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Maria Irene Ramalho

Professora Catedrática Jubilada, FLUC; Afiliada Internacional, UW-Madison (1990-2018); Investigadora do CES (1990-2024)

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A Morte Civil de Boaventura de Sousa Santos

As investigadoras seniores do CES não saem nada bem no retrato

Boaventura de Sousa Santos (Foto: ABR)

Tudo começou com a publicação do artigo “The walls spoke when no one else would: Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia”, de Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom, In Sexual Misconduct in Academia: Informing and Ethics of Care in the University. Ed. Erin Pritchard and Delyth Edwards. London: Routledge, 2023.

Tratava-se de um artigo científico sobre assédio na academia? Ou de um panfleto escrito de má fé e com um sórdido e óbvio objectivo? Destruir o CES. Para tal seria fundamental destruir o seu Director Emérito (como se diz na p. 222 do capítulo difamatório).

Gay Seidman (Socióloga, University of Wisconsin-Madison) e Linda Gordon (Historiadora, New York University) são duas distintas cientistas sociais feministas que conhecem bem e admiram o trabalho que o CES desenvolveu sob a liderança de Boaventura de Sousa Santos. A flagrante falta de ética científica do capítulo assinado por Viaene, Larangeiro e Tom, cheio de acusações assentes em boatos e pichagens anónimas, indignou-as e levou-as endereçar uma carta à Routledge a denunciá-lo, esperando uma reacção adequada da editora. A Routledge respondeu prontamente a agradecer a chamada de atenção. O que os comentários de Seidman e Gordon não chegavam a fazer era pôr a nu a má fé com que o capítulo está escrito e qual foi o objectivo que o motivou. É o que faz a análise crítica que se segue, e que mostra bem a escolha insidiosa da bibliografia de que se servem as autoras e a leitura enviesada que dela fazem. O capítulo não revela só falta de ética académica. Pretendendo passar por científico numa editora reputada, o capítulo de científico não tem nada. Por que motivo passou ele o crivo da avaliação editorial, é o que falta saber. O título devia ter de imediato alertado os peer reviewers. O que “falaram as paredes” afinal? Que o “Star Professor” (Boaventura de Sousa Santos) é um “violador”. As três autoras do capítulo deviam ter sido imediatamente processadas pelo CES, que devia também ter logo interpelado a Routledge sobre esta publicação. Por que razão tal não aconteceu é assunto que precisa ainda de esclarecimento. 

As autoras admitem que vão buscar a designação de “Star Professor” a um artigo da jornalista Esther Wang, publicado em Jezabel, uma revista americana especializada em escândalos políticos e sexuais, sobre o conhecido caso de Avital Ronell, uma professora de Literatura Comparada de New York University, comprovadamente acusada de prolongado assédio sexual sobre um dos seus orientandos (https:// jeze bel.com/ what- are- we- to-make- of- the- case- of- scho lar- avi tal- ronel- 182 8366 966?utm med ium= sharef roms ite&utm sou rce= Jezeb el_ f aceb ook&fbc lid= IwAR3 8HZj svxY cbm_ 02N- Bxkq KM47 nvSd 8f1f aFr1 Tso- 35QDc F6kc CVf3 uBQ).

A Boaventura de Sousa Santos nunca foi imputado tal tipo de comportamento.

A fonte das autoras para a suposta ampla circulação do termo “Star Professor” é uma carta de Susanne Täuber e Mortesa Mahmoudi dirigida ao Director da revista internacional Nature Human Behaviour sobre assédio (bullying) no seio da academia (https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=Susanne+T%C3%A4uber+e+Mortesa+Mahmoudi+). Estas duas autoras não falam de Star Professor, antes de “star academics”, os quais, segundo elas, por serem medíocres, recorrem à perseguição de brilhantes jovens investigadoras suas dependentes para lhes impedirem a progressão na carreira e chegarem ao topo eles próprios. Note-se que Täuber e Mahmoudi, ao contrário deste artigo indecoroso, jamais permitem a identificação de possíveis prevaricadores. 

