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Milton Blay

Formado em Direito e Jornalismo, já passou por veículos como Jovem Pan, Jornal da Tarde, revista Visão, Folha de S.Paulo, rádios Capital, Excelsior (futura CBN), Eldorado, Bandeirantes e TV Democracia, além da Radio France Internationale

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A nova Guerra Fria 2.0

"A nova Guerra Fria, apelidada 2.0, não apenas já está no centro da geopolítica do século 21 como talvez seja mais perigosa que o equilíbrio do terror que dominou as relações internacionais na segunda metade do século 20", escreve o jornalista Milton Blay. "Basta uma faísca para o fogo pegar e se alastrar. A Guerra Fria 2.0 começou"

(Foto: Aquiles Lins)
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Em seu discurso na  76ª Assembleia-Geral da ONU, dia 21 de setembro, Joe Biden, disse que não queria uma nova Guerra Fria, embora  tivesse enviado uma série de mensagens claras ao seu inimigo Xi Jinping nesse sentido:  defendeu a liberdade de navegação no Mar do Sul da China, se posicionou contra ataques cibernéticos coordenados pelos países asiáticos, citou Xinjiang, onde a minoria muçulmana iugure estaria sendo dizimada e escravizada.

As palavras de Biden chegam tarde demais, pois a nova Guerra Fria, apelidada  2.0, não apenas já está no centro da geopolítica do século 21 como talvez seja mais perigosa que o equilíbrio do terror que dominou as relações internacionais na segunda metade do século 20.

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Como alertou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, "Receio que nosso mundo esteja indo em direção a dois conjuntos de regras econômicas, comerciais, financeiras e de tecnologia, duas perspectivas de desenvolvimento de inteligência artificial e, no limite, duas estratégias militares e geopolíticas. Essa é a receita para problemas. Isso seria muito mais imprevisível do que a Guerra Fria".

Com efeito, este novo conflito, que opõe os Estados Unidos à China, é infinitamente mais complexo, portanto mais instável, que o bilateralismo anterior. Como prova o recente episódio  em que os EUA se aliaram ao  Reino Unido para fornecer à Austrália submarinos nucleares, com o objetivo de conter avanços regionais da China. O acordo significou a formação de uma frente anti-Pequim e o enterro de um contrato longamente negociado pela Austrália com a França, o que foi considerado uma "punhalada nas costas" pelo governo de Emmanuel Macron. Os estaleiros franceses já estavam na fase 3 de construção dos submersíveis.

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O episódio demonstra, como se necessário fosse, que o presidente norte-americano não era sincero ao declarar, na tribuna da ONU, que "Defenderemos nossos aliados e amigos e vamos nos opor às tentativas de países mais fortes de dominar outros mais fracos, seja pela força, por coerção econômica, exploração tecnológica ou desinformação.”

Em bom português, Biden usou o espaço, em seu primeiro discurso em uma Assembleia-Geral como presidente, para reafirmar a posição de que "os Estados Unidos estão de volta" ao cenário global, depois que seu antecessor, Donald Trump, abandonou fóruns e acordos multilaterais. Acontece que a China não teme o seu maior e único concorrente. Hoje, os chineses respondem por mais de 20% do PIB mundial. Ainda é uma economia menor do que a americana (US$ 20,5 trilhões dos EUA contra US$ 13,4 trilhões da China), mas, quando a comparação é feita em termos de paridade de poder de compra, Pequim supera Washington: 19% ante 16%.

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Até 2012, quando Xi Jinping chegou ao poder, a regra chinesa era a da discrição política. O novo líder mudou tudo, centralizou poderes e se tornou a figura medular do regime. Seu gosto pela geopolítica o fez avançar os peões ainda mais e rapidamente no tabuleiro mundial. Sua missão é estruturada em torno do "sonho chinês", composto de uma política ecológica voluntariosa, reabilitação da cultura tradicional, reforço da presença do Partido Comunista na sociedade, luta contra a corrupção, influência internacional. No setor externo, Pequim age como Washington, que durante décadas exportou o american way of life, exaltando os valores capitalistas, vendo-se como o "gendarme" do mundo.

