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Rodolfo Fiorucci

Doutor em História pela UFG, docente no Instituto Federal do Paraná – IF Jacarezinho

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A PEC dos marajás e a greve na educação federal

Sindicatos precisam direcionar suas críticas não só às escolhas políticas equivocadas do governo, mas aos deputados e aos senadores, que mandam no orçamento

Senado (Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado)
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A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (CCJ) aprovou com 18 votos favoráveis e 7 contrários a PEC dos Marajás (ou do quinquênio) do serviço público, que permitirá à elite do serviço público ultrapassar o teto constitucional de remuneração. Ou seja, a comissão responsável por defender as limitações constitucionais aprovou uma violação à constituição para fins de beneficiar as categorias privilegiadas do serviço público, que é importante saber, é a minoria - pois a média salarial do serviço público é de quase R$ 4 mil, mas esses apaniguados pela PEC já recebem bem mais de R$ 50 mil mediante penduricalhos.

As categorias contempladas com esse presente para os deuses do Olimpo são as seguintes: Juízes e Procuradores (promotores), Advogados públicos dos Estados e Distrito Federal, delegados da Polícia Federal e membros dos tribunais de contas. É de fato um “tsunami” no orçamento, como classificou o senador Jacques Wagner (PT), pois impactará em mais de R$ 40 bilhões os cofres públicos, isso na mesma semana em que a mídia e o “mercado financeiro” criticam o governo federal por rever a meta fiscal. Ou seja, nos andares de cima se ignora o sequestro do orçamento público para privatizá-lo a algumas categorias, mas ao mesmo tempo critica-se o governo por rever a meta fiscal. Como cumprir meta fiscal com as “pautas bomba” do congresso (deputados e senadores) minando as finanças do governo?

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É importante esclarecer para a sociedade que magistrados e maioria dos cargos de Estado ligados a funções judiciárias já recebem mais que o permitido pelo teto constitucional, pois o teto limita apenas salário, deixando de fora outros ganhos como verbas indenizatórias, o que faz com que quase todos os juízes recebam bem mais do que R$ 50 mil por mês, alguns ultrapassando a casa das centenas de milhares de reais mensais. Uma procura rápida na transparência pública revelará isso para os curiosos.

Estamos criando dentro do serviço público a categoria dos CEOs (cargo de dirigente máximo de grandes empresas) dentro dos cargos públicos, mas que não se limita a um dirigente máximo, mas à totalidade de algumas carreiras. É como se numa linha de produção de uma empresa todos os empregados recebessem o salário de CEOs. Alguém cogitaria isso no setor privado? Mas há um problema, o serviço público não pode e não deve funcionar nessa lógica. Não é local para enriquecimento sem limites (o que é válido no setor privado). Todo ganho de servidor público é dinheiro público e deve ter uma limitação ética e moral. E aqui não está se defendendo salários baixos para carreiras de Estado – muito menos para as outras -, mas existe um teto para isso. Alguém aqui imagina que receber R$ 44 mil/mês deixaria alguém em condições difíceis de sobreviver? Pois esse é o teto constitucional.

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Curioso é, entretanto, a quase inexistência de indignação social. A doença da meritocracia realmente contaminou a mentalidade social, pois imaginam que essas pessoas “merecem” esses ganhos vultosos de dinheiro público, pois passaram num concurso disputado. Ao mesmo tempo, estamos vivenciando a greve dos servidores da Educação Federal, técnicos e professores, com perdas salariais que beiram 50% desde 2016 (para os técnicos desde 2012). Nesse caso há muita crítica, pois a carreira docente é vilipendiada e desprezada pela sociedade, o que justificaria, portanto, baixos salários. Isso revela muito sobre a quase impossibilidade de mudança do país e de seus problemas, pois não há saída a não ser pela educação, e isso já é provado por países que, em algumas décadas, saíram da extrema pobreza para estarem figurando hoje entre os mais desenvolvidos do mundo, exatamente porque investiram na educação e nos educadores: Finlândia, Coreia do Sul, China, Singapura etc.

Poucos sabem que no serviço público não existe correção inflacionária anual. Os salários ficam congelados por anos até governo e legislativo aceitarem reajustar salários, sempre abaixo das perdas. Esses dias um pai indagou alguns professores com a seguinte pergunta: “mas vocês sabiam quanto ganhariam quando prestaram concurso, por que fazer greve agora?”. O pai tem razão, realmente sabiam, no entanto, após anos como docentes ou técnicos já não ganham mais o salário para o qual concorreram, com perdas enormes sem reajuste. É concebível perder 30%, 40%, 50% do salário em alguns anos, com aumento de custo de vida contínuo e elevado, e não justificar a greve desses servidores? Importante destacar aqui que as perdas salariais da educação se vinculam aos governos Temer e Bolsonaro e não ao governo Lula, que recompôs inflação do seu próprio período, mas sem recuperar nem parte das perdas anteriores.

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Há essa parte social e legislativa minando as finanças governamentais? Há! Mas também não se pode ignorar que governar é fazer escolhas e o governo Lula cometeu equívocos no processo de negociação com os servidores públicos federais, especialmente no executivo, que é o que lhe cabe. Sem admitir isso fica difícil até mesmo para o governo entender e planejar seus próximos passos políticos, especialmente num ano eleitoral e com 2026 logo ali.

O governo optou por conceder reajustes às carreiras de elite do poder Executivo, como Auditorias Fiscais e polícias federais, além de reestruturar e reajustar outras carreiras que estavam defasadas, como no IBAMA e FUNAI, com percentuais acima de 40%. Auditores e policiais federais já recebem mais que técnicos e professores, apenas com graduação. Um professor doutor, com Dedicação Exclusiva (ou seja, não pode exercer mais nenhuma atividade remunerada) no topo da carreira ganha menos que um auditor fiscal, apenas com graduação, no início da carreira. Quanto à comparação com os técnicos, o absurdo é ainda maior.

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Em relação aos servidores da FUNAI e IBAMA, que realmente precisavam de reajuste, vão ultrapassar os ganhos de técnicos administrativos da educação com doutorado. Outro item que preocupa é que um professor sem dedicação exclusiva em início de carreira na educação federal ganha menos do que o Piso Nacional da Educação. Outro problema: a Dedicação Exclusiva para docentes, na prática, entra nas contas como salário (mas não é). E tampouco é obrigatória para o governo. Isso significa dizer que para um professor doutor ter quase metade do salário de um auditor graduado, no mesmo nível de carreira, precisa ter Dedicação Exclusiva, pois sem a DE recebe 1/3 do salário de auditor. E detalhe: o auditor, assim como o policial federal, pode ter outro trabalho remunerado na educação e aumentar seus rendimentos mensais, o professor DE não pode, nem mesmo na educação. E Reitero: quando a comparação é com o técnico administrativo em educação, fica mais constrangedor.

Alguém aqui tem alguma dúvida sobre os motivos que levam a juventude brasileira a não querer seguir carreira na educação? Dúvidas sobre a péssima educação nacional, seja pública ou privada? E tem um detalhe: os Institutos Federais, que foram criados pelo governo Lula e Haddad, entregam um dos 10 melhores sistemas de educação do mundo, segundo a maior avaliação internacional da educação, o PISA. E ainda assim a educação federal foi preterida nas escolhas sobre quais carreiras abraçar. Nem isso a sociedade que se diz meritocrática olha: se existisse meritocracia, quanto deveria ser o salário de professores e técnicos que entregam um dos 10 melhores sistemas de educação do mundo para a sociedade brasileira?

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Até aqui nem sequer se colocou as questões políticas na balança, como por exemplo a repetição do erro cometido no passado, de querer trazer para apoio categorias que historicamente são contrárias às pautas progressistas e a um país menos desigual. As polícias federais, no geral, não apoiaram, não apoiam e dificilmente apoiarão o governo do PT, independentemente de qualquer benefício e autonomia dada, como já ficou provado em suas atuações junto da criminosa operação Lava Jato e durante as eleições presidenciais de 2022. Assim como militares e elite do funcionalismo público. E mesmo assim se acredita que mais uma vez conceder benesses a essas categorias à revelia da base real do governo pode trazer algum ganho. É uma dupla perda. Ao mesmo tempo se pede paciência àqueles que foram às ruas, que fizeram a luta política, que promoveram a desconstrução permanente das fake news nos últimos anos.

Como disse um líder sindical, quando você não toma conta da sua casa, vem outro e toma. Se não se toma conta da sua base, a lógica pode ser a mesma. Então é preciso corrigir os rumos do governo, atentos e cientes que o momento político é perigoso, que o bolsonarismo está ainda ameaçando a democracia brasileira e que forças dentro do Estado ainda estão esperançosas na queda do governo, inclusive os presenteados nos reajustes. Portanto, não se pode cair na mesma armadilha do “Fora Dilma”, de 2013, mas também não se pode fechar os olhos a equívocos governamentais, até como ajuda para corrigir rumos.

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É preciso também reconhecer o trabalho do Congresso Nacional contra a educação: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao colocar a PEC dos Marajás para votação, no momento de greve da educação, colocou uma faca orçamentária e fiscal no pescoço do governo e dos professores e técnicos. A PEC do Pacheco ataca diretamente as possibilidades de valorização da Educação. Na Câmara, Arthur Lira ameaça derrubar vetos presidenciais que cortaram bilhões de emendas parlamentares extras que visam as eleições municipais desse ano, que interessam muito aos deputados para suas campanhas em 2026 aliados a prefeitos eleitos com apoio de suas emendas.

Agora pergunto: é justo apenas colocar a greve como consequência dos atos do governo federal? Não é. O governo fez escolhas políticas que não foram pelos educadores? Fez. Mas os deputados e senadores estão há anos sequestrando o orçamento público e impossibilitando investimentos cruciais para o desenvolvimento da sociedade. É preciso dar a cada um o seu quinhão nessa disfuncionalidade brasileira.

O que é preciso compreender é o papel do governo na eclosão da greve. Provavelmente não haveria greve se não houvesse reajuste para a elite do serviço público ao passo que se ofereceu 0% para a educação. Como pode-se argumentar que não é possível reajustar e buscar corrigir as perdas dos servidores da educação porque não há orçamento e existe meta fiscal, ao mesmo tempo em que se reajusta carreiras de elite, com salários da Polícia Federal que chegarão a mais de R$ 40 mil e com oferta de bônus mensal a auditores de R$ 11 mil/mês, fora reajuste de salário. Com indignação, aceitar-se-ia 0% sob esses argumentos se, e apenas se,  não houvesse reajuste para os já com maiores salários. O que não é possível é aumentar o fosso, cada vez mais, entre os deuses do Olimpo do serviço público e o resto.

Sempre sob a justificativa que o número de servidores dessas carreiras é bem menor, eleva-se seus salários e congela-se dos outros, criando diferenças brutais dentro do setor público. A ponto de ter que se atacar limites constitucionais para aumentar ainda mais salários, pois o céu já não é mais o limite para alguns.

Desejo que essa greve tenha um fim breve e que o governo corrija seus passos urgentemente, sob a pena de contrair consequências políticas consideráveis se não o fizer. É um trabalho delicado e que exigirá maestria de Lula e do governo? Sim. Mas é necessário. Ao mesmo tempo, é preciso que os sindicatos passem a direcionar suas críticas não só às escolhas políticas equivocadas do governo, mas aos deputados e senadores que são quem, de fato, mandam no orçamento. Se não há muita margem para investir na educação, o motivo está no Congresso, e isso não se pode perder de vista: vide a PEC dos Marajás, colocada em análise por Rodrigo Pacheco, e as ameaças de derrubada de vetos presidenciais, quanto às emendas parlamentares extras, conduzidas por Arthur Lira.

OBS: toda a bancada do PL (partido de Bolsonaro) no CCJ votou a favor da PEC dos Marajás, assim como Sérgio Moro e Flávio Bolsonaro.

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