A largada das campanhas e a batalha das paixões
"Esta campanha será também uma batalha de paixões contrapostas. Não é o amor, mas a compaixão que deverá ser capaz de vencer o ódio", escreve Aldo Fornazieri

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As entrevistas dos quatro principais candidatos ao Jornal Nacional – Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet – representou o efetivo início da campanha eleitoral. Em parte, diluiu a expectativa em relação ao início do horário eleitoral gratuito. As entrevistas representaram um palanque público e um espaço de tempo bem mais privilegiados do que a propaganda de rádio e TV.
Nenhum dos quatro candidatos foi desastroso. As atenções, pela evidência da polarização, se concentraram em Lula e em Bolsonaro. Eles foram os mais exigidos pelos entrevistadores, Bonner e Renata. As questões mais espinhosas foram dirigidas aos dois, talvez mais a Bolsonaro do que a Lula. Assim, nenhum dos dois teve tempo para falar de forma mais assertiva acerca dos eixos principais de suas campanhas.
Pela natureza das entrevistas, Ciro foi o que mais conseguiu falar acerca do que pretende fazer e do como fazer. Simone Tebet preocupou-se em se apresentar ao grande público, enfatizando sua singularidade de ser mulher. Também teve mais espaço para falar acerca do que pretende fazer, mas pouco falou como pretende fazer.
O grande desafio de Tebet, nas próximas semanas, ainda consistirá em se tornar conhecida. Ciro, por seu turno, se é verdade que tem clareza acerca do que e do como fazer, tem outro tipo de desafio: acertar na tática política. Até agora tem errado. Ataca Bolsonaro e Lula na mesma intensidade e com a mesma radicalidade.
Ciro não percebe que em se tratando de uma disputa contra um candidato que concorre à reeleição. O centro do ataque deve ser o governo e esse candidato, pois é esse governo que está em avaliação e disputa. Em segundo lugar, não considera que Lula está mais consolidado que Bolsonaro e que, portanto, deveria buscar enfraquecer e deslocar o presidente. Em terceiro lugar, poderia fazer críticas a Lula e aos governos petistas, mas sem o grau de sectarismo que vem adotando até porque o seu eleitorado também é de centro-esquerda. Não conseguirá capturar eleitores desse campo com sectarismo. Poderia consegui-lo se buscasse ser mais contundente e mais eficaz do que Lula nas críticas ao governo e nas proposições programáticas.
Bolsonaro, por sua vez, conseguiu sobreviver à entrevista do JN. É o candidato que tem o maior passivo, as muralhas mais arrobadas, mas vulneráveis aos ataques. Mas Bolsonaro mostrou também que tem armas argumentativas para se defender: sua tática principal consiste em distorcer e mentir, apresentando uma metarealidade em relação à realidade de seu governo, de seu discurso e de suas ações.
É uma tática difícil de enfrentar, por suas razões: 1) exige um esforço suplementar dos adversários para tentar desfazer a ficção do discurso bolsonarista; 2) como se sabe, muitas pessoas acreditam nas mentiras e nas ficções. E quando o narrador das mentiras acredita em suas próprias mentiras se torna mais convincente. Este é o caso de Bolsonaro. Desta forma, a tática eleitoral de Bolsonaro é dotada de uma eficácia que precisa ser considerada pelos adversários.
Se Bolsonaro conseguiu evitar o desastre no JN, Lula conseguiu se sair muito bem. Pela primeira vez falou para o grande público acerca do tema que mais o afeta e que mais afeta sua campanha: a corrupção. Admitiu que ela existiu em seu governo, mas em boa medida conseguiu colocar-se fora dela ao elencar as medidas de combate que patrocinou e ao enfatizar que nunca interferiu nos órgãos de investigação, fiscalização e controle. E nisso está sendo favorecido pelo festival de interferências que Bolsonaro vem patrocinando. Passou credibilidade ao dizer que corrupção em seu possível governo será punida.
Lula teve pouco tempo para falar sobre seu programa. Mas ficou evidente que privilegiará a retomada da economia, o social, o combate à fome e à pobreza. Estas serão prioridades também de Ciro e Tebet. A vantagem de Lula é o que ele já fez. Mas Lula sinalizou certa dificuldade ou uma certa intencionalidade de não dizer como irá fazer o que ele está dizendo que irá fazer.
No debate do pool da imprensa, Bolsonaro partiu para o ataque direto contra Lula e o PT. Jogou apenas para seu rebanho, agrediu e não ampliou. Lula teve dificuldades em responder os ataques envolvendo a corrupção e o auxílio emergencial. Foi bem em não confrontar Ciro Gomes e em chamá-lo para o diálogo. Lula apostou na cautela. Não entrou na briga direta contra Bolsonaro. Foi uma tática defensiva que, em política, não é muito recomendável. Não houve um claro vencedor, mas quem se saiu melhor foi Simone Tebet. Foi assertiva, corajosa,ocupou bem espaços e foi dura contra Bolsonaro. Ela percebeu que existe o espaço do anti-Bolsonaro, algo que Ciro não foi capaz de perceber.
Lula, Bolsonaro e Ciro têm discursos enfáticos e incisivos. A contundência de Bolsonaro expressa raiva. Portanto, é uma contundência excludente, que não agrega junto a aqueles que não são seus partidários. A contundência de Lula e Ciro, no geral , é indignada. Mas há uma diferença entre ambas. A indignação de Ciro, como a indignação da maioria dos políticos de esquerda, é uma indignação racional, pensada, uma expressão intelectual decorrente da análise que eles fazem acerca das iniquidades da realidade.
A indignação de Lula funde realidade e emotividade, sentimentos e afetos. Mobiliza afetos, integra os sentimentos da plateia, dos ouvintes, aos seus sentimentos. Por isso, é uma indignação acolhedora, capaz de alinhar os ouvintes com suas propostas e objetivos. Somente dois tipos de líderes conseguem fazer o que Lula consegue. Num dos casos, é aquele líder que vivenciou as experiências de realidade que motivam a indignação: o sofrimento. É o caso de Lula. Mesmo na condição de líder, Lula é o povo, é a encarnação do povo. No outro caso, é o líder que domina as artes cênicas, as técnicas de representação teatral e a arte da retórica. É o grande ator que sabe conduzir os ouvintes para um desfecho favorável.
O desfecho dos discursos, o epílogo, tem por objetivo persuadir o máximo de ouvintes. Depois de evidenciar a realidade e os fatos, o líder deve ser capaz de gerar emoções, pois são estas, mais do que a razão, que definem engajamentos. Bolsonaro é capaz de gerar sentimentos de inimizade (rivalidade), discórdia e ódio, que são motivações poderosas nos processos decisórios. Lula desperta ira, indignação e compaixão, que também são afetos poderosíssimos em termos de decisórios. Esta campanha será também uma batalha de paixões contrapostas. Não é o amor, mas a compaixão que deverá ser capaz de vencer o ódio.
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