A paz da miséria – enclosures brasileiros
A política hedionda de cercamento (enclosure) continua acontecendo, e o cerco é feito contra a população mais vulnerável e explorada
“Ler criticamente o mundo é um ato político-pedagógico; é inseparável do pedagógico-político, ou seja, da ação política que envolve a organização de grupos e de classes populares para intervir na reinvenção da sociedade.”
Paulo Freire
Os direitos humanos são um conjunto de direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. São direitos que garantem a dignidade humana e a possibilidade de uma vida livre de opressão e discriminação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), estabelece os direitos humanos básicos que devem ser respeitados por todos os países e indivíduos. A DUDH é um marco fundamental na história dos direitos humanos, consolidando o conceito de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Nascer livre — para a população paupérrima — parece até uma ironia. Quando lembramos de tantas injustiças sociais espalhadas em nossas cidades, recordamos que o hábito da leitura no Brasil é precário, a começar pela quantidade de livrarias no país. Se fizermos uma comparação, por exemplo, com a Argentina, constataremos que apenas na cidade de Buenos Aires existem 734 livrarias, segundo dados recentes.
O Rio de Janeiro tem 144 livrarias em funcionamento, de acordo com informações de dezembro de 2023. Esse número representa uma redução de 60 estabelecimentos em relação às 204 existentes em 2017, devido ao fechamento de redes e aos efeitos da pandemia. Apesar da diminuição, o Rio ainda mantém um acervo significativo, especialmente no Centro, que conta com 43 livrarias, conforme dados de março de 2025.
Fica claro que a demanda cultural e literária está em baixa na cidade-luz do Brasil, o Rio de Janeiro. E, se fizermos um levantamento em todas as cidades brasileiras, poderemos constatar que o grande gigante da América do Sul precisa reformular seus vínculos e sua malha estrutural, já que a educação de verdade está em crise. E não serão projetos assistencialistas ou medidas paliativas invasivas que farão tal reformulação; muito pelo contrário, pois todo o estado de desigualdade implantado nesta nação advém da colonialidade, que gerou corrupção.
O planejamento do capitalismo, após os burgos, se deu objetivamente para criar uma casta de mendicantes e desvalidos, simplesmente para demonstrar, em doses cavalares, como seria o novo mundo — um mundo em que a industrialização faria a diferença em relação ao lucro. Camponeses foram atirados à condição de pedintes e, depois, enforcados.
O ludismo provou o quanto Karl Marx esteve certo em suas conjecturas e em seu materialismo histórico: “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes.” Karl Marx ainda não havia nascido, e os ludistas já faziam “marxismo”, ou seja, exerciam o direito de reagir, de não capitular diante do status quo. Os ludistas da Inglaterra são muitas vezes desprezados como tecnófobos excêntricos, mas, na realidade, tratava-se de um corajoso movimento operário pré-marxista que dava prioridade às pessoas e à natureza em detrimento da propriedade privada.
O fenômeno dos enclosures fez brotar na Inglaterra um momento histórico liberal que deu origem à miséria como alavanca das riquezas. No Brasil, dentro do padrão organizacional político sistêmico, constatamos atos de tirania, como revela a notícia a seguir:
“Os deputados estaduais aliados do governo Cláudio Castro aprovaram, na tarde desta quarta-feira (22/10), na Alerj, o substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.035/2025. A proposta autoriza o governo do estado a retirar do Rioprevidência os recursos provenientes de royalties e participações especiais do petróleo para o pagamento da dívida pública do estado com a União. Atualmente, esses recursos são destinados ao Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio. Estima-se que cerca de R$ 5 bilhões possam ser retirados do Rioprevidência.
A oposição conseguiu aprovar uma emenda ao substitutivo, limitando a vigência da lei até 31 de dezembro de 2026.
O Sepe se posiciona contra a aprovação do projeto. Mesmo com a limitação conquistada pela oposição, o governador, na prática, terá permissão para esvaziar o cofre do Rioprevidência. O sindicato também pretende discutir com outras entidades de servidores a possibilidade de recorrer ao Judiciário contra a medida.”
A política hedionda de cercamento (enclosure) continua acontecendo, e o cerco é feito contra a população mais vulnerável e explorada — professores, alunos, aposentados, ou seja, o operariado em geral. É necessário que a sociedade reaja, afinal, a paz da miséria é mortífera.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




