A luta armada, sem arrependimento
Em “Codinome Clemente”, um comandante da luta armada deu sua visão desassombrada e sem remorsos do combate à ditadura pós-1964.

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“Um animal guerreiro” – assim um de seus companheiros de luta define Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, Codinome Clemente, um dos dirigentes e líder do “grupo de fogo” da Aliança Libertadora Nacional nos anos da ditadura pós-1964. No filme de Isa Albuquerque, ele se encarrega de contar a sua própria história, coadjuvado por outros ex-militantes da ALN, do MR-8 e da Var-Palmares. O filme foi finalizado um pouco antes da sua morte, ocorrida em junho de 2019, aos 68 anos.
Carlos Eugênio não usou a oportunidade para fazer autocrítica, nem bancar o injustiçado. Ele assumia, com voz firme, sem qualquer sinal de contrição e até com certo senso de humor, seu papel no front da luta armada contra o regime dos generais. Descrevia seu envolvimento no sequestro do embaixador estadunidense em 1969. Narrava sem rodeios como participou da morte de um guarda durante uma ação num cinema do Rio. Contava como deu o primeiro e o tiro de misericórdia no empresário Henning Boilesen, financiador e espectador de torturas aos presos políticos. Explicava o justiçamento, pelas suas mãos, de um companheiro que colocou a organização em perigo.
São relatos corajosos, de alta complexidade moral, que podem até chocar quem tem uma visão idealizada da luta armada. Reportam-se a um contexto em que a ditadura matava e torturava em larga escala. “Eu tenho que contar pelos que morreram e não puderam contar”, diz “Clemente” a certa altura. Ele sobreviveu a seis anos de clandestinidade e ao exílio, sem nunca ter sido capturado pela repressão. Soube reinventar-se e ainda guardava o trunfo de ter desferido um tiro de raspão no nariz do torturador Sérgio Fleury.
Codinome Clemente faz uma sintética contextualização do golpe de 1964 e das articulações que levaram Marighella e tantos outros a depositar total confiança em Carlos Eugênio. No filme, ele revisita o Colégio Pedro II, onde estudou e desde muito jovem começou a se engajar na resistência, e diversos locais de São Paulo onde transcorreram ações de que participou. Sua formação para a guerrilha urbana foi aperfeiçoada, ironicamente, no Exército, onde se alistou para aprender contra-guerrilha.
É uma história fascinante e ao mesmo tempo perturbadora, que pode levar a interpretações díspares. Leia-se, por exemplo, o que meu amigo João de Oliveira escreveu no meu blog quando viu o documentário quatro anos atrás em Paris. De minha parte, entendi o filme como abertura para uma visão corajosa, que diverge das abordagens sempre muito sopesadas dos erros e acertos da luta armada. “Clemente” foi alguém que não se arrependeu, nem se entregou a ponderações distanciadas no tempo. Era um direito que lhe assistia, e é bom que conheçamos essa perspectiva.
Longe da imagem do guerrilheiro sisudo, Carlos Eugênio era também músico e escritor, apresentando-se como um fã dos Mutantes e do rock. Esse perfil de certa forma justifica o tratamento pop adotado pelo filme em sua abertura e nas animações que ajudam a detalhar as ações da guerrilha. Um recurso, por sinal, já usado em Cidadão Boilesen, documentário de Chaim Litevsky sobre o empresário que caiu sob os tiros de “Clemente”.
>> Codinome Clemente está nas plataformas Claro TV+ (NOW), Vivo Play e Oi Play.
O trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=CzdEud3Tinc
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