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A margem e marte

Uma das questões cruciais do Brasil, mas que raramente entrou na agenda da esquerda, é a superação da cisão entre Estado e sociedade civil, sendo que para isso não bastam políticas públicas de inclusão social, como demonstraram os anos do governo do PT, não obstante a sua importância para milhões de brasileiros historicamente marginalizados

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Uma das questões cruciais do Brasil, mas que raramente entrou na agenda da esquerda, é a superação da cisão entre Estado e sociedade civil, sendo que para isso não bastam políticas públicas de inclusão social, como demonstraram os anos do governo do PT, não obstante a sua importância para milhões de brasileiros historicamente marginalizados.

A cisão entre sujeito e objeto encontrada na ciência jurídica de matriz neokantiana, constatamos também ao abordar Estado e sociedade civil. Apesar de todas as transformações do Estado Moderno, das mudanças ocorridas em sua administração e no próprio poder, a dicotomia entre a minoria que governa e os governados que obedecem continua inalterada. Mesmo em países cuja base econômica alterou o sistema classístico , continuou intacto esse modelo de Estado.  A democracia representativa não conseguiu superar esse problema, continuando a soberania popular reduzida ao nível do ente abstrato. O jurista Fábio Konder Comparato, em trabalho apresentado no primeiro Forum Social Mundial de Porto Alegre, falou sobre a importância de se criar um novo sistema institucional, que tenha “como pressuposto lógico a superação da dicotomia entre Estado e sociedade civil, sobre a qual fundou-se a aliança histórica do capitalismo com o sistema liberal”  ( Comparato, 2000 ) . Para superar essa dicotomia, “onde o povo é reduzido a massa de indivíduos”  ( idem ) , não bastam meras políticas públicas de inclusão social, sendo necessário um Estado dinâmico que incorpore as reivindicações dos movimentos sociais,  não reduzindo seu exercício ao âmbito do ente abstrato, organizado conforme a razão jurídica.

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 O direito é peça chave para compreender a dicotomia entre Estado e sociedade civil. Na concepção dos dois maiores teóricos do Estado Moderno, Hans Kelsen e Max Werber, direito e Estado são lados da mesma moeda. Norberto Bobbio, comentando o pensamento de Kelsen, afirma: “Para Kelsen o Estado não é nada fora do ordenamento jurídico”  ( Bobbio, 1995 ) . No modelo institucional vigente, a sociedade não se organiza em si , por dentro, mas em algo que transcende ela mesma ( Estado ). Neste outro mundo institucionalizado , a vida social é um mero reflexo do ente abstrato, aniquilando-se o logos humano, especialmente com o advento da sociedade de massa em que o homem se acomoda num outro estranho.

O direito inspirado na obra teórica de Kelsen e que compõe a arquitetura do Estado, é um dos fatores de cisão entre Estado e sociedade civil. Este direito não se encontra no objeto em si, mas no significado arbitrário que se dá ao objeto. “ Estamos diante, aqui, da principal corrente de pensamento que lida com o Direito sob bases espistemológicas. O positivismo jurídico, em suas diferentes versões, tem como preocupação essencial conferir ao Direito o estatuto de Ciência Essa ânsia de cientificidade teve algumas consequências evidentes, a primeira delas consistente na cisão entre sujeito e objeto”( Pontes, 2002 ). Assim, a razão jurídica expropria o conteúdo da realidade que se evapora para aquela entidade espiritual proclamada por Kelsen e depois retorna para se perder na opacidade social. Mas não só o direito ergueu esse muro separando Estado e sociedade civil, pois um outro elemento vem acoplar-se na formação desse modelo autoritário de Estado, como reação à tese das Luzes de soberania popular, ou seja a opção pelo modelo reacionário Termidor que decreta o fim da transparência democrática.