Ninguém se atreveria a fazer tal acusação a Boaventura de Sousa Santos, um distinto académico que de medíocre nunca teve nada e sempre ajudou os mais jovens investigadores, de ambos os sexos, no seu centro, e não só, a progredirem nas respectivas carreiras. E isto prova-se, se necessário fosse, pela troca de emails já publicados entre as denunciantes e o próprio Boaventura de Sousa Santos, onde se mostra claramente a cordialidades nas relações entre elas e ele. Frequentemente lhes abrindo caminho com excelentes cartas de recomendação e publicando artigos e livros de colaboração com eles e elas. Ser-lhe-iam mais apropriadas as palavras de gratidão, que Kimberly Theidon, citada pelas autoras, dedica a Arturo Escobar. Também Boaventura de Sousa Santos se preocupou com a progressão na carreira das suas jovens colaboradoras sem ter em mente qualquer “compensation package” sexual. 

As autoras identificam-se como The Former National Ph.D. Student (Catarina Larangeiro), The Former Post-Doctoral Researcher (Lieselotte Viaene) e The Former International Ph.D. Student (Miye Nadya Tom). 

De notar que a primeira e principal autora, Lieselotte Viaene, foi alvo de um processo disciplinar no CES em 2018 por continuado mau comportamento institucional. Quando, apesar disso, no final do seu contrato, solicitou ao CES que fosse instituição de acolhimento para um projecto ERC a que estava a concorrer, tal foi-lhe negado, por essas mesmas razões, e com evidente prejuízo financeiro para o CES (os overheads). Foi mais tarde a Universidade Carlos III, em Madrid, que a acolheu e onde ela levou a cabo o projecto Rivers que (em parte?) resultou neste capítulo. Pelo menos, o capítulo constou como tal no seu CV, até ser retirado pouco depois. Claro que não há no capítulo qualquer referência aos motivos que levaram ao processo disciplinar que foi instaurado à “former post-doctoral researcher”. Sabe-se hoje que Viaene quis ficar no CES por razões que lhe serão próprias, mas que de forma alguma estão na linha das difamações lançadas contra Boaventura de Sousa Santos, e entre as quais seria para estar perto de um investigador, por quem se tinha apaixonado. 

As autoras escolhem a metodologia da autoetnografia para contar a sua história. O método tem algum mérito: a história é aquilo que nós pessoalmente apreendemos através do conhecimento que temos de nós. Mas é um método que corre o risco de deixar passar em claro os lapsos de memória, os preconceitos, as contradições, as hesitações, as dúvidas, as confusões e até os ressentimentos pessoais. Como as próprias autoras reconhecem: as suas vozes são “naturalmente subjectivas, emocionais, ou mesmo ressentidas”; entendem que “exigir objectividade da narrativa de uma ‘sobrevivente’ é um acto de violência”; que toda essa situação pode redundar em “erros de memória e distorções”; pode até acontecer que na narrativa surjam “casos de abuso confundidos” ou mal atribuídos; reconhecem ainda que a “verdade de qualquer autoetnografia não é estável já que a memória é activa, dinâmica e sempre em mudança”; admitem que não fizeram trabalho de campo, confessam que não entrevistaram “nenhum actor institucional”, antes dependeram de boatos, pichagens anónimas e diz-que-diz (whisper-network). Não espanta que a autoetnografia seja usada com muita cautela na antropologia. 

É ardilosa a referência feita ao livro de Alessandro Portelli, A morte de Luigi Trastulli e outros ensaios, na tradução do investigador do CES Miguel Cardina (com Bruno Cordovil), sendo Miguel Cardina autor também da Introdução. Daí se percebe a confusão que as autoras deliberadamente fazem entre autoetnografia e história oral. A história oral não prescinde de factos nem de objectividade.

