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Cristiano Addario de Abreu

Doutor do Programa de Pós-graduação de História Econômica/USP (PPGHE/USP).

15 artigos

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A Inteligência Artificial e a estrada da servidão voluntária

As plataformas digitais “gratuitas” é que deveriam remunerar seus usuários por estes lhes alimentar com dados

Letras AI (Inteligência Artificial) e miniatura de robô nesta ilustração tirada em 23 de junho de 2023 (Foto: REUTERS/Dado Ruvic)
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Por Cristiano Addario Abreu, 247 - Cresce no mundo uma justa aflição com a explosiva aceleração da chamada Inteligência Artificial. Mesmo o nome dado para este processo técnico é polêmico, com o cientista Miguel Nicolelis ironizando ao lembrar que a IA nem é inteligência (que é um processo biológico), e nem artificial. Com todas as nuanças, é inegável que tal IA é uma forma de crescente cruzamento de dados que se somam em disparada nas redes, pois lhes fornecemos de forma regular e crescente estes dados. Com a absurda capacidade de processamento destes sistemas, o que pode acontecer em 20 anos com o mundo é algo que nos escapa, mas o foco neste artigo é no que empoderada a Humanidade: os humanos é que alimentam esse sistema, e isso roga por ser visto e valorizado.

Os nomes de novos processos técnicos, no mundo digital, costumam carregar a marca orwelliana de se expressarem na “novilíngua” do capitalismo monopolista. Ou seja, costumam nomear as coisas para enganar a absoluta maioria dos idiotas comuns: guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força.

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Assim, por exemplo, as criptomoedas sequestram já no nome uma ação histórica monopolizada por soberanias nacionais: as chamadas criptomoedas não são moedas, pois não têm um Estado por trás a lhes afiançar o lastro, e por isso quebram como jogatinas em cassinos. As criptomoedas são cripto-ativos! Ponto! São ativos digitais de risco, a flutuar nas especulações das redes. Mas surgem no imaginário como “as novas moedas”, as “moedas do futuro”, o “Novo”... Travestindo-se assim de moedas já no nome. Não são moedas, mas constroem um linguajar “novo” a lhes empoderar nessa direção de serem entendidos como um “novo” Sistema monetário. Desde os anos 1990 que o linguajar ‘Novo”, novidadeiro, do Neoliberalismo, obstrui e obseda o debate público de forma desonesta já com as palavras: aprisionando na alcunha de “Novo” o que apoiam, e na alcunha de “velho” o que combatem... 

O que a maioria não capta é que este sequestro simbólico da função monetária, já no nome desonesto usado pelos cripto-ativos, é a abertura da porta do inferno para as Big Tech invadirem, mais ainda, o sistema monetário, com a visão das pessoas comuns naturalizando esta aberração monopolista dessas empresas a roubarem uma função dos Estados.

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Não recebeu a devida atenção da opinião pública o fato do facebook ter tentado lançar uma moeda digital interna ao seu “sistema mundo” digital, e o governo dos EUA então (2019) proibiu terminantemente tal regressão feudal: a dita empresa é sediada nos EUA, os EUA tem uma moeda e o governo monopoliza o sistema monetário no referido país, logo, não é permitido uma empresa gigante roubar esta função do Estado estadunidense. Ponto!

O exemplo dos cripto-ativos é cristalino para explicar a trilha da guerra narrativa/jurídica/política das gigantes monopolistas de comunicação digital, as Big Tech, a sequestrar as mentes das pessoas, fazendo-as naturalizar qualquer absurdo. A verdadeira luta das Big Tech tem-se dado com os aparatos políticos/institucionais estabelecidos das sociedades, estes é que reagem, politicamente/juridicamente, contra tais monopólios (como o governo dos EUA quando proibiu a moeda do facebook, ou agora a União Europeia proibindo mais uma plataforma do mesmo sistema Meta: o threads). 

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Mas a maioria das pessoas, a maioria dos jovens, vivem numa crescente naturalização de tais plataformas, como se elas fossem fatos da natureza.

Soberania comunicacional e direito à privacidade: informação é o petróleo do séc. XXI 

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No início da expansão da internet, nos anos 1990 e 2000, houve uma visão idílica de uma primavera comunicacional libertária, democratizante, gratuita e colaborativa na internet. Infelizmente, tal idílio enganou por pouco tempo. Com a, ainda lenta conscientização crítica das pessoas, de que o uso de plataformas “gratuitas” nada tinha de gratuito: os e-mails, sites de buscas, e depois as malfadadas “redes sociais”, são armadilhas informacionais nos roubando nossas informações de forma estrutural.

E roubam da forma mais eficaz e perversa: pois nós lhes fornecemos gratuitamente todos os nossos dados de bom grado. A armadilha está armada e as vítimas se atiram voluntariamente no precipício, lhes entregando todos os dados de suas vidas: círculos de amizades, opiniões políticas, orientação sexual, hábitos de consumo e de vida, alimentação, horários de organização do dia... E tais dados SÃO SIM comercializados: daqui a dez anos qualquer pessoa que busque fazer um plano de saúde terá o custo de seu plano calculado pelo algoritmo que metaboliza as chances de doenças, calculado pelos dados pregressos dados, voluntariamente, pelas pessoas nas redes.  