Hoje, sobretudo na Asia e África (continente que o chinês visita dezenas de vezes por ano), mas também na Europa, Pequim, através do megaprojeto da nova Rota da Seda, dissemina um discurso similar: - Se vocês querem se desenvolver e enriquecer como a gente, façam como nós. Nossa receita está disponível.

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Esse é o recado de Pequim na era Jinping.

A Europa  não está preparada para uma estratégia de confronto em nenhum setor: militar, tecnológico, econômico, diplomático. Não há tampouco qualquer estratégia alternativa. No início de 2019, houve um sobressalto europeu em relação aos investimentos chineses. Pequim foi considerado um “rival sistêmico”, um “competidor econômico”. Paris e Berlim foram sensíveis aos alertas. Os investimentos das empresas estatais chinesas passaram a se submeter às mesmas regras ditadas pela política de concorrência europeia. Mas não durou, a questão foi se diluindo e as salvaguardas abandonadas.

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Quanto aos gastos militares, embora totalizem um quarto das despesas dos americanos, são o segundo do mundo, voltados para a criação de uma área de influência que ultrapassa a Ásia. 

Dias atrás, no Airshow China 2021, em Zhuhai, foram apresentados voos da nova versão do Chengdu J-20, o caça furtivo chinês mais avançado, com motores produzidos no país. Foi uma maneira de provocar os Estados Unidos, seu rival estratégico na chamada Guerra Fria 2.0. “Só posso dizer que, se eles não estão assustados, vamos nos encontrar no céu", desafiou o comandante-adjunto da Força Aérea da China, Wang Wei.

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Cento e cinquenta unidades desse modelo, destinados à linha de frente da defesa na região do Indo-Pacífico já foram construídas.

Os chineses também apresentaram uma versão para a guerra eletrônica, equipada com "pods" para uso de ondas eletromagnéticas visando atrapalhar as capacidades adversárias. Isso além de novos drones de reconhecimento, uma versão furtiva de ataque, um novo míssil de combate aéreo de longo alcance e armas de combate de proximidade.

A resposta americana foi imediata. Os Estados Unidos revelaram ter acelerado a construção de seu novo bombardeiro estratégico com tecnologia furtiva, o conhecido avião invisível. No dia 20 de setembro, o secretário da Força Aérea, Frank Kendall, anunciou que cinco aviões B 21 Raider estão em fabricação. Trata-se de uma asa voadora subsônica de difícil detecção pelos inimigos, capaz de lançar munições convencionais e nucleares.

Foi uma claríssima réplica a Pequim; como disse o próprio Kendall:

"Se eles continuarem no caminho no qual parecem estar e aumentarem substancialmente sua força de mísseis balísticos intercontinentais, terão em breve capacidade para um primeiro ataque".

Nos últimos meses, imagens de satélite mostraram que os chineses estão em franca ampliação dos sítios com silos para o lançamento dessas armas.

A doutrina chinesa descarta a ideia de um primeiro ataque nuclear, até porque tem hoje uma quantidade insuficiente de bombas para fins dissuasórios. Mas isso pode evoluir rapidamente.

De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute, os Estados Unidos têm cerca de 5.550 ogivas nucleares e a Rússia, 6.255. Segundo o Pentágono, no ano passado a China tinha “apenas” 200, enquanto o Instituto de Estocolmo estimava o arsenal chinês em 350 ogivas nucleares. Esse número, contudo, pode até quadruplicar na próxima década.  

Hoje, acredita-se ser possível evitar o pior, já que Biden e Jinping têm  interesses comuns imediatos, mas ainda é cedo demais para se fazer previsões de médio prazo. A história se desenrola em décadas e nenhum analista sério se arrisca a descartar os atritos crescentes no mar do Sul da China, no estreito de Taiwan, nas fronteiras indo-chinesas. Basta uma faísca para o fogo pegar e se alastrar. A Guerra Fria 2.0 começou.

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