As três autoras citam muita bibliografia respeitável, como o Handbook of Autoethnography de Jones, Adams e Ellis. Repare-se, no entanto, no lapso das autoras, ao indicarem o nome de A. [Arthur Bochner como o autor da introdução. A introdução é de facto assinada pelos três organizadores do livro. O nome de Bochner aparece realmente associado aos de Carolyn Ellis e Tony Adams no artigo “Autoethnography: An Overview”, Historical Social Research, 36: 4, 2011 (279-290); a página 54 do livro citado como dizendo-lhe respeito não faz, assim, qualquer sentido. As autoras servem-se sobretudo do capítulo 29 de Handbook of Autoethnography, intitulado “Personal/Political Interventions via Autoethnography Dualisms, Knowledge, Power, and Performativity in Research Relations”. Não parecem, no entanto, ter dado conta de que o principal objectivo deste capítulo é denunciar a falta de ética na investigação, que não pode simplesmente descartar factos ou trabalho de campo, como entrevistas com os sujeitos envolvidos. De facto, “Personal/Political” serve-se da autoetnografia como uma intervenção pessoal, política e igualitária numa pesquisa feita de colaboração com africanos em África. A autoetnografia não pode deixar-se confundir com simples autobiografia, uma confusão que as três autoras deliberadamente deixam que aconteça. 

As autoras limitam-se, na verdade, a escrever o que lhes apetece do que acham que têm na memória com um único objectivo: fazer do CES um antro de abusos intelectuais, laborais e sexuais, e destruir as reputações e carreiras de três investigadores com credenciais nacional e internacionalmente: Boaventura de Sousa Santos, Maria Paula Meneses e Bruno Sena Martins. Sublinhe-se ainda que a denúncia de comportamentos, uma vez claramente fundamentada (coisa que não acontece neste artigo), não deve levar à eliminação dos sujeitos, mas à sua regeneração, se for caso disso. Nunca ao que se tem verificado com o cancelamento de Boaventura de Sousa Santos. Assim se aprende na obra de outra autora, Sara Ahmed, citada por Viaene, Laranjeiro e Tom, mas evidentemente lida com má fé e enviesadamente, com o referido único objectivo em mente. Grande parte da obra de Ahmed, e não só Complaint, por elas citada, se centra na necessidade de fazer ouvir a voz das mulheres em contextos académicos, onde essa voz é tida muitas vezes como mera choraminguice. Nunca assim foi nas instituições democráticas do CES. As mulheres sempre tomaram parte nos órgãos directivos e sempre se fizeram ouvir nas reuniões dos conselhos. A redução do CES a três elementos – Star Professor, Apprentice e Watchwoman – é um insulto a todos os outros investigadores do CES, mais de uma centena na altura, e insulto sobretudo às mulheres investigadoras do CES, que neste artigo aparecem como totalmente incompetentes, dependentes, subservientes e cobardes. 

[Stacy Holmes Jones, Tony E. Adams, Carolyn Ellis, Handbook of Autoethnography. London and New York: Routledge, 2016. Deste livro, servem-se do capítulo escrito por Keyan G. Tomaselli, Lauren Dyll-Myklebust, and Sjoern van Grootheest, intitulado “Personal/Political Interventions via Autoethnography Dualisms, Knowledge, Power, and Performativity in Research Relations”, p. 576-594.]

[Sara Ahmed, Complaint. Durham and London: Duke University Press, 2021.]

As três autoras não podem deixar de reconhecer a excelência do CES e o prestígio internacional do seu director, que contribuiu para a rápida consolidação nacional e internacional do centro. O recurso, neste segmento, a duas obras sobre a mercantilização do ensino superior no Reino Unido, assunto que nada tem a ver com o CES, é mais uma prova da desonestidade com que o artigo é escrito, de modo a fazê-lo parecer “científico”. 