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Foi dito acima sobre a lenta conscientização das pessoas sobre este quadro de coisas, mas o que parecia lento antes, cada vez mais parece que vive uma verdadeira regressão negacionista: conversar com as pessoas sobre o fato de que tais serviços NÃO SÃO gratuitos, e que eles precisam de crescente regulamentação, causa estranhamento e incômodo. Parece surgir um negacionismo regulatório na internet, com as pessoas, quase que de forma zumbínica, negando até a ideia de regular as redes, tamanho é o grau de naturalização das plataformas, e da necessidade quase cocainomana que as pessoas vivem com suas redes digitais, lhes ocupando o dia inteiro. Tal comportamento obsedado com a internet nos celulares é particularmente assustador nos adolescentes: em todos os espaços em que se tenta dar aula (escolas públicas, escolas de elite, faculdades de elite, cursos de pós...) parece haver uma mudança comportamental perigosa, em que a centralidade do celular, todo o tempo, não pode ser questionada, criando o quadro geral de naturalização da vida digital, que já é a maior parte da “vida real’ da maioria, como algo que não pode ser posto em dúvida, questionado, ou problematizado.   

De fato, a sociedade brasileira não está processando, nem minimante, o grau dos riscos para o futuro, para a democracia, o trabalho, e a própria organização estatal brasileira, que esse nível de submissão adictícia em massa da população, e da juventude em particular, às redes digitais está nos colocando. 

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Inclusive no recente debate regulatório no Congresso, parte da esquerda apostou tudo na remuneração que plataformas como o Youtube possibilitam para as mídias progressistas e independentes. Contudo, a luta precisa ser para termos plataformas análogas próprias no Brasil, de preferência públicas, como ao final deste artigo está elencado algumas sugestões propositivas para este debate, sempre em mutação, que foram construídas no Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) de 2022. 

Pois acreditar na segurança das plataformas digitais das Big Tech não é viável: caso a mídia independente brasileira conquiste um alcance comunicacional que consiga apoio popular para maior controle estatal sobre o Pré-sal, nacionalização do refino do petróleo, reestatização da Eletrobras, para ficar em apenas alguns poucos exemplos, é muito mais que provável que haverá reações e censuras de tais plataformas. Como vê-se ocorrer em todas as Big Tech norte-americanas com relação à Rússia de Putin. 

Comunicação é questão de segurança nacional. E se a esquerda brasileira tem um Projeto Nacional decente, nos nossos dias da Era Digital, ele precisa incorporar a Segurança Comunicacional na Era Digital, defendendo: email e whatsap do Correio, e um Youtube federal. Tais proposições sobre as redes mudam muito rapidamente, mas este debate precisa se acumular de forma propositiva frente aos desafios crescentes. Mas a cabeça do usuário da internet no Brasil PRECISA mudar: ele não está usando serviços gratuitos, ele está alimentado as plataformas digitais com suas informações, empoderando tais plataformas, que seguem comercializando tais informações. Numa pesquisa recente ao Chat-GPT, sobre um assunto que estudo, a moeda fiduciária Greenback no século XIX, percebi de forma cristalina que na interação com a plataforma eu acabei alimentando a mesma, que começou respondendo coisas bem equivocadas sobre o assunto, e acabou se alimentando de informações que minha busca lhe redirecionou. Em verdade precisamos lançar a ideia de que as pessoas que alimentam as redes é que precisam ser remuneradas. Que tais plataformas precisam abrir seus algoritmos, e desnudar quais caminhos priorizam nas buscas, e como cruzam nossas informações dadas para articular “fontes de petróleo informacionais”, que liberam para tais monopólios digitais fortunas em cadeia sem fim.  Como gostam de repetir os “liberais”, there is no free lunch, sendo assim os usuários que alimentam as pirâmides informacionais nas redes, aproveitadas pelas monopólicas Big Tech a lhes gerar fortunas, é que precisam ser remunerados. Tal campanha é uma boa forma de mudarmos o paradigma zumbínico que se cristaliza nos usuários das redes, que petrificaram a ideia de que usar tais redes é um favor que elas nos fazem, e não o usuário é que paga com sua “alma” informacional.

Sugestões propositivas da APG/USP(Associação dos Pós-Graduandos/USP), construídas na fase itinerante do Congresso da ANPG, para levar para o Congresso da ANPG de Brasília, 2022:  Propostas:

  1. REGULAÇÃO PÚBLICA do estratégico setor de comunicação digital;
  2. ALGORITMOS ABERTOS;
  3. Redes de comunicação do Correio (email e uma rede como whatzap, e uma rede com Youtube);
  4. Quebra dos monopólios digitais estrangeiros, com a defesa de emulação tecnológica em plataformas NACIONAIS legalizadas internamente.

Sobre o ponto 2: http://umdadoamais.com/algoritmos-publicos-como-a-franca-esta-fazendo-e-por-que-deveriamos-fazer-tambem/

 Sobre o ponto 3 divulga-se aqui uma Live da APG/USP já feitas sobre o assunto com o professor André Martins da Geografia/USP, neste link: 

https://www.youtube.com/watch?v=XhVOL9eb-Q0

O assunto tratado neste texto tem um acúmulo de debates, dos meus tempos no movimento estudantil da Pós-graduação da USP, em que fizemos na parte itinerante do Congresso da ANPG 2022, uma mesa do dia 24/06/2022, com João Cezar de Castro Rocha, professor da UERJ, e o deputado Orlando Silva, com mediação e organização da mesa “Democracia e Comunicação” de Cristiano Addario de Abreu, dentro do tema “Ciência e Tecnologia em Defesa da Soberania e Democracia Brasileiras”:https://www.instagram.com/tv/CfMz62xppMW/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D

A mesa tratou de democracia e comunicação digital, e a construção de soluções e meios democratizantes da comunicação digital, que é uma obrigação na luta por uma democracia comunicacional, e uma construção para ser feita todos os dias.

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