A Lei de Cotas é pauta urgente
"A possibilidade de uma revisão atabalhoada e pelo atual Congresso coloca em risco essa política pública", escreve Reimont Otoni
Por Reimont Otoni
Um dos principais instrumentos de inclusão na educação pública superior do país e, portanto, de redução da nossa histórica e perniciosa desigualdade, a Lei de Cotas, está em vias de entrar em revisão, ainda este mês. A própria lei estabelece que esse processo de avaliação e ajuste deve ser feito 10 anos após a sanção, que aconteceu em 29 de agosto de 2012.
Essa política pública, instituída pelos governos liderados pelo PT, reserva metade das vagas dos institutos e universidades federais para estudantes que tenham cursado todo o ensino médio na rede pública, com cotas para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e população de baixa renda (com renda familiar de até 1,5 salário mínimo), em proporção compatível com o perfil demográfico do local da instituição.
A possibilidade de uma revisão atabalhoada e pelo atual Congresso coloca em risco essa política pública que vem garantindo uma consistente inclusão na educação superior, contribuindo para diminuir a desigualdade estrutural do país.
Um seminário promovido pelo jornal Folha de São Paulo, em março deste ano, demonstrou que a lei diminuiu significativamente o desequilíbrio racial e social nas universidades e instituições públicas, indicando que, entre 2014 e 2019, a proporção de negros com diploma universitário se aproximou de sua representação populacional em 23 estados.
Já um levantamento do site Quero Bolsa, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o número de negros no ensino superior, em todas as faixas etárias, cresceu quase 400%, entre 2010 e 2019. Pretos e pardos já são 38,15% dos matriculados, um avanço significativo, embora ainda distante da representação demográfica nacional, de uma população negra de 56,2% (46,8% pardos e 9,4% pretos) do total de habitantes do país.
Está comprovado que a Lei de Cotas oferece ao país uma importante revolução promovida pela Educação, e não pode ser ameaçada.
É verdade que o texto da Lei impede a sua extinção. Mas o risco é que uma revisão neste momento, em meio ao processo eleitoral e por um Congresso que tem se manifestado com preocupante frequência contra as políticas sociais, imponha alterações prejudiciais aos critérios e parcelas de reserva de vagas.
Toda política afirmativa depende de um tempo de maturação para ser corretamente avaliada em sua dimensão histórica. A Lei de Cotas é um instrumento jovem, de apenas 10 anos, que se contrapõem a mais de 500 anos de exclusão e segregação. É cedo para uma revisão.
Entendo que o prazo precisa ser prorrogado e que os próximos governo e Congresso, eleitos em 2 de outubro, estabeleçam uma pauta de discussão da lei, com cronograma de ação e visando à inclusão crescente das parcelas vulneráveis e historicamente excluídas da educação pública superior. É preciso manter e ampliar a política de cotas, fortalecendo os mecanismos de assistência à permanência estudantil, pois sabemos que a pandemia de covid-19 teve um efeito devastador nas camadas mais vulnerabilizadas da população, gerando altos índices de evasão.
Somos uma população de 212,6 milhões de pessoas, sendo 108,2 milhões de mulheres e 104,4 milhões de homens, 56,2% de negros (46,8% pardos e 9,4% pretos), 42,7% de brancos e 1,1% amarelos ou indígenas. Mais da metade das famílias brasileiras (50,7%) vive com uma renda domiciliar mensal de até R$ 2,9 mil, enquanto apenas 2,8% recebe acima de R$ 22 mil.
A inclusão equitativa de toda essa população e a redução da desigualdade precisam estar no eixo central da construção da Democracia brasileira. Sem isso, jamais poderemos nos afirmar como Nação. A Lei de Cotas é fundamental nesse processo, tem que ser mantida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

