A patrulha do desânimo: uma crônica
Qualquer vestígio de esperança será prontamente neutralizado. Os fiscais do pessimismo estão de olho – e não toleram quem insiste em ver luz no fim do túnel
Os fiscais do otimismo alheio patrulham as esquinas do debate público, atentos, vigilantes, sempre prontos a intervir quando percebem qualquer sinal suspeito de esperança. São especializados na arte da repressão emocional e, sobretudo, na contenção de qualquer vestígio de luz no fim do túnel. Afinal, não há nada mais perigoso do que um militante confiante.
Eis que surge um desavisado, os olhos brilhando, um sorriso tímido escapando pelo canto da boca. "Parece que as coisas podem melhorar", murmura ele, talvez sem nem perceber a gravidade do seu delito. Mas os fiscais estão atentos. Avançam em formação, com o tom grave de quem carrega um grande dever moral:
— Ei, para onde o senhor pensa que vai com esse seu otimismo?
O suspeito hesita. Tenta explicar que viu um pequeno avanço aqui, uma possibilidade ali, que o cenário é difícil, mas nem tudo está perdido. Bobagem. Ele está claramente sob efeito de alguma substância perigosa, talvez um gráfico, um dado concreto, um lampejo de memória sobre o passado recente. Os fiscais, então, endurecem a abordagem:
— Coloque seu otimismo no chão e se afaste devagarzinho. Sem movimentos bruscos!
A essa altura, o otimismo já treme nas mãos do sujeito, ameaçando desmoronar a qualquer momento. Um dos fiscais chacoalha a cabeça, lamentando a situação:
— Você não entendeu nada, não é? O governo está falhando, as contradições estão se acumulando, o Brasil está um caos, o fascismo está mais forte do que nunca, e você aí... achando que alguma coisa pode dar certo? Isso é perigoso. Você pode estar criando uma falsa sensação de possibilidade, e aí, quando a tragédia se confirmar, será tarde demais para o desespero adequado.
O otimista titubeia. Será que exagerou? Será que errou em ver uma centelha de avanço onde deveria ter visto apenas o prenúncio do desastre? O fiscal percebe a dúvida e avança, com o olhar satisfeito de quem cumpre sua missão:
— Olha, nós também gostaríamos de acreditar que há solução. Mas não podemos nos dar a esse luxo. O correto, o responsável, é a vigilância permanente do fracasso iminente. Se formos pegos de surpresa por algo bom, perderemos a credibilidade! E a nossa credibilidade, você sabe, depende da precisão dos nossos apocalipses.
A essa altura, o suspeito já não tem certeza de mais nada. Seus ombros caem, o sorriso desaparece, e o brilho nos olhos se apaga lentamente. Os fiscais trocam olhares de satisfação. Trabalho concluído.
O perigo do otimismo foi, mais uma vez, contido.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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