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Vinicius Gomes Casalino

Vinicius Gomes Casalino é professor de hermenêutica do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Campinas

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A Lava-Jato não existe

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A operação Lava-Jato não existe.  

Antes de tudo, importa ressaltar: o Ministério Público não é um poder. Longe disso. O artigo 2º da Constituição estabelece: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

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Ser um “poder” da República significa estar autorizado, pelo texto constitucional, a mobilizar parcela de soberania estatal. É o que ocorre, por exemplo, quando um juiz de direito expede mandado de prisão devidamente fundamentado em lei. O recolhimento do indivíduo à cadeia, à força, é caso típico do exercício concreto da soberania estatal.

De acordo com o artigo 127, caput, da Constituição, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

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Ao qualificar o Ministério Público como instituição “essencial à função jurisdicional do Estado”, o texto constitucional vincula o parquet ao Poder Judiciário, de modo que sua função consiste em viabilizar o bom exercício da jurisdição, e, nunca, em qualquer hipótese, substituí-la.  

Aliás, a expressão “parquet” é de origem francesa e remete aos procuradores do Rei1. Na sua origem remota, a instituição era umbilicalmente ligada ao absolutismo monárquico. A Revolução Francesa lhe ajustou aos contornos republicanos que hoje conhecemos.  

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Esta “marca de nascença” deve nos manter sempre em alerta, pois o Ministério Público está constantemente sujeito a uma das três tentações: o reino do mundo e suas glórias. A todo momento haverá a tentação de ser um poder, isto é, de mobilizar, ele mesmo, sem qualquer intervenção judicial, parcelas de soberania estatal.

Há indícios concretos desse tipo de comportamento hic et nunc (aqui e agora). Em recente entrevista concedida ao Grupo Prerrogativas2, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, revelou que os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato têm em mãos dados de cerca de 38 mil pessoas. Além do mais, seus arquivos digitais contam com uma capacidade de 350 terabytes, enquanto todo o sistema único do Ministério Público Federal não conta com mais de 40.  

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Sim, o armazenamento indiscriminado de informações pessoais de grande contingente populacional lembra muito os procedimentos adotados por polícias políticas do passado, tais como a Gestapo, da Alemanha nazista, ou a Stasi, da Alemanha oriental.  

Ademais, há que se indagar: todos esses dados foram acumulados com autorização judicial? Se foram, não há qualquer problema, pois a força-tarefa não usurpou para si a qualidade de poder da República. Se não foram, há sérias consequências, pois o procedimento revela indícios consistentes de ilegalidades que precisam ser apuradas.

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Como saber? Eis questão. É preciso abrir a caixa preta da Lava-Jato.  

Recentemente a força-tarefa foi surpreendida com a visita da subprocuradora Lindora Araújo, que, enviada pela Procuradoria-Geral, solicitou acesso aos arquivos secretos. O acesso não apenas foi negado, como a Lava-Jato encaminhou à corregedoria do Ministério Público ofício solicitando a abertura de procedimento de averiguação.  

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A situação seria apenas insólita se não fosse trágica também. Rapidamente o presidente do STF, Dias Toffoli, restabeleceu a ordem jurídica, determinando aos doutos procuradores de Curitiba que enviassem as informações solicitadas pela PGR.

O problema fundamental é que, nos termos da Constituição Federal, a força-tarefa da Lava-Jato simplesmente não existe.  

O artigo 127, §1º, do texto constitucional, dispõe: “São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.

A instituição do Ministério Público é una e indivisível. O que isso significa? Que, rigorosamente falando, não existem “forças-tarefas”.  

Existem agentes da instituição, os tais procuradores da república, que, no exercício de funções e atribuições determinadas legalmente, corporificam o órgão do Ministério Público Federal cujo chefe é o Procurador-Geral da República, nos termos do artigo 128, §1º, da Constituição.

A teoria mais tradicional entre o tradicionalismo jurídico brasileiro ensina que “unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe; indivisibilidade significa que seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente, mas segundo a forma estabelecida em lei”3.  

Um só órgão e um só chefe. Eis o ponto.

Levado às últimas consequências, o dispositivo implica que todas as informações de que dispõem os procuradores da república devem poder circular livremente por toda a instituição. Afinal, trata-se de um único órgão cujos membros podem ser livremente substituídos. O que é de conhecimento de um pode ser de conhecimento de todos, pois, enquanto indivíduos, são indiferentes à instituição. Há o Ministério Público e ponto final.

Na prática, a teoria é outra. O sigilo é necessário, evidentemente, para proteger a intimidade de pessoas investigadas, o sucesso de operações de combate à corrupção e ao crime organizado e assim por diante. Quanto a isso não há dúvida. É razoável, portanto, que um procurador que trabalha em Natal não tenha acesso a certas informações em posse de procuradores que trabalham em Curitiba.  

O sigilo dos procedimentos executados pelos procuradores da república e pelas forças-tarefas é legítimo, desde que amparado na Constituição, em lei e nas formalidades internas à instituição. Mas esse sigilo não é absoluto. Mesmo na investigação mais importante; nos casos mais sensíveis e complicados, o acesso a informações secretas deve ser assegurado, no mínimo, ao Procurador-Geral da República.  

Essa é a condição pela qual a unidade e indivisibilidade do Ministério Público são asseguradas; seu status de instituição e não de poder é mantido; a revisão da atuação dos procuradores da república para averiguar irregularidades é feita; o exercício de autotutela pela instituição é executada; enfim, é uma cláusula essencial da democracia e do Estado de Direito Constitucional.

Está mais do que na hora de compreender que a força-tarefa de Curitiba é uma ficção criada pela mídia tradicional; uma licença poética macabra sustentada por uma elite escravocrata para atingir fins políticos bem determinados. Essa finalidade foi atingida. O rompimento institucional foi consolidado em 2016.

A Lava-Jato não existe. Falta reconhecer, de fato, o que já se sabe, de direito.

1 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 36.

2 “Webconferência do grupo Prerrogativas com Augusto Aras: os desafios da PGR em tempos de pandemia”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0BbyUX9Fbrw

3 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 72.

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