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Gestado dentro do pensamento liberal conservador, o Estado brasileiro representa o modelo autoritário que incorpora o fetichismo da norma abstrata e a tese do Termidor. Roberto Romano comunga com essa opinião : “Vivemos, no Brasil, em tempos de Termidor, desde a independência até nossos dias. Os movimentos que deram ao nosso país a soberania política entram na lógica oposta à revolução Francesa, buscando nos trópicos uma fórmula para se definir o Estado sem a plena soberania”  ( Romano, 2001 ) . O seu centro de poder, é o lugar onde se situa a antítese das teses de soberania popular, aquele lugar que tem impossibilitado qualquer superação do modelo de Estado baseado na coação, o exato ponto onde a força se perpetua ao longo do tempo. Acreditamos que a superação desse núcleo de poder que tem resistido a todas as mudanças ocorridas no Estado Moderno, depende da superação da dicotomia entre Estado e sociedade civil.

Pelo que foi exposto dá para constatar que é através do direito que as mencionadas forças se legitimam na organização do Estado, impondo aos governados sua vontade. Da mesma maneira na sociedade civil, a vontade popular pode legitimar-se através do direito, criando uma nova escala de valores onde o vínculo civil supere a “ordem natural”. Diante desse duplo aspecto, podemos observar no direito uma fluidez , uma linha em branco por assim dizer, que pode servir de instrumento para a afirmação da soberania popular, mediante uma prática de legitimação dos conflitos. Não é outro o entendimento de Vera da Silva Telles: “Segundo, para além das garantias formais, os direitos estruturam uma linguagem pública que baliza os critérios pelos quais os dramas da existência são problematizados e julgados nas suas exigências de equidade e justiça.” (Telles, 1994). O direito tomado como discurso da maneira como se expressam os conflitos no cenário público, pode tornar-se instrumento de construção da cidadania, arma do fraco, estímulo para a transparência democrática, defendendo o cidadão da supremacia do ente abstrato e estabelecendo novas relações de governo. E isso é possível porque as transformações sociais escapam dos mecanismos institucionais de controle, deixando os litígios sociais transbordarem os limites impostos pela norma abstrata.

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A sociedade civil hoje se dilui na sociedade de massa, sem alternativa de organizar-se de forma soberana, onde o homem possa se reconhecer no coletivo. Por essa razão se torna necessária a busca de uma nova contratualidade e de um direito que redefina o papel da lei.

O homem encontra-se num horizonte invisível e lá se foram as Luzes do século XVIII como forma de dar-lhe visibilidade. Apenas políticas públicas de inclusão social não restauram aquele espaço da soberania popular, pois o Golpe do Termidor o destruiu lá e aqui. Aqui como lá “foram separados por um abismo os ideais democráticos e o saber” (Romano, 2001 ). A soberania popular é uma das formas de ampliar o espaço público, corrigir o conceito de res pública. Com o Golpe do Termidor o homem perdeu a destreza para traçar esses espaços, ficou sem o manejo de suas linhas. O soberano das Luzes foi exilado pelo positivismo jurídico para o ente abstrato (Estado), sob a regência da razão de mercado. A norma jurídica traça uma única linha possível: a da legalidade. O homem para exercer a soberania popular, depende da licença da licitude, sendo necessário buscar novas soluções para o direito.

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A dicotomia acima mencionada é consequência não apenas do sistema classístico, mas também da estrutura jurídica do Estado, sendo necessária a criação de um direito que não esteja limitado a estrutura clássica do direito natural e do positivismo jurídico, ou seja um direito dialético sensível às demandas daqueles grupos que vivem à margem do ordenamento jurídico estatal.

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

Comparato, Fábio K. A Humanidade no século XXI : a grande opção. Porto Alegre: Fórum Social Mundial, 2001.

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Bobbio, Norbeto, Nicola, M, Gianfranco, P. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 1995. 

Romano, Roberto. O Calderão de Medéia . São Paulo: Perspectiva, 2001.

Telles, Vera S. Sociedade Civil e a Construção de Espaços Públicos. Os anos 90: política e sociedade no Brasil/org. Evelina Dagnino. – São Paulo: Brasiliense, 1994. 

Pontes, Kassius D. S., Côrtes, Osmar M. P., Kaufmann, Rodrigo de O. O Raciocínio Jurídico na Filosofia Contemporânea . São Paulo: Carthago Editorial, 2002.

Pasukanis, E. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Coimbra: Perspectiva Jurídica, 1972.

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