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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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A independência inconclusa do Brasil

"Aqui a democracia delegatícia foi e continua sendo de baixíssima intensidade, com uma liberdade tão somente formal e jurídica", escreve Leonardo Boff

(Foto: Independência do Brasil)
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Por Leonardo Boff 

O dia 7 de setembro de cada ano celebramos o dia da Independência do Brasil. Mas se trata de uma independência inconclusa. Foi feita por Dom Pedro I montado em cima de um burro e não como épica e falsamente o pinta Meireles montado num belo cavalo.

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Ao independizar-se do Brasil, foram mantidas as mesmas relações da época colonial, dos senhores da Casa Grande e dos escravizados da senzala. Não esqueçamos o fato de que a Independência se fez ainda no quadro do escravismo que foi brutal e cruel para milhões de pessoas trazidas de África e aqui escravizadas. Mesmo depois da Lei Áurea de 1888, os escravizados não tiveram nenhuma compensação seja em terras, trabalhos e oportunidades. Foram lançados ao deus-dará sem absolutamente nada. Hoje os afrodescendente constituem de 54% de nossa população para a qual nunca saldamos a nossa dívida por tudo o que sofreram e ajudaram a construir esta nação.

Como país, fomos sempre dependentes. Primeiro de Portugal, depois da Inglaterra, em seguida dos EUA e atualmente dos países opulentos com suas mega corporações que exploram nossas riquezas.

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Nunca houve um projeto de nação. Sempre predominou, como foi amplamente mostrado pelos historiadores, uma política de conciliação das classes endinheiradas entre si e de costas para o povo, excluído e covardemente desprezado e odiado. Elas ocuparam o Estado e seus aparelhos para garantirem seus privilégios, usufruir das vantagens dos grandes projetos, das propinas e da corrupção simplesmente naturalizada. Por isso temos um país profundamente dividido entre um pequeno número de miliardários e bilhardários, uma porção de classe média e entre as grandes maiorias marginalizada e excluídas dos bens da civilização.

Houve, na época colonial, resistências e revoltas de gente do povo, de negros e indígenas, todas esmagadas violentamente com enforcamentos, fuzilamentos ou, no melhor dos casos, com o exílio e com golpes e ditaduras na época republicana.

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Na verdade, aqui a democracia delegatícia foi e continua sendo de baixa e até de baixíssima intensidade, com uma liberdade tão somente formal e jurídica, mas sem o seu insubstituível complemento, a igualdade. Por isso grassa uma vergonhosa desigualdade, das maiores do mundo, que é uma injustiça social tão grave que clama aos céus pelas vítimas que produz.

Olhando para trás nossa história pátria é marcada por sombras escuras, do genocídio indígena, da colonização, do escravismo e da dominação das elites do atraso, como a qualifica o sociólogo Jessé Souza que agarram ao poder.

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Quando alguém vindo do andar de baixo, sobrevivente da grande tribulação brasileira, chegou ao poder, Luis Inácio Lula da Silva e com sua sucessora Dilma Rousseff introduziram políticas sociais de inserção de milhões de pobres e famintos, logo se armou contra eles um golpe jurídico-parlamentar-midiático. Desta forma se salvou a velha ordem (da desordem social) e foi continuada por uma figura insana e psicopática que tirou do armário de partes importantes da população tudo o que havia de ódio e de perversão, recalcadas e fruto tardio do tempo da escravidão. Os escravizados eram simplesmente “peças” a serem vendidas e compradas no mercado e tratadas com os famosos três pês: pau, pão e pano: pau como chibatadas desumanas, pão para não morrem de forme e pano para esconderem as vergonhas. A prática era da violência que continua ainda hoje com a população negra e pobre.

Fine finaliter: aqui nossa independência foi manca e inacabada, o que nos tira qualquer sentido de celebração. Como nunca houve uma revolução, como nos grandes países qu deram seu salto de qualidade, que apeasse do poder-dominação a classe do privilégio e do enriquecimento fácil, nunca nos foi dada a oportunidade de fundar uma nação com um projeto para todos, altivo e ativo. Apenas prolongamos o regime de dependência de vários outros poderes forâneos até a presente data.

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Qual seria a nossa chance e o nosso destino? Olhar para frente e par o futuro. Somos uma nação continental, com a maior riqueza ecológica do planeta em termos de água doce, florestas tropicais, solos férteis, imensa biodiversidade e um povo aberto, hábil e inteligente que conseguiu sobreviver a todo tipo de opressão.

Sabemos que a Terra alcançou o seu limite. No dia 28 de julho de 2022 ocorreu o Dia da Sobrecarga da Terra (The Eath Overshoot Day) ou seja, utilizamos todos os bens e serviços naturais indispensáveis para a vida. Entramos no cheque especial. Usamos nos sete meses passados, todo o estoque de água, minerais, vegetais e energia que o planeta pode produzir e regenerar no período de 365 dias. Para continuarmos a viver seria necessária a biocapacidade de 1,75 Terras que não temos.

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Com o crescimento inesperado do aquecimento global e com o que já existe de CO2 e metano acumulados na atmosfera, os eventos extremos serão inevitáveis. Chegamos atrasados. Com ciência e técnica podemos apenas mitigar os efeitos extremos que virão com destruição de ecossistemas e milhares de vidas humanas. Segundo dados deste ano do IPCC isso poderá ocorrer nos próximos 3-4 anos. Haverá pontos de inflexão sociais como a erosão do modo de vida das populações, aumento de conflitos, violência, migração e crises humanitárias, afetando a infraestrutura, a segurança alimentar, hídrica e energética. Muitas nações não conseguem produzir o que sua população necessita, situação agravada pela intrusão do Covid-19.

Esta realidade sombria poderá se tornar uma catástrofe global. É nesse ponto que entra a independência possível e real do Brasil. Ele pode ser a mesa posta para as fomes e as sedes de toda a humanidade. Esta dependerá em grande parte do Brasil, da umidade de nossa Amazônia, da proteína de nosso gado e aves e da produção de alimentos de nossos solos. Grande parte dos países, hoje independentes, serão dependentes de nós. Finalmente teremos alcançado a nossa real independência, não para nosso orgulho e benefício, mas como serviço para a vida na Terra e a sobrevivência da humanidade.

Finalmente poderemos entoar a canção carnavalesca: “Liberdade, Liberdade! Abre as asas sobre nós. E que a voz da Igualdade seja sempre a nossa voz” e de toda a humanidade.

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