defesa do autoritarismo, que podem fomentar na sociedade o aparecimento de situações de disfunção social e maior espaço para o autoritarismo, que já faz sombra. 

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Antoine Prost, em seu livro Doze lições sobre a história, ressalta que no discurso dos historiadores, “os fatos constituem o elemento consistente, aquele que resiste à contestação”. A afirmação de que a Alemanha nazista empreendeu extermínio dos judeus e demais grupos sociais não é uma opinião subjetiva, como observa Prost, é uma verdade, que é respaldada em fatos. Assim, é o caso do uso do discurso de Goebbels no contexto da Alemanha nazista, que tinha a finalidade de impor um projeto de superioridade e eliminar os entendidos por inferiores. Está provocado, com documentos, a finalidade atroz dos nazistas – é uma verdade. Diante disso, o uso de Goebbels na atualidade aciona o sinal de alerta na sociedade, é preciso frear esta escalada enquanto há tempo.

A história está sempre presente e se faz mais necessária em tempos de ameaças tirânicas. O primeiro ato dos tiranos e suas tiranias é tentar modelar o passado para seu uso no presente. Uma história distorcida, nada científica, se constituí para legitimar comportamentos e ações. Contudo, a história como ciência busca e leva a buscar a compreensão do presente pela leitura correta do passado. A história como ciência que revela o caminho percorrido aos novos caminhadores é repleta de pessoas em constantes relações, indo e vindo, forçando e forjando o tempo. Saber receber e ter a compreensão da importância do saber histórico é possibilitar a melhor condução da sociedade, sem que se recorra aos velhos dispositivos indutores das atualizações do atraso, que, sabemos, são desejadas e buscadas constantemente para a imposição de situações de desajustes sociais, desequilíbrios e desigualdades.

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