[Brown, R. with Carasso, H. (2013). Everything for Sale? The Marketisation of UK Higher Education. London and New York: Routledge; Molesworth, M., Nixon, E., and Scullion, R. (2009). ‘Having, being and higher education: The marketisation of higher education and the transformation of the student into consumer.’ Teaching in Higher Education, 14(3), pp. 277– 287.] 

Um caso semelhante é a invocação de um artigo sobre endogamia nas universidades para sustentar a caricatura do Star Professor como tirano do seu pensamento, exigindo ser ele e só ele constantemente citado. Certamente que os jovens investigadores que escolhiam trabalhar com ele no seu programa de pós-colonialismo tinham de estudar as suas obras. Mas nunca no CES houve pensamento único obrigatório. 

O artigo em causa – Basak, R. (2013). ‘An ethical issue – Academic incest: Maintaining status quo in higher education.’International Journal of New Trends in Arts, Sports & Science Education, 2(4), pp. 28– 32 – trata do costume de algumas universidades de contratarem os seus próprios graduados (um costume, de resto, bem português), e não da contratação de alguém por ser parte da dinâmica de clientelismo dessa universidade. Mais um caso de alarde de saber com má fé num artigo que pretende ser científico, mas que de científico só tem a aparência. De resto, nada disto tem a ver com o CES. Mais flagrante ainda é a citação, nesta sequência, do artigo de Robin Corey, “The erotic professor: Money and the murky boundary of teaching and sex” (The Chronicle of Higher Education, 64 [35], 2018), a insinuar a promiscuidade entre o ensino das ideias e o assédio sexual.

A acusação seguinte é a mais despudorada. As autoras acusam o Star Professor de ser um “especialista em extrativismo intelectual”, de se aproveitar do trabalho dos seus assistentes de investigação a quem de resto paga mal ou não paga mesmo. Dizem saber de três assistentes de investigação da América Latina a quem aconteceu isso mesmo. (Sobre o uso incorreto que as autoras fazem do conceito de extrativismo, ver “El caso de Boaventura de Souza Santos — una vindicta pública que necesita ser deconstruida”, de Pablo Dávalos [em Researchgate])

Segue-se o trecho sobre as pichagens anónimas e a rede de boatos (whisper netwook) que estão por trás de todas as infundadas alegações. 

Não é muito claro como é que as pichagens anónimas, a dizer, entre muitas outras coisas, que o Star Professor violava estudantes, fizeram todo o sentido a Lieselotte Viaene, que, aparentemente a seu propósito, resolveu confidenciar a uma colega de doutoramento o conflito laboral que tivera no CES. Explicou que poucas semanas antes tinha sido obrigada a abandonar o país da América Latina onde fazia trabalho de campo e a regressar imediatamente à instituição. Um dos órgãos directivos do centro fizera pressão sobre ela para ela alterar o relatório que tinha de enviar à instância financiadora (Marie Curie). Ela tinha-se aí queixado de falta de apoio institucional para levar a cabo o seu projecto. Recusou, mas percebeu que a razão da falta de apoio era o facto de não ter acedido a entrar no grupo de “amigos/colegas com benefícios” (being friends/colleagues with benefits) sugerido pelo Apprentice um ano antes. Fecharam-se-lhe as portas, diz ela, nunca mais foi convidada a participar no grupo de investigação do Star Professor, como fora combinado, e o capítulo que iria escrever para o livro organizado pelo Star Professor já não seria preciso, e foi ela antes objecto de um processo disciplinar. Não se entende, a não ser pela má fé da investigadora, como é que toda esta narrativa lhe ocorre por via das pichagens acusando Boaventura de Sousa Santos de ser um violador. O que se entende agora, e à luz do que se passou depois, é que Viaene prefirou não mencionar o tipo de comportamentos seus que levaram à sua não continuação no CES. Por outro lado, dar-se-á ela conta de que a sua justificação para o seu fracasso no CES põe em causa o comportamento das suas co-autoras, tendo ambas completado com êxito os seus doutoramentos no CES? 

[sobre a verdadeira história de Lieselotte Viaene no CES ver

https://www.supportboaventuradesousa.com/pt/s-pruebas-falsedad-denuncias]

Toda a narrativa vai sendo entremeada de referências às pichagens a acusar Boaventura de Sousa Santos de ser um violador. As autoras dão graças às anónimas denúncias pichadas por terem ocasionado a tal rede de murmúrios, mesmo que não fossem verdade, entre as mulheres que se sentiam assediadas (harassed), psicologicamente manipuladas (gaslighted) e silenciadas (silenced) (sobre a ignóbil motivação das pichagens sabe-se hoje muito mais).

As autoras insistem que a verdade tem muitas formas e os boatos trazem consigo um sentido de justiça. Para o que convocam mais bibliografia: James C. Scott, Domination and the Arts of Resistance : Hidden Transcripts. New Haven and London: Yale University Press, 1990. Associar os boatos derivados das anónimas pichagens às formas decentes, [mesmo] se indirectas, de “dizer a verdade ao poder”, como quer Scott, é mais uma caricatura neste capítulo.

As investigadoras seniores do CES não saem nada bem no retrato que delas fazem Viaene, Larangeiro e Tom, porque, dizem estas, não deram apoio às “sobreviventes” com medo de perder os seus “privilégios”. Acusam mesmo uma das “mais conhecidas feministas” de ter ocultado uma das pichagens enquanto não chegava alguém para a limpar. Claro que não passaria pela cabeça das autoras que as pichagens estivessem cheias de mentiras, uma vez que Boaventura de Sousa Santos nunca assediou ninguém no CES e muitos menos violou fosse quem fosse (É urgente redefinir “assédio”. Ver “The Feminist Misspeak of Sexual Harassment” de Linda Kelly Hill; ou então ler o livro da Ana Oliveira, Assédio, que a cita).

Particularmente falaciosa é a tentativa das autoras de fazerem depender o que os murmúrios lhes diziam estar a ocorrer no CES da vida pessoal do Star Professor, cujo “prestigious status” incluiria ter uma amante em cada canto do mundo. De novo a fundamentação para estes rumores é o artigo de Esther Wang sobre o caso de Avital Ronell, já citado. Como se alguma vez Boaventura de Sousa Santos tivesse assediado e violado durante anos a fio uma das suas alunas ou orientandas. O mesmo artigo vai de novo ser invocado mais adiante, numa tentativa de associar Bruno Sena Martins à imagem predadora de Avital Ronell.

Uma outra acusação enganosa: a prática de dominação no CES alegadamente contradizia fortemente as teorias anticoloniais do centro. Mais uma vez as autoras se socorrem de um artigo que supostamente esclarece as afirmações que fazem sobre esta contradição. Trata-se de K.A. Amienne,  “Abusers and Enablers in Faculty Culture”, The Chronicle of Higher Education, November 2, 2017 (e não 2016, como aparece em “The walls spoke...”). Acontece que este artigo conta a história de uma estudante (que tem o cuidado de anonimizar rigorosamente as pessoas envolvidas) a quem o chefe de departamento não consentiu que mudasse de orientador, porque “ele vai fazer da minha vida um inferno” (he’ll make my life miserable). Ora, mudar de orientador ou orientadora no CES acontecia por vezes por razões justificadas, como Viaene, Larangeiro e Tom muito bem sabiam. Acontece até que Laranjeiro mudou três vezes de orientação – e isto, sim, é que já não é tão vulgar como isso. 

As autoras reconhecem a excelência do programa de doutoramento em Estudos Feministas do CES, com trabalho notável sobre trabalhadoras do sexo, imigrantes trans e mulheres indígenas e afro-descendentes, bem como sobre assédio no local de trabalho. Apressam-se, no entanto, a acrescentar que a investigadora a liderar estes trabalhos, designadamente no que diz respeito aos direitos de L.G.B.T.Q.I.A+, e que pertencia à comissão de ética do CES ao tempo, não inspirava confiança uma vez que era amiga de longa data do Apprentice.

Uma das mais graves e falsas acusações ao CES no seu conjunto ocorre na página 219-220, onde se diz que uma figura de poder institucional, cujo tema de investigação era o sistema de justiça nacional e estava, por isso, em contacto íntimo com o sistema judicial, com reuniões constantes com os juízes e os advogados locais, insinuando que podia, por isso corromper os juízes. Isto é particularmente grave porque, entre os observatórios do CES, um dos mais prestigiados é o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

Outro comentário no capítulo a merecer reflexão é que “o centro de investigação É o Professor Estrela, por isso, se o Professor Estrela cair... toda a instituição cai com ele. Por conseguinte, não existe uma massa crítica interna em relação a este tipo de má conduta e abuso”. Ora se o CES é Boaventura de Sousa Santos, os outros investigadores do CES são Nulos, o que é um insulto a todos os que nesta instituição trabalharam ou trabalham, e é até um insulto para as próprias autoras.  Mais ainda, é um insulto também para todos os analistas e supervisores que a nível nacional e internacional reconheceram o CES como uma Instituição de excelência. 

Isto significa que entre mais de 150 investigadores do CES ninguém tem qualquer mérito, todos vivendo á sombra de Boaventura de Sousa Santos, que passava em Portugal não mais que quatro meses por ano. As sucessivas classificações de centro de excelência foram certamente o resultado de compadrio entre o Professor Estrela e a FCT, pois não se imagina que o cv dele, por melhor que seja (está entre os 2% cientistas mais citados do mundo na lista da Elsevier), bastaria para que tal classificação fosse atribuída ao CES. O CES tem muitas investigadoras e muitos investigadores de grande mérito e essas e esses estão revoltados com o espectáculo que algumas das suas e seus colegas oferecem à mediafare que atinge Boaventura de Sousa Santos e que só é comparável à mediafare a que foi sujeito o Presidente Lula da Silva (todos os artigos de imprensa traziam a foto de Boaventura de Sousa Santos, que abria telejornais, e falavam do caso contra Boaventura de Sousa Santos, quando o capítulo investe contra outros investigadores e contra o CES no seu conjunto).

Nas reflecções finais, as autoras não têm pejo em reafirmar que o seu artigo é totalmente motivado pelas pichagens anónimas. Mas como se diz na carta enviada à Routledge por Gay Seidman e Linda Gordon, as alegações desse capítulo não passam de alegações completamente infundadas. 

Entretanto, a editora eliminou o capítulo, mas a justificação que deu para esse gesto nada diz sobre a falta de rigor científico e de ética académica do texto. Sobre isso escreveram ainda à Routledge Ángeles Castaño Madroñal (Antropóloga, Universidade de Sevilha), Elodia Hernandez León (Antropologia, Psicologia, Universidade Pablo Olavide, Sevilha), Alice Kessler-Harris (R. Gordon Hoxie Professor of American History, Emerita, Columbia University) e Mary Layoun (Literatura Comparada, University of Wisconsin-Madison). Nenhuma destas quatro recebeu qualquer resposta da editora. 

A editora dá a justificação que lhe é mais conveniente por não pôr em causa a reputação da Routledge como editora de alto nível académico: o falso anonimato do capítulo. Na verdade, na identificação das colaboradoras lá se diz que Catarina Laranjeiro (a Former National Ph.D. Student) fez o seu doutoramento no Centro de Estudos Sociais e Lieselotte Viaene (a Former Postdoctoral Researcher) foi no CES que realizou o seu estágio Marie Curie. 

Lieselotte Viaene, a Belgian anthropologist with a PhD in Law (2011), is a professor in the Department of Social Science at Universidad Carlos III de Madrid (Spain). Previously, she was a postdoctoral Marie Curie Individual Fellow (2016– 2018) at the Centre of Social Studies, University of Coimbra (Portugal) with the project GROUNDHR – Challenges of Grounding Universal Human Rights. As a human rights practitioner, she worked, among others, at the Office of the United Nations High Commissioner of Human Rights (OHCHR) in Ecuador (2010– 2013) where she was responsible for the areas of collective rights and transitional justice.

Catarina Laranjeiro, a Portuguese anthropologist, is a researcher at the Institute of Contemporary History of New University of Lisbon (FCSH- NOVA), where she is developing a five- year project on African vernacular cinema. She holds a PhD in Post- Colonialisms and Global Citizenship from the Centre for Social Studies, University of Coimbra, and she has researched in Guinea- Bissau, Cape- Verde, Cuba and Portugal. She directed the film Pabia di Aos (2013), and she has participated in several projects that interlace anthropology, cinema and visual arts. 

Mas a verdade é que na decisão da Routledge tem de ter pesado também a quebra de ética académica e a falta de qualidade científica do capítulo.

Perante isto, pergunta-se: fala-se de liberdade de expressão ou de libertinagem de expressão? Estamos perante censura, ou primado do direito e bom senso? Talvez tenha surpreendido os mais incautos todo este alarido antes de a Comissão Independente realizar o seu trabalho. Mas não surpreendeu os que seguiram de perto o desenrolar dessa campanha. Ela visava deslegitimar preventivamente a Comissão. Soube-se das redes sociais que um grupo de “feministas radicais”, do CES e de fora do CES, se afadigava numa investigação “independente” da que estava a ser levada a cabo pela Comissão Independente. E foi isso mesmo o que aconteceu com o chorrilho das “cartas das Vítimas”, a culminar na obscena 6ª carta do chamado Colectivo de Vítimas e, mais tarde, nas indecorosas entrevistas ao canal NOW.

Bibliografia mencionada no artigo:

Sara Ahmed (2021), Complaint. Durham and London: Duke University Press.

K.A. Amienne (2017),  “Abusers and Enablers in Faculty Culture”, The Chronicle of Higher Education, November 2. 

R. Basak, (2013). ‘An ethical issue – Academic incest: Maintaining status quo in higher education.’International Journal of New Trends in Arts, Sports & Science Education, 2(4), pp. 28– 32.

Stacy Holmes Jones, Tony E. Adams, Carolyn Ellis (2016), Handbook of Autoethnography. London and New York: Routledge. Deste livro, servem-se do capítulo escrito por Keyan G. Tomaselli, Lauren Dyll-Myklebust, and Sjoern van Grootheest, intitulado “Personal/Political Interventions via Autoethnography Dualisms, Knowledge, Power, and Performativity in Research Relations”, p. 576-594.

Alessandro Portelli (2013), A morte de Luigi Trastulli e outros ensaios. Ética, Memória e Acontecimento na História Oral. Tradução e selecção de Bruno Cordovil e Miguel Cardina; Introdução de Miguel Cardina. Lisboa: Edições UNIPOP.


James C. Scott (1990), Domination and the Arts of Resistance : Hidden Transcripts. New Haven and London: Yale University Press.

Susanne Täuber e Mortesa Mahmoudi (2022), “How Bullying Becomes a Career Tool” Nature Human Behaviour: https:// doi.org/ 10.1038/ s41 562- 022- 01311- z

Esther Wang (2018). What are we to make of the case of scholar Avital Ronell? Jezebel: https:// jeze bel.com/ what- are- we- to- make- of- the- case- of- scho lar-avi tal- ronel- 182 8366 966?utm med ium= sharef roms ite&utm sou rce= Jezeb el_ f aceb ook&fbc lid= IwAR3 8HZj svxY cbm_ 02N- Bxkq KM47 nvSd 8f1f aFr1 Tso- 35QDc F6kc CVf3 uBQ

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.