A inadmissível contradição do parlamentar com cidadania estrangeira
Luiz Cláudio Romanelli reflete sobre "jus sanguinis" e os dilemas da lealdade dividida
A recente notícia da fuga de uma parlamentar brasileira buscando proteção na cidadania estrangeira com base no "jus sanguinis" (do latim, direito de sangue)–princípio que concede nacionalidade por ascendência–expõe uma contradição ética, jurídica e política insustentável para um representante máximo da soberania nacional.
O mandato parlamentar, conforme a Constituição (Art. 1º), assenta-se nos pilares da soberania e da cidadania brasileiras. O parlamentar é agente do Estado, encarregado de zelar pelos interesses exclusivos da nação que o elegeu. O jus sanguinis, embora um direito pessoal legítimo, não é uma obrigação. Optar por exercê-lo durante o mandato significa formalizar, conscientemente, um vínculo jurídico-político com outro Estado soberano. É aqui que mora o cerne da contradição: como pode alguém jurar lealdade (mesmo tacitamente, ao aceitar a nova cidadania) a outra nação enquanto ocupa cargo que personifica e defende a soberania brasileira?
A Constituição (Art. 12, §4º, II) permite a dupla cidadania originária (quando já existe ao nascer). Porém, a busca ativa durante o mandato é qualitativamente distinta. É uma escolha política no auge da função representativa. Isto cria, no mínimo, um conflito de lealdades potencial, real ou percebido, que mina a confiança pública. Como assegurar isenção absoluta em votações cruciais? Política externa, relações bilaterais, acordos comerciais, segurança nacional ou leis migratórias envolvendo o país da nova cidadania – todas estas áreas ficam sob suspeita.
O argumento de que "é só um passaporte" ou "um direito de sangue" não se sustenta. Se fosse irrelevante, por que buscá-lo? A cidadania confere direitos e deveres. Para um parlamentar, simboliza identidade e lealdade nacional indivisíveis. A alegação de que "muitos brasileiros têm dupla cidadania" também falha: cidadãos comuns não são agentes constitucionais da soberania nacional. O padrão para quem legisla em nome do povo brasileiro deve ser mais elevado.
A incoerência é flagrante. Como defender discursos de "Brasil acima de tudo", exigir fidelidade de imigrantes ou criticar influências estrangeiras, enquanto se busca ativamente o status de cidadão de outro país? Esta dupla identidade dilui a essência simbólica do mandato: representar, com exclusividade e integridade, os interesses nacionais.
A busca por cidadania estrangeira durante o mandato parlamentar, mesmo por jus sanguinis, é uma contradição inaceitável com os deveres constitucionais de lealdade e defesa da soberania brasileira. Demonstra priorizar um vínculo concorrente com outra nação no exato momento em que se deveria personificar a unidade e os interesses do Brasil. Exige-se transparência imediata e, idealmente, a renúncia ao cargo por quem opta por tal caminho. Urge também uma reflexão legislativa: a aquisição de nova cidadania durante o exercício do mandato deveria ser vedada por lei, preservando a integridade da representação nacional. A nação merece representantes com lealdade indivisa